A globalização traz como imperativo a realização de reformas; assim, analisa-se, sob uma perspectiva estruturalista, a noção de Constituição Compromissória de modo a traçar um tipo ideal de democracia pluralista conflitante com a reforma do Código Penal, tanto pela incompatibilidade estrutural entre os tipos penais e a formulação de leis, quanto pelo ineditismo histórico deste tipo de reforma no Brasil.
O objetivo deste artigo é analisar, sob uma perspectiva estruturalista, a questão do pluralismo na democracia contemporânea, acusando a impossibilidade de se realizar uma reforma do Código Penal diante da sistemática intrínseca que tal democracia apresenta através da produção de suas leis.
Entende-se por perspectiva estruturalista a visão de Eva Maria Lakatos[1], que diz que o "método estruturalista caminha do concreto para o abstrato e vice-versa, dispondo, na segunda etapa, de um modelo para analisar a realidade concreta dos diversos fenômenos [...] Para penetrar na realidade concreta, a mente constrói modelos, que não são diretamente observáveis na própria realidade, mas a retratam fidedignamente".
De início, serão delineados os elementos característicos da globalização. Tomando como paradigma a autora Kanishka Jayasuriya, procura-se demonstrar os efeitos que a globalização produz no Estado Nacional através da relativização do conceito de soberania absoluta – elucidada por Jean Bodin – para o conceito de soberania complexa, que traz a noção de pluralidade e emergência de atores não-estatais nacionais e internacionais.
Em seguida, como elemento teórico de reflexão, tomarei a noção de "Constituição Compromissória" de Carl Schmitt. A conjugação desta noção com a de outros autores, como a do Presidente do Supremo Tribunal Federal brasileiro, o Ministro Nelson Jobim, compõe uma verdadeira teoria de formulação das leis da democracia pluralista.
Após, através da análise do processo de formulação dos códigos penais no Brasil, serão evidenciadas características comuns ao contexto no qual estes códigos se inserem: o caráter não-pluralista das deliberações. Ressalta-se, assim, o ineditismo, no contexto social brasileiro, da realização de uma reforma penal no seio de uma democracia pluralista, o que fortalece a suspeita sobre sua possível concretização.
Por fim, chega-se à conclusão de que democracia pluralista e a reforma do Código Penal formam, ceteris paribus, um casamento fadado ao fracasso, haja vista que a qualidade principal de um tipo penal – a precisão – encontrar-se-ia profundamente desfigurada no processo democrático, que é, por excelência, um "alargador" semântico das leis.
Stuart Hall[2] conceitua o que é globalização a partir da concepção de Anthony McGrew[3]. Segundo este, a globalização "se refere àqueles processos, atuantes numa escala global, que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado".
Kanishka Jayasuriya[4], por sua vez, ressalta que a globalização é um processo que deve necessariamente ser conduzido interna e externamente. Portanto, não faz sentido haver uma reordenação internacional sem que as esferas nacionais de poder não se reorganizem, para que formem a "complex severeignty"[5], pautada na emergência de diversos atores - nacionais e internacionais - cuja interação relativiza a tríade clássica de Território-Lei-Estado.
A lei, no Estado Nacional Clássico, incidia em um território estritamente delimitado, e era emanada de um ente central e autônomo cujas bases se encontrava no conceito de soberania: o Estado. Portanto, lei, território e Estado estavam intimamente ligados, na medida em que um pressupunha o outro.
A concepção de Max Weber[6] sobre poder político é elucidativa desta noção clássica do Estado. Segundo Weber, o poder é inerente às relações sociais, encontrando-se em todos os níveis relacionais, sendo a "probabilidade de impor a vontade sobre o comportamento dos outros". No caso do poder político, este se caracteriza por incidir em uma determinada área, sendo "a possibilidade de impor sua vontade, mesmo contra resistências, em um determinado território". Vemos, assim, a noção de poder político aliada ao elemento territorial e, no caso do Estado, dotado de normatividade, que caracteriza a dominação racional-legal.
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