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A Semidemocracia Brasileira (página 2)

José Maria Nóbrega Jr

Os dois primeiros critérios da análise minimalista são apreciados pelas definições submínimas de Schumpeter (1984) e Przeworski et ali (2000), mas os outros dois critérios não são contemplados na tipologia classificatória desses autores. Para a perspectiva minimalista da democracia, há no subminimalismo um sério equívoco. Garantir efetivas e sólidas instituições que garantam as liberdades civis e o efetivo controle das instituições de segurança – Poder Judiciário, Polícias, e Forças Armadas – é fundamental para a democracia, mas não é para os subminimalistas.

Os critérios mínimos aqui elencados são necessários para a democracia. A definição procedural minimalista focaliza as regras do jogo eleitoral, mas acrescenta uma preocupação com as liberdades civis e com a genuína capacidade de exercer o poder. Tal definição não aborda a questão não-procedural, detêm-se nos aspectos do Estado de Direito na garantia das liberdades individuais e na efetividade do controle civil sobre os militares.

A Semidemocracia: entre o autoritarismo e a democracia

Como atribuir o caráter de democracia "consolidada" quando da análise de outros parâmetros que não estejam inseridos nas instituições que passam pelo crivo eleitoral? Por exemplo, se direitos fundamentais, como o que diz respeito a um julgamento justo e isonômico, são impedidos de ser garantidos por enclaves hierárquicos e autoritários dentro do sistema de justiça brasileiro. Como é o caso do paradoxo entre a Constituição de 1988 e o Código Penal Brasileiro. Teixeira Mendes (2004) fez um importante estudo a respeito da igualdade de direito no Brasil. A autora utilizou a análise do discurso proferido por Ruy Barbosa, em 1920, para os recém formados do curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Direito de São Paulo. A "Oração aos Moços", que defendia a tese de que a essência da igualdade é tratar desigualmente os desiguais. No seu trabalho, a autora fez um paralelo entre as contradições da Constituição de 1988, que tem caráter liberal, principalmente em seu artigo quinto, com o Código Penal Brasileiro, fortemente hierárquico que vê de forma desigual o que a Constituição vê de forma igualitária. As premissas básicas do Estado Moderno, como a questão dos direitos civis, não são respeitadas e efetivamente garantidas para a maioria dos cidadãos brasileiros. As Instituições de Segurança Pública apresentam sérios problemas que ameaçam o próprio Estado de Direito democrático.[10] Há uma crise do Estado Legal no Brasil.[11] Todas estas questões são por demais complexas e têm de ser levadas em consideração para se afirmar que o Brasil é uma democracia consolidada, não podendo ser negligenciada numa perspectiva procedural da democracia.

O conceito minimalista de democracia, ou democracia procedural, ou ainda, democracia como método de escolha de governantes, tem sua origem nos estudos de Schumpeter (1984) e Weber (1999) (Nóbrega Jr., 2004 e 2005). Contudo, tal conceito é submínimo (Mainwaring et ali, 2001), não minimalista. A democracia de caráter "schumpeteriano" seria submínima por não absorver parâmetros que são fundamentais para a afirmação de que o regime político de um país seja democrático. Em estudo comparativo de regimes políticos na América Latina, que abrange um corte temporal que vai de 1945 a 1999, Mainwaring et alii (2001) destacaram os trabalhos de Schumpeter (1984), Przeworski et alii (2000) e de instituições que fazem análises de gradação democrática para a América Latina, como a Polity III e a Freedom House, colocando-os como sendo submínimos por não abordarem parâmetros bastante pertinentes para a análise de regimes políticos democráticos. Criaram uma escala tricotômica na qual o país em análise seria classificado como democrático, autoritário ou semidemocrático (ou semi-autoritário), diferenciando-se das teorias submínimas, que levam em consideração apenas às instituições que passam pelo crivo eleitoral. Para os subminimalistas, regimes onde não existem eleições com aquelas características (vide nota de nº 5), seriam autoritários. Configurando, dessa forma, uma interpretação dicotômica da análise democrática, ou seja, submínima. Numa escala quadricotômica, tem-se uma zona cinzenta na qual o país em análise aparece como um sistema político híbrido, nem autoritário, nem democrático. Podendo ser semi-autoritário ou semidemocrático. Nele existem eleições segundo os critérios de Schumpeter (1984), mas encontramos sérios limites aos direitos civis e uma camada delgada de civis com limitados poderes políticos, muitas das vezes ofuscados pelos militares. No Brasil há excesso de prerrogativas militares[12], isto conota uma forte influência dos militares em assuntos políticos, i.e., de interesse civil (Nóbrega Jr., 2006a e2006b).

