Parâmetros para uma análise empírica da relação entre idéias, elites e instituições

Enviado por Adriano Codato


  1. Introdução
  2. A integração moral da elite
  3. Conformismo lógico e compromisso pragmático
  4. Ideologia e fórmula política
  5. Conclusões
  6. Referências bibliográficas

1. Introdução[1]

A crise profissional e ideológica que tomou conta do estado-maior da política paulista depois de 1930 pode ser medida pela coleção de posições divergentes que os dirigentes do estado assumiram diante do governo federal, pela quantidade de vezes que eles romperam e reataram com o Presidente da República e pela exuberância das justificativas que deram ao público doméstico para cada um desses rodopios. Uma maneira objetiva de decidir esse drama foi não dispensar os atores, mas trocar de teatro. Na década seguinte, já sob o Estado Novo, o futuro Ministro do Trabalho (e, posteriormente, também da Justiça) Marcondes Filho, Vice-Presidente do Departamento Administrativo do Estado de São Paulo, exaltou o que seria, de fato, um feito:

Muitos e admiráveis milagres, de ordem moral e material, o Sr. Getúlio Vargas terá realizado e ainda realizará no desempenho da missão histórica que a Providência lhe confiou [sic]. Mas, a meu ver, nenhum será mais belo, mais profundo e de maior ressonância do que este, que nos fez recuperar o verdadeiro e glorioso sentido de nós mesmos e ver que ele está, ainda e sempre, no âmago do próprio destino excelso do Brasil (MARCONDES FILHO, 1941, p. 195).

Esse milagre era "a sincera, entusiástica e definitiva integração de São Paulo" à União nacional. "Entusiástica integração" é um oximoro, considerando-se todos os antecedentes históricos: a revolução contra a confederação oligárquica encimada pelo Partido Republicano Progressista (PRP) em 1930; a Revolução Constitucionalista, em 1932, contra o governo tenentista e seus desacertos; o golpe contra

o candidato da União Democrática Brasileira (UDB) em 1937 etc. Até quando ela seria definitiva é uma questão a se verificar, ainda que, àquela altura, não houvesse tantas outras possibilidades assim. Um dos problemas históricos mais significativos no intervalo 1930-1945 corresponde ao grau de sinceridade dessa assimilação e sua direção política. Em suma: o regime incorporou politicamente os paulistas ou os paulistas incorporaram ideologicamente o regime?

O objetivo geral deste artigo é fornecer algumas sugestões teóricas e metodológicas para se pensar, em um registro diferente do habitual, a questão empírica do transformismo ideológico da elite política de São Paulo nos anos 1940 e também, em termos mais amplos, as relações entre idéias, elites e instituições políticas. Por "transformismo" quero designar aquilo que Antonio Gramsci definiu com precisão: não apenas a passagem de indivíduos, em geral parlamentares (transformismo "molecular"), ou de grupos inteiros de um campo político (ou ideológico) a outro, mas um fenômeno mais complexo: a assimilação, "decapitação" e destruição das elites de um grupo inimigo. Assim, o transformismo é a fabricação "de uma classe dirigente cada vez mais ampla, [...] com a absorção gradual, mas contínua, e obtida com métodos de variada eficácia, dos elementos ativos surgidos dos grupos aliados e mesmo dos adversários e que pareciam irreconciliavelmente inimigos" (GRAMSCI, 2002, p. 286; p. 63).

Na primeira seção, defino melhor o assunto específico que me interessa tratar – aquilo que Anthony Giddens chamou de a "integração moral" de uma classe política – e seus desdobramentos analíticos possíveis. Na segunda, determino dois parâmetros novos de interpretação daquele enigma político, um de tipo social, outro de tipo político. Na terceira, apresento uma hipótese de trabalho para lidar com o problema empírico paulista e discuto dois termoschave em meu modelo: "ideologia de Estado" e "fórmula política". Por último, organizo e resumo os critérios de análise historiográficos e sociográficos aqui propostos.


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