O espaço político em Marx: a noção de cena política revisitada



Resumo:

No seu mais famoso livro sobre a política, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, Marx oferece uma definição da democracia burguesa pouco comentada: esse regime "vive do debate". Segundo o autor, na cena política democrática "a luta dos oradores na tribuna evoca a luta dos escribas na imprensa; o clube de debates do Parlamento é necessariamente suplementado pelos clubes de debates dos salões e das tabernas; os representantes, que apelam constantemente para a opinião pública, dão à opinião pública o direito de expressar sua verdadeira opinião nas petições. O regime parlamentar deixa tudo à decisão das maiorias". Para além da discussão sobre o regime político democrático, essa passagem permite pôr uma questão mais geral: como pensar o "espaço político" de um ponto de vista marxista? Minha hipótese é que o "espaço político" não é um campo (de lutas sociais por posições estratégicas), nem um sistema (de instituições funcionalmente integradas), nem uma estrutura jurídico-política (apreensível através dos seus efeitos – políticos, ideológicos – no mundo social). O "espaço político" pode ser concebido, pelo marxismo clássico, como uma forma. O exame dos escritos políticos de Marx permitiria afirmar que a cena política funciona, no espaço político-social, assim como a forma-mercadoria funciona no espaço econômico-social. Poder-se-ia falar então, propriamente, numa "formapolítica". A forma-política teria as mesmas propriedades da forma-mercadoria.

O espaço político em Marx: a noção de cena política revisitada

"Por detrás de todas [as] controvérsias esconde-se uma mesma e única questão fundamental: porque é que o domínio de classe não se mantém aquilo que é, a saber, a sujeição de uma parte da população por outra? Porque é que ele assume a forma de um domínio estatal oficial ou, o que vem a dar no mesmo, porque é que o aparelho de coação estatal não se constitui como aparelho privado da classe dominante, porque é que ele se separa desta última e assume a forma de um aparelho de poder público impessoal, destacado da sociedade?"

E. Pasukanis, A teoria geral do direito e o marxismo.

A indagação que motiva minha intervenção nesse debate pode ser formulada nos termos seguintes: como pensar o "espaço político" de um ponto de vista marxista?

Minha hipótese de leitura do imenso material formado pelos escritos de Marx sobre a política européia redigidos, com grande assiduidade, mas sem muita sistematicidade de fins da década de 1840 até meados da década de 1850, é que o "espaço político" não é um campo de lutas sociais por posições estratégicas; nem um sistema de instituições funcionalmente integradas; nem uma estrutura jurídico-política, apreensível através dos seus efeitos – políticos, ideológicos – no mundo social. O "espaço político" pode ser concebido, pelo marxismo clássico, como uma forma.

O exame dos textos políticos de Marx[1]permitiria afirmar que a cena política funciona, no espaço político-social, assim como a forma-mercadoria funciona no espaço econômico-social. Poder-se-ia falar então, propriamente, numa "forma-política". E a forma-política teria as mesmas propriedades da forma-mercadoria.

Esta nota de leitura não pretende indagar sobre o estatuto do político na teoria social marxiana. Meu objetivo aqui é mais restrito e limitado. Gostaria de sugerir, a partir de O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852), uma outra interpretação a respeito da natureza, do lugar e da função da prática política (de classe) na obra de maturidade de Marx.

Possivelmente a maior vantagem em se estudar um autor quase banido das Ciências Sociais, fora de moda nos meios universitários "cosmopolitas" e completamente desacreditado em questões práticas é que se pode lê-lo em paz. Isto é: sem que cada interpretação, reinterpretação, desconstrução etc. signifiquem um movimento a mais na luta ideológica, seja na política, seja na teoria. Essa atividade intelectual deve converter-se assim numa atitude científica: um comentário de texto sem, contudo, cair na tentação do marxismo ocidental: a primazia "do trabalho epistemológico centrado essencialmente nos problemas do método" (Anderson, 1976, p. 121).

I

As questões relativas ao poder e ao Estado foram reintroduzidas na problemática marxista – depois de o marxismo ocidental ter abandonando progressivamente os estudos sobre "a economia e a política pela filosofia" (Anderson, 1976, p. 43) – em fins dos anos 1960 por dois trabalhos essenciais: Pouvoir politique et classes sociales, de Nicos Poulantzas (publicado em 1968) e The State in Capitalist Society, de Ralph Miliband (publicado em 1969). Nos anos setenta o tema recebeu mais um impulso a partir da polêmica entre os últimos na New Left Review a propósito da relação entre o aparelho do Estado, a classe economicamente dominante e a elite estatal; e dos livros de Claus Offe e Jürgen Habermas, publicados na Alemanha simultaneamente aos debates da Teoria da Derivação ou da Escola Lógica do Capital (conduzidos por Wolfgang Müller, Christel Neusüss, Elmar Altvater e Joachim Hirsch). Na França o estímulo veio primeiro dos estudos sobre o Capitalismo Monopolista de Estado (de Paul Boccara) e, em seguida, da proposição da Teoria da Regulação (por Michel Aglietta, Alain Lipietz, Robert Boyer e Bruno Théret)[2]. Nos Estados Unidos, James O"Connor e Erik Olin Wright incumbiram-se do desenvolvimento da teoria política marxista.


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