Ottaway (2003) desenvolveu uma teoria a respeito de regimes políticos ditos semi-autoritários. Países como o Egito, Azerbaijão, Venezuela, Senegal e Croácia são avaliados, aonde se chega à conclusão que neles os regimes políticos formataram um sistema de hibridismo institucional no qual a inclinação para o autoritarismo é mais enfática, mesmo respeitando algumas características eleitorais. Para a autora, tais países configuram sistemas ambíguos que combinam uma aceitação retórica da democracia liberal, a existência de algumas instituições democráticas formais, e respeito por uma limitada esfera de direitos civis e políticos como essencialmente iliberal ou sempre com traços autoritários. Averigua que em sistemas ditos semi-autoritários não encontramos democracias imperfeitas lutando em direção ao aperfeiçoamento e consolidação, mas regimes determinados a manter a aparente democracia colocando de fora os riscos políticos que a livre competição ocasiona (Ottaway, 2003: pp. 3-27). Regimes políticos semi-autoritários apostam em sistemas eleitorais da democracia. Mantêm eleições regulares e multipartidárias, permitem o funcionamento do parlamento, direitos civis e políticos (limitados), formas de associações e uma imprensa sem uma censura estatal operando, mas não consolida, e nem pretende consolidar, a democracia como regime.

As fases do modelo de democratização que Ottaway (2003) coloca são: 1) liberalização da sociedade civil com uma imprensa livre; 2) suporte às eleições e 3) instituições democráticas responsivas. No terceiro ponto tem o que O´Donnell (1998 e 1999) chamou de accountability horizontal. A imprevisibilidade e a falta de responsividade de algumas instituições são freqüentes em regimes semi-autoritários, mas, também, podem ser encontradas em regimes semidemocráticos.

A semidemocracia, que é uma situação de "imperfeição"[13] democrática, mostra como a questão da falta de responsividade das instituições democráticas, apresentando sérias limitações e falhas em sua composição, leva a um tipo de regime de hibridismo institucional[14] (Mainwaring et alii, 2001).

Sartori (1976; p. 61) define a condição mínima de uma definição "quando todas as propriedades ou características de um ser que não são indispensáveis para sua identificação são apresentadas como propriedades variáveis, hipotéticas – não como propriedades definidoras. Isso equivale a dizer que tudo o que ultrapassar uma caracterização mínima é deixado à verificação – não é declarado verdadeiro por definição".

No caso da democracia características de algumas de suas instituições não podem deixar de ser levadas em consideração por que, caso sejam negligenciadas, não serão contempladas as necessidades mínimas da definição, como bem ressaltou Sartori (1976).

A definição minimalista contemporânea da democracia tem quatro propriedades definidoras. As duas primeiras abrangem as dimensões clássicas schumpeterianas (Schumpeter, 1984) e dahlsianas (Dahl, 1969), bem como em outros estudos (Przeworski et alii, 2000). A primeira corresponde as escolhas em eleições livres e limpas para o chefe do Executivo e o Legislativo. As eleições são um ingrediente essencial para a democracia representativa em nossa contemporaneidade. A transparência eleitoral e o accountability vertical (O´Donnell, 1998) se mostram como elementos constantes que não devem sofrer nenhum retrocesso.

A segunda propriedade é a que diz respeito ao direito de voto, que deve ser extenso à maioria da população adulta. A terceira propriedade leva em consideração a proteção aos direitos políticos e as liberdades civis, como a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão, a liberdade de organização, o direito ao habeas corpus e outros que compreendem o componente liberal da democracia, aos quais a democracia deve efetivamente cobrir[15].

Mesmo na condição na qual um governo seja escolhido em eleições livres e limpas, com amplo sufrágio, na ausência de uma efetiva garantia das liberdades civis, não poderá ser tal sistema político considerado democrático nos moldes de uma análise minimalista da democracia.

A quarta propriedade se destina a avaliar as autoridades eleitas no que diz respeito ao genuíno poder de governar sem que sejam ofuscados por atores políticos não eleitos, como os militares, por exemplo, que dominam nos bastidores (Valenzuela, 1992). Se as eleições são livres e limpas, mas elegem um governo que não consegue controlar algumas das principais arenas políticas pela causa, por exemplo, na qual os militares fazem tal controle[16], então esse sistema político não é uma democracia (Mainwaring et alii, 2001; pp. 650-651).

