Neste artigo procura-se realizar uma reflexão sobre os avanços da consolidação da democracia participativa no Sistema Único de Saúde, demonstrando também os desafios enfrentados por esse tipo de democracia como meio para a efetivação do direito à saúde, que é um direito fundamental garantido constitucionalmente.
Na década de 70 consolidou-se no Brasil o movimento da Reforma Sanitária, cuja bandeira consistiu na defesa da saúde como um direito de todos. Este movimento preconizou que as ações em saúde deveriam ser formuladas não somente pelo Estado, mas em conjunto com esferas de participação social; na medida em que é a sociedade que vivencia o cotidiano das instituições de saúde e, portanto, sabe de suas mazelas e avanços. Deste modo, com a Constituição de 1988 e a partir das intensas reivindicações do movimento sanitário, a saúde toma seu lugar como um direito fundamental, cujo imperativo é a prestação positiva do Estado no sentido de concretizá-lo e ampliá-lo a todos os cidadãos. Em seu artigo 196, observa-se que a saúde é um "direito de todos e dever do Estado" (CRFB), o que denota a pretensão universalizante deste direito.
Neste sentido, tornar a saúde um direito universal traz avanços e, concomitantemente, novos desafios para a sua implementação. Mais precisamente, na medida em que a saúde é um direito de todos, ou seja, de mais de 170.000.000 de brasileiros, surgem questões sobre como tornar este direito alcançável a todos de forma capilar; ou, mais propriamente, como formar um arranjo de recursos e investimentos que torne as ações em saúde uma prerrogativa efetiva de todos.
Contudo, devido à história política vivida pelo Brasil, patrimonialista e autoritária, alternando entre regimes que pouco valorizavam o cidadão, o brasileiro vive duas experiências difíceis: aprender o que é democracia e seus caminhos rumo a concretização da cidadania. Habituados a conviver com um Estado surdo às demandas, a percepção coletiva sobre as possibilidades atuais de ação se reduzem à noção de direitos como doação do Estado.
Para lidar com estes novos desafios foi promulgada, em 1990, a Lei 8.080, que institui o Sistema Único de Saúde. Basicamente, o SUS representa a materialização do direito à saúde como um direito de todos. Neste sentido, estabelece princípios importantes que servirão de guia para as ações em saúde bem como enumera os elementos para a constituição de uma ação integral e, ao mesmo tempo, efetiva.
Neste mesmo ano, em virtude de intensas reivindicações do movimento sanitário, foi promulgada a Lei 8.142, que consolidou espaços públicos de participação da sociedade civil na saúde, a saber: os Conselhos de Saúde e as Conferências de Saúde. Ficou evidente que a participação na esfera da saúde representa um processo amplo, cujas bases indicam que a democracia não se esgota no voto e no procedimento eleitoral. Tem-se, assim, a possibilidade de um protagonismo efetivo de atores não-estatais no processo de formulação, promoção e fiscalização de políticas públicas de forma constante e contínua.
Por outro lado, notou-se que, muito embora haja instrumentos eficazes que garantam esta participação, na prática ainda a saúde é vista como um favor ou como um serviço prestado pelo Estado. Esta atitude historicamente passiva em relação às políticas de saúde aponta para o fato de que a cultura participativa não é o elemento central da sociedade brasileira, haja vista o conformismo por parte de muitos que ainda não conseguem ver a saúde como um direito a ser exigido e conquistado no cotidiano e das práticas sociais reivindicatórias de direitos. Essa situação se intensifica ainda mais com os usuários de baixa renda e de reduzida instrução e educação cívica.
A intenção deste artigo não consiste em desvendar os processos históricos que se desenrolaram na história brasileira. O objeto privilegiado deste estudo serão os direitos sociais, entendidos como um dos aspectos fundamentais de qualquer sociedade moderna e das democracias contemporâneas. Compreende-se que a partir deste estudo pode-se efetivamente chegar a um produto inovador e positivo para os temas contemporâneos do Biodireito.
2.1. A CONSTITUIÇAO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
A Constituição da República Federativa do Brasil nasce como fruto de exaustivos debates entre diversos atores. No campo a saúde, esta Constituição representa o resultado de lutas durante mais de vinte anos, e que culminam na garantia de direitos sociais. Alguns fatores concorrem para o teor social desta Constituição:
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