Revolução e contra-revolução, fator subjetivo e objetividade

Enviado por Sergio Lessa


  1. Contra-revolução e esgotamento do modo de produção capitalista
  2. Da defensiva democrática à ofensiva socialista
  3. A carência de vanguardas
  4. Bibliografia

A evolução do marxismo tornou muito difícil o debate entre tradições revolucionárias distintas. Não apenas porque as opções políticas na maior parte das vezes contribuíram para que as dificuldades teóricas se tornassem ainda maiores, mas fundamentalmente porque os pressupostos foram se tornando tão distintos que até o mero entendimento das posições se tornou problemático. Além disso, a fragmentação dos marxistas se intensificou nas últimas cinco ou seis décadas.

Inicio o artigo por esse fato para reconhecer, desde já, a possibilidade de incompreensões e mal-entendidos na leitura do texto de Valério Arcary. Minha formação política e teórica é tão distinta, e os referenciais são tão diferentes, que seria surpreendente se equívocos não ocorressem. Todavia, foi a convicção da possibilidade de um rico debate que possa, na pior das hipóteses, esclarecer reciprocamente nossas posições, que me levou à redigi-lo.

O livro de Valério Arcary, As esquinas perigosas da história, possui dois eixos centrais que gostaria de tomar, também, como referenciais. O primeiro deles, que vivemos um período revolucionário. O segundo, que as revoluções não têm sido vitoriosas devido à carência do fator subjetivo, ou seja, devido a inexistência de um partido revolucionário que conduza a bom termo as inúmeras revoluções dos nossos dias.

Um início possível para expor sucintamente as teses de Valério Arcary é uma citação de Moreno:

"Quando as classes não estão confrontadas em uma luta mortal há uma situação não-revolucionária. É uma situação estável, de equilíbrio. Somente pode ocorrer de forma prolongada se houver uma boa situação econômica que permita fazer concessões às massas. Por isso o regime burguês clássico dessas situações é a democracia burguesa, onde os conflitos são resolvidos pacificamente no parlamento. Na atual época revolucionária, continuam existindo situações não-revolucionárias, mas que somente são estáveis na maioria dos países imperialistas, que ainda não foram convulsionados até os seus alicerces pela crise econômica. Também foram estáveis durante muitos anos algumas semicolônias privilegiadas, como a Argentina e o Uruguai. De qualquer forma, a tendência desta época de enfrentamentos agudos entre a revolução e a contra-revolução, é que desapareçam situações não-revolucionárias ou que, quando ocorram, sejam cada vez mais breves."(Moreno, 1989, p.63-4 apud Arcary, 2004:75)

Há que se esclarecer que Valério Arcary propõe uma distinção entre situação revolucionária e crise revolucionária. A primeira pode perdurar por um longo tempo, por vezes até mesmo por anos (Alemanha de 1929-32 e Espanha dos anos de 1930; Arcary, 2004:57-8) enquanto que uma crise revolucionária é um processo mais rápido, que se estende por semanas ou meses (Arcary, 2004:60). A revolução "tem dois elementos definidores" : "1) crise terminal do regime político de dominação/.../ e 2) uma mudança da relação de forças tão profunda entre as classes – pela entrada em cena, através da ação direta, das camadas mais exploradas e oprimidas do povo – que se abre um período de pluralidade de poderes/.../." (Arcary, 2004:37)

O pressuposto de que vivemos uma "época revolucionária" na qual a "tendência é que desapareçam situações não-revolucionárias" e na qual, portanto, as "situações não-revolucionárias" ainda existentes são "instáveis" e presentes apenas "na maioria dos países imperialistas", cobra de Arcary um elevado preço. Pois o obriga a elevar toda crise política mais significativa à categoria de revolução. Ele menciona como crises revolucionárias a Rússia em 1905 e 1917, a Alemanha de 1918-23 e 1929-32, a Espanha na década de 1930, a França de 1968, o Chile de Allende, Portugal de 1975, a Inglaterra nos anos de 1920 e em meados de 1970, Argentina durante a queda da ditadura militar e no panelaço de 2001, a mobilização pelas diretas no Brasil, o impeachment de Collor, a derrubada de Carlos Andrés Perez na Venezuela, a queda de Fujimori no Peru, Suharto na Indonésia, a queda do apartheit na África do Sul, 2000 no Equador, Bolívia em 1985, Haiti em 1980, Paraguai nos anos de 1990, Checoloslováquia em 1980 e a URSS entre 1989-91. O primeiro grande problema, a meu ver, dessa caracterização está em que se pode perceber com clareza a "crise terminal do regime político de dominação" e a "entrada em cena, através da ação direta, das camadas mais exploradas e oprimidas do povo" que caracterizariam as crises revolucionárias na Rússia de 1917, na Revolução Espanhola, etc. Todavia, o mesmo não se pode perceber no impeachment de Collor, na queda de Carlos Andrés Perez, na Inglaterra da década de 1970, etc.


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