Estes quatro critérios elencados são fundamentais para uma democracia sólida, sem os quais um regime não pode ser considerado democrático. A definição de democracia em sua dimensão minimalista aqui em enfoque, focaliza as regras do jogo acrescentando uma preocupação com as liberdades civis e com a genuína capacidade de exercer o poder.

Quando alguns desses critérios são descumpridos ou sofrem agressões, o que temos é uma semidemocracia ou um semi-autoritarismo (Ottaway, 2003). Como, no Brasil, observo grandes falhas no terceiro e quarto critérios, cheguei à conclusão que o nosso sistema político contempla, no máximo, uma semidemocracia, pois temos sérias limitações no cumprimento efetivo do Estado de Direito democrático no que tange as garantias dos direitos civis elementares, como o direito à vida, por exemplo, e, também, ainda não efetivamos o controle civil sobre as Forças Armadas em algumas instituições importantes para o bom andamento da democracia, como é o caso da Segurança Pública.[17]

Os Riscos do Subminimalismo

Na definição sobre democracia aqui defendida há uma importante semelhança com as definições de Schumpeter (1984) e a de Przeworski e seus colaboradores (2000). Em todas elas existe uma concentração em determinados procedimentos ou regras do jogo. No entanto, a definição de democracia que leva em consideração as segunda, terceira e quarta dimensões que foram referidas acima, difere daquelas outras duas. Ambas equiparam a democracia à realização de eleições livres e limpas, dando atenção a alternância do poder, mas sem levar em consideração a restrição às liberdades civis e à existência de enclaves autoritários, ou "domínios reservados", na política pública, que deveria ser de exclusivo controle dos atores políticos eleitos pelo povo (Mainwaring et alii, 2001).

Para Przeworski e colaboradores (2000), numa democracia o chefe de governo e o Legislativo devem ser eleitos onde exista um sistema partidário que contemple mais de um partido político. Numa perspectiva dicotômica (democracia ou não-democracia), a classificação de regimes políticos baseada nessa definição (Przeworski et alii, 2000), resulta na inclusão de alguns regimes autoritários na categoria de democráticos.

Para esses autores, as classificações de regimes políticos devem "confiar exclusivamente em julgamentos observáveis e não em julgamentos subjetivos" (Alvarez et alii, 1996; p-3). A distinção entre o que é observável e o que é subjetivo é por demais complexa. Mesmo que os regimes sejam classificados de acordo com fatores "observáveis", os cientistas políticos precisam julgar até que ponto há liberdade para que existam eleições isentas. Além disso, tomar por base julgamentos observáveis não vem a restringir, necessariamente, uma definição de democracia às instituições que passam pelo crivo das eleições. "A situação das liberdades civis e dos direitos humanos, a amplitude da participação e o grau em que atores políticos não democráticos têm poder de veto sobre as políticas governamentais, tudo isso é "observável" (Mainwaring et alii, 2001). É um erro, portanto, classificar regimes políticos sem levar em consideração julgamentos acerca do respeito e das garantias às liberdades civis e sem fazer uma verificação se as autoridades eleitas governam realmente.

Destinar atenção exclusiva as instituições que passam pelo crivo eleitoral, verificando se há competição política, leva a uma definição submínima e a sérios erros de classificação dos regimes políticos. O "eleitoralismo" (Karl, 1986), que é a equiparação de eleições competitivas com democracia, não dá atenção a dimensões fundamentais da democracia. A partir de 1974, no Brasil, houve um processo de descompressão que trouxe um significativo avanço no processo eleitoral brasileiro, apesar de vivermos, naquele período, em regime autoritário (Skidmore, 1988). Dessa forma, no esquema dicotômico da definição submínima de Przeworski e seus colaboradores (2000), se chegou a conclusão que o Brasil dos últimos anos do regime militar (1979-1984) era uma democracia. Muito embora o chefe do Executivo fosse escolhido pelos militares e ratificado por um colégio eleitoral que acatava, de forma servil, as escolhas oficiais, onde, também, os governadores não fossem eleitos democraticamente até 1982 e a oposição de esquerda e os movimentos sociais fossem reprimidos de forma violenta constantemente (Mainwaring et alii, 2001).

