"O pensamento moderno realizou progresso considerável ao reduzir o existente à série de aparições que o manifestam.
Visava-se com isso suprimir certo número de dualismos que embaraçam a filosofia e substituí-los pelo monismo do fenômeno. Isso foi alcançado?"
J. P. Sartre (1997, p. 15)
Resumo:
Dominick LaCapra, em suas formulações, investe contra o primado das dualidades no estudo da história intelectual ao recusar a polaridade entre texto e contexto, mundo "real" e escritos, sujeito e "objeto" etc. Propõe, em contrapartida, a conexão ativa e recíproca entre a produção intelectual e o mundo, tecendo textos e contextos, sujeito e "objeto", numa rede relacional.
Palavras-chave: Dominick LaCapra, história intelectual, historiadores, dualidade, texto, contexto, idéias.
Abstract:
Dominick LaCapra, in his formulations, strikes against the predominancy of dualities in the intellectual history studies when he refuses the polarity between text and context, "real" world and writings, subject and "object" etc. He proposes, otherwise, the active and reciprocal connection between intellectual production and the world that, weaving texts and contexts, subject and "object", in a relational net.
Keywords: Dominick LaCapra, intellectual history, historians, duality, text, context, ideas.
É usual e disseminado na história intelectual – enquanto estudo, ao longo do tempo, sobre a produção e os produtores das idéias – autores alicerçarem suas posições em pilares (fincados aos pares) que procuram balizar o estudo das idéias conforme concepções tanto arraigadas quanto frágeis. Ao serem postos como referências teóricas, tais pares duais (e, por vezes, dicotômicos) como texto/contexto, discurso/realidade, autor/produção, vida/obra, entre outros, não delimitam um espaço fértil a ser cultivado, sequer formam uma cerca para afastar falsas noções; formam sim um círculo de giz, no qual o estudioso se põe ao centro e acredita estar na posse de um arsenal teórico eficiente e protegido do senso comum.
Dominick LaCapra mostra-nos a fragilidade dessas posições. Avesso aos milagrosos pares que supostamente dariam contraste e contorno à "realidade", acrescenta cores ao cenário preto e branco do estudo das idéias e borra as divisas – para muitos ainda óbvias – que dariam alguma nitidez aos dualismos teóricos. Sem dualidades, dicotomias, polaridades, determinismos imanentes, unidimensionalidade, univocidade espacial e temporal, insulamento objetivista do sujeito e sem legitimar o subjetivismo inconseqüente das leituras anacrônicas ou "performáticas", La Capra aborda as idéias e seus sujeitos ancorado numa visão não-canônica da história intelectual, que trata os termos numa espécie de jogo de espelhos, no qual a luz lançada sobre um "objeto", ao refletir-se, ilumina imediatamente outro.
No entender de LaCapra (1985: 26) não devemos nos perder buscando um "dentro" e um "fora", um interior e um exterior, o texto não é algo fechado em si, um "cosmos"; como cenário de inter-relação entre diferentes forças de unificação e disseminação deve ser tomado como "objeto" de investigação. Definido preliminarmente como o uso da linguagem marcado pela tensa interação entre tendências mutuamente implicantes e ao mesmo tempo contestatórias, o texto não é simplesmente um fato, um dado, um "objeto", algo hermeticamente fechado ou determinado em sua significação, tal visão documental é apanágio de um positivismo que situa o texto em termos de uma dimensão literal ou factual que supostamente faria referências à realidade empírica e traria informações a respeito desta.
O texto – para ele – está em relação com outros textos, difere e aproxima-se destes, está indefectivelmente permeado pelo contexto (ponto relativamente consensual) e não é redutível à condição de "simples" documento, artefato, registro do passado; há dimensões no texto – que podem ser revolvidas pelo trabalho do compromisso, da interpretação e da imaginação – insubmissas ao mero inventário. A atitude crítica e transformadora impõe uma relação de construção e desconstrução do dado, de diálogo crítico com o texto e os problemas que levanta.
O contexto – igualmente – está imbricado com os textos, como "mundo real" está ele próprio "textualizado" de várias maneiras, sua construção é viabilizada por textos, por reminiscências e relatos do passado[1]. Daí novamente a necessidade de uma abordagem que instrumentalize uma crítica do contexto como (in)formado por textos, e do texto como elemento imbricado no contexto. A etimologia do termo "texto" (em inglês text), do latim texere, que significa tecer (to weave or compose), fornecida por LaCapra (1985: 19), nos dá uma pista da rede de significados ao qual o autor nos remete: o contexto é tecido por textos, que por sua vez estão enredados a partir do contexto.
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