[1] Passados mais de vinte anos do fim do regime militar no Brasil, algumas prerrogativas militares[2] insistem em permanecer, em nossa semidemocracia (Nóbrega Júnior, 2005 e 2006 e Zaverucha, 2005), inalteradas, ou superficialmente modificadas, mantendo um verniz que, a primeira vista, pode parecer como sendo democrática. Entulhos, obstruções que não são desafiadas pelos civis eleitos desde o primeiro presidente civil pós-regime de exceção. Áreas reservadas que são vistas como de direito, formal ou informal, um privilégio que não pode ser perdido por atores políticos que se mantém no poder, apesar de não ser mais governo.
Uma dessas áreas reservadas é o setor de inteligência brasileiro que, apesar de vivermos em um ambiente de democracia eleitoral, permanece como um entrave de poder político nas mãos dos militares brasileiros. Este pequeno ensaio procura indicar este domínio reservado de um bem público tão importante para a garantia do Estado de Direito democrático, para a garantia da própria democracia[3], que é o setor de inteligência brasileiro.
Ponto forte que mostra destacada influência dos militares em nossa frágil democracia, é o que diz respeito ao controle das Agências de Inteligência. No Brasil há fraca fiscalização parlamentar neste quesito. Isso ocorre, fazendo com que princípios básicos da liberdade individual sejam infringidos quase a todo instante por questão da ingerência militar em tais instituições e da manutenção de uma lógica do regime militar da busca incessante do inimigo interno, lógica esta que segue a Doutrina de Segurança Nacional do período de exceção brasileiro. Modus operandi do ancien regime continuam a fazer parte do setor de inteligência interna (que deveria ser dominada por civis) e externa. As atividades de inteligência civis e militares se misturam, onde os atores políticos militares se destacam por influírem e agirem em assuntos de inteligência interna (Zaverucha, 2000).
O Centro de Informação do Exército (CIE)[4], mantém, em regime dito democrático, prerrogativas relevantes quanto ao seu papel interno, como demonstra o artigo 5º da Portaria nº 323, de 31 de março de 1981, onde tem destacado o seu papel: "orientar, coordenar e desenvolver atividades de informações internas e de segurança interna, bem como contra-informações do sistema de informações do Exército. Assessorar o ministro nos assuntos de informações internas e nas de contra-informações". O chefe desse órgão em 1997, o General Cláudio Figueiredo, afirmou que o CIE não mais participava das operações, apenas assessorava. Com isso, foi criado o EsIMEx (Escola de Inteligência Militar do Exército) para o exercício desse assessoramento (Zaverucha, 2000; p. 40). Mas, apesar desse caráter de assessoramento que o General Figueiredo afirma ter o CIE, tal instituição exerce presença ativa na coleta de informações para assuntos de segurança internos, mantém-se, assim, com sua proposta inicial.
Os serviços de inteligência das Polícias Militares (P-2[5]) continuam agregados ao sistema de informações do Exército, como no período da ditadura militar[6]. As PMs são obrigadas, por lei, a passar as informações coletadas através do chamado "canal técnico" ao comando do Exército. As informações perpassam sobre o governador do Estado. Para completar, não há qualquer controle das Assembléias Legislativas estaduais sobre os serviços de inteligência das PMs. Também, o controle parlamentar em assuntos orçamentários é bastante limitado, para não dizer inexistente. A formatação institucional das PMs como se encontra hoje é um claro exemplo de hibridismo institucional (Nóbrega Júnior, 2006) e tem reflexo direto no setor de inteligência dos militares estaduais. Como servem a "dois patrões", o comando do Exército de um lado e o governo do Estado de outro, a accountability horizontal (O´Donnell, 1998) fica comprometida, a obrigatoriedade de passagem das informações das P-2 para o comando do Exército demonstra uma característica privilegiada que as Forças Armadas tem em relação ao governador.
A ABIN (Agência Brasileira de Inteligência)[7] é outra instituição com características militares. Criada no período do governo de FHC, esta instituição ficou atrelada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI)[8]. Este órgão é permeado por uma estrutura militarizada, onde substituiu a extinta Casa Militar. No governo FHC quem comandava a ABIN era o General Cardoso, que foi o militar com maiores atribuições civis da História republicana do Brasil (Zaverucha, 2003). O resultado disso foi uma formatação institucional muito parecida com a do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações) do antigo regime autoritário.
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