Como se vê, na definição subminimalista, sobretudo a mais radical delas que é a de Przeworski et alii (2000), há uma firme rejeição ao uso de julgamentos aos quais eles afirmam existir grande subjetividade, como é a questão das liberdades civis. Mas, para nós (Mainwaring et alii, 2001) a inexistência do respeito e das garantias do Estado de Direito às liberdades civis fundamentais, faz com que não exista a democracia no país em análise.

Para Przeworski e colaboradores (2000), toda vez que um partido político governante sofre uma derrota eleitoral e permite que a oposição venha assumir o governo sob as mesmas regras, o regime vai ser classificado como sendo uma democracia. Segundo Mainwaring et alii (2001) tal critério é ao mesmo tempo inclusivo demais e inclusivo de menos. Sendo assim, estes autores afirmam:

"As violações de liberdades civis ou de direitos políticos podem ter como alvo determinada tendência política – até mesmo uma tendência dominante -, e ainda assim facultar ao eleitorado algumas escolhas, produzindo dessa forma a requerida alternância de poder, sem, no entanto permitir que se realizem eleições livres e limpas. Foi o que aconteceu na Argentina entre 1958 e 1966, quando o partido peronista foi proscrito, a partir do que o povo ficou impedido de votar no partido mais popular" (Mainwaring et alii, 2001; p.654)

A regra de alternância também pode excluir da categoria de regimes democráticos países onde as liberdades fundamentais estão presentes e o eleitorado está satisfeito com o partido governante, como é o caso do Japão. Ali já existia uma democracia consolidada antes de haver alternância no poder. Sob aquelas regras de alternância, o Japão poderia ficar fora de uma classificação de democracia por tais regras serem nebulosas. O PDL (Partido Democrático Liberal) ficou de 1955 a 1990 no poder e nem por isso o Japão ficou menos democrático.

Além dessas questões, um governo só pode vir a ser democrático se àqueles que foram eleitos pelo povo nas eleições realmente exercerem o seu poder constitucional. "Przeworski et alii (2000, p.35) rejeitam terminantemente esse critério e sustentam que as classificações de regimes não devem basear-se em juízos sobre o exercício real do poder" (Mainwaring et alii, 2001; p. 655).

Isso é tão enfatizado pelos subminimalistas que eles chegaram a afirmar que "em algumas democracias (de que Honduras e Tailândia são protótipos), o governo civil não é mais que uma delgada camada encobrindo o poder militar que é, de fato, exercido pelos generais reformados. Mas enquanto os governantes forem eleitos em eleições nas quais outros grupos tenham chance de vencer e enquanto não usarem o poder dos seus cargos para eliminar a oposição, o fato de o chefe do Executivo ser um general ou um serviçal de general não acrescenta nenhuma informação relevante" (Przeworski et alii, 2000; p. 35).

Para nós (Mainwaring et alii, 2001) se o governo eleito pelo povo não governa, pois é ofuscado pelos militares, tal governo não é democrático. No máximo contempla uma semidemocracia.[18]

Conclusão:

A morosidade da Justiça brasileira, a ação discricionária da polícia militar e a ineficiência investigativa da polícia civil são pontos que levam os direitos civis dos cidadãos brasileiros a não serem efetivados. Desvios de condutas dos policiais, grupos de extermínio, execução de suspeitos, prisões ilegais, inquéritos policiais mal elaborados e mal conduzidos (Zaverucha, 2004: pp.81-102), sistema carcerário ultrapassado e longe dos padrões internacionais de formatação (Rodley, 2000: pp. 49-50), forte influência política dos militares no Ministério da Defesa[19], na Abin (Agência Brasileira de Inteligência), e em outras instituições (Nóbrega Jr., 2006b), tudo isso são pontos que devem ser investigados por uma concepção mínima da democracia. São enclaves autoritários, hierárquicos e inquisitoriais que ainda resistem de forma bastante expressiva nas instituições coercitivas brasileiras, estas responsáveis pela administração dos conflitos que devem evitar um estado hobbesiano[20].

Riscos de retrocesso ainda existem na frágil conjuntura democrática brasileira. Isso não ocorre por que atores políticos civis e militares sustentam um acordo de equilíbrio que existe desde a tutela amistosa (Zaverucha, 1994) no processo de transição do regime de exceção para a semidemocracia, em 1985. Stepan (1988) chamou tal situação de "acomodação civil desigual", pois os civis não interferem nas instituições as quais os militares dominam, – quando acontece, a resposta é sempre incisiva por parte dos castrenses[21] – como é o caso do domínio mais que reservado no Ministério da Defesa. Dessa forma, os verde oliva não teriam estímulo para tomar o poder, já que isto teria custos maiores que benefícios (checks and balances).

Portanto, o Brasil é uma semidemocracia. Encontramos em suas instituições características híbridas de regime democrático e de autoritarismo (Nóbrega Jr., 2005; Zaverucha, 2005). As instituições coercitivas são as que melhor representam tal hibridismo e seriam diretamente responsáveis pelas garantias dos direitos fundamentais dos indivíduos. Avanços ocorreram desde a redemocratização, em 1985. Mas, enquanto os direitos civis não forem contemplados, com instituições fortes e responsivas com accountability[22] nesses direitos, nem efetivarmos o devido controle civil sobre os militares, fica difícil consolidarmos a democracia em nossas plagas. Um Poder Judiciário responsivo, polícias que trabalhem pela cidadania e Forças Armadas sem prerrogativas políticas seria o mínimo necessário para a consolidação da democracia no Brasil.

Notas

[1] O termo consolidação deve ser usado com cautela, por se tratar de conceito ex post facto. É importante ressaltar que a literatura definia a democracia chilena, até as vésperas do golpe pinochetista como sendo condolidada. Valendo, também, para a Venezuela antes da primeira tentativa de golpe proporcionada por Hugo Chavez, em 1992 (Zaverucha, 2005).

[2] http://www.latinobarometro.org/ano2003/Inform-Resumen_Latinobarometro_2003.pdf

[3] Salientar que o modelo colocado como "tipo ideal" está configurado no modelo estadunidense de democracia, sobretudo no que diz respeito à igualdade jurídica.

[4] Citação retirada de Sen (1999; p. 183).

[5] Schumpeter afirmou que para o método democrático ter eficiência é necessário o preenchimento de certas condições:

1. O calibre dos políticos deve ser alto, ou seja, a qualificação profissional das lideranças políticas.

2. A competição entre líderes (e partidos) rivais deve ter lugar dentro de uma esfera relativamente restrita de questões políticas, vinculadas por consenso à direção geral da política nacional, ao que constitui um programa parlamentar razoável e a questões constitucionais gerais.

3. Um corpo burocrático bem treinado e independente, de "boa posição e tradição", deve existir para ajudar os políticos em todos os aspectos da formulação e administração da política.

4. Deve haver um "auto-controle democrático", ou seja, uma ampla concordância sobre o fato de que, por exemplo, coisas como a confusão entre os respectivos papéis dos eleitores e dos políticos, um excesso de críticas ao governo em todas as questões e comportamentos são indesejáveis. Cabe ao governo impor a si limites quando certas questões ultrapassarem sua esfera de conhecimento, algumas questões têm de ser entregues a especialistas.

5. Deve haver uma cultura capaz de tolerar diferenças de opinião (Held, 1987: p.160).

[6] Em uma democracia a participação política de um cidadão um voto é expansiva para a maioria da população adulta. Encontrar-se-á violação desse critério se uma grande parcela da população adulta for privada desse direito, por quaisquer motivos, sobretudo os étnicos, de classe, de gênero ou de nível de instrução. Tais restrições podem levar a um resultado eleitoral distorcido e excludente.

[7] Violações aos direitos humanos não são comuns em uma democracia. Nela, também, os partidos são livres para se organizar e o governo respeita as garantias contidas na constituição (Mainwaring et ali, 2001). O componente liberal encontrado na constituição tem de estar em sintonia com o Judiciário. Regras e códigos de jurisprudência que não vinculam a igualdade perante a lei aos seus códigos e condutas, não podem estar compromissados com o Estado de Direito democrático.

[8] "Em uma democracia, os líderes militares ou os militares como instituição têm influência insignificante ou negligenciável em áreas de política que não se relacionam especificamente com as Forças Armadas e suas preferências não afetam substancialmente as chances dos candidatos presidenciais" (Mainwaring et ali, 2001; p. 660). 

[9] Avaliar regimes políticos apenas em seu aspecto eleitoral exclui elementos essenciais para uma democracia em bases sólidas. Estudos que se baseiam apenas em eleições são submínimos e omitem pontos que são fundamentais para uma análise sobre regimes políticos democráticos. Eleições aparecem como um componente importante, mas não suficiente para a afirmação de que em determinado país exista democracia consolidada.

[10]Art. 144 da Constituição Brasileira de 1988. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio(...) Percebendo sérios problemas nessas instituições, venho aqui sugerir uma maior atenção a tais instituições que não passam pelo crivo eleitoral, mas são de fundamental importância para a condução de um regime democrático.

[11] "Estado Legal", isto é, a parte do Estado que é personificada num sistema legal, penetra e estrutura a sociedade, fornecendo um elemento básico de previsibilidade e estabilidade às relações sociais"(O´Donnel, 2000: p. 347).

[12] "Referem-se àquelas áreas onde, desafiados ou não, os militares, como instituição, assumem ter adquirido o direito ou privilégio, formal ou informal, de governar tais áreas, de ter um papel em áreas extra-militares dentro do aparato do Estado, ou até mesmo de estruturar o relacionamento entre o Estado e a sociedade política ou civil" (Stepan, 1988; p. 93). Exemplos de prerrogativas militares são encontrados na militarização da polícia, onde as PMs têm de responder a dois "patrões", o governador do Estado de um lado e o Comando do Exército de outro. Como Militares Estaduais toda a sua composição hierarquizada segue os regimentos das Forças Armadas, identificando as PMs mais com o Exército do que com os civis eleitos, nesse caso o governador.

[13] Não existe regime político perfeito, nem democracia perfeita, isso é um tipo ideal. O que sugiro com a colocação referenciada é a inclinação de um regime político a esse tipo ideal (vide nota 3).

[14] Nem democrático e nem autoritário, possuindo, na verdade, elementos de ambos.

[15] Quando analisou a forma de exercício do poder dos governantes, Zakaria (1997 e 2003) mostrou como é limitada a democracia em seu viés eleitoral. Afirmou que o crescimento das eleições no mundo foi responsável pelo surgimento de regimes políticos caracterizados por democracias iliberais, i.e., são democracias sem o componente liberal, onde há eleições livres, mas os atores políticos eleitos falham em garantir os direitos básicos dos cidadãos.

[16] A militarização da Segurança Pública passa por tal (des)controle político (Nóbrega Jr., 2006b).

[17] Depois da redemocratização e da formulação da constituição de 1988, houve um crescimento dos militares no comando da Segurança Pública.

[18] Apesar de que Mainwaring e seus colaboradores chegaram a definir o Brasil como uma democracia, definição que discordo plenamente, utilizando seus critérios.

[19] Criado em 1999 para subjugar os militares ao jogo político democrático, ou seja, controle efetivo civil sobre os militares, o MD teve, na verdade, fins instrumentais. O próprio relator do projeto de criação do dito ministério, Benito Gama, afirmou que o novo ministro seria uma espécie de "rainha da Inglaterra". Além da fragilidade instrumental do ministro da defesa este também passaria por fragilização institucional, que os comandantes militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica só deixariam de ser politicamente ministros de Estado, não perdendo o seu status jurídico (Zaverucha, 2003).

[20] Leviatã, tradução em português de João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. In: Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1988.

[21] No processo de indicação do primeiro ministro da defesa, ficou clara como a interferência verde oliva é cabal. FHC quis indicar um diplomata, Ronaldo Sardemberg, para o MD. Mas, como o Itamaraty tem uma rivalidade histórica com as Forças Armadas, o Presidente cedeu às pressões castrenses e escolheu o ex-líder do governo no Senado, Senador Élcio Álvares, que tinha sido derrotado nas eleições de seu estado, o Espírito Santo. Álvares assumiu na qualidade de ministro extraordinário da defesa. Interessante notar que, em seis meses, o Brasil conviveu com cinco ministérios na área da defesa: o MD, a Marinha, o Exército, a Aeronáutica e o EMFA. Álvares ficou numa situação incômoda, pois despachava numa salinha no quarto andar do prédio do EMFA, sendo depois transferido para uma outra sala, também de pequenas dimensões. O ex-senador só veio ocupar o gabinete do ministro-chefe do Estado Maior das Forças Armadas quando foi publicada no Diário Oficial sua nomeação como ministro efetivo da Defesa. Quando assinava documento oficial, tinha de pedir a assinatura de seus subordinados, i.e., os comandos militares (Nóbrega Jr., 2005 e 2006b).

[22] Para melhor entendimento do termo, ler O´DONNEL, Guillermo (1998). "Accountability Horizontal e Novas Poliarquias". Lua Nova, nº 44.

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Autor:

José Maria Nóbrega Jr.

josemariajr23[arroba]hotmail.com

Mestre e Doutorando em Ciência Política - UFPEPesquisador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade (NICC-UFPE)Professor Universitário

Fonte: Revista Espaço Acadêmico Nº63, Agosto de 2006



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