Para compreender a Ontologia de Lukács

Enviado por Sergio Lessa


  1. Como explicar esse fato?
  2. Bibliografia

O texto que agora vem a público, graças ao estímulo de Paulo Denisar Fraga, com o título Para compreender a Ontologia de Lukács, é uma reedição, revista e ampliada, de A Ontologia de Lukács. Este texto conheceu duas edições anteriores, ambas pela Editora da Universidade Federal de Alagoas em 1995 e 1997.

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Escrito em 1991, se propõe como uma introdução à Ontologia[1] de Lukács. Inicia-se pela fábula de um indivíduo covarde que se torna herói e dá origem a uma dinastia hereditária depois de um ato de extrema coragem por mero acaso e, a partir de vários momentos dessa fábula, analisa as categorias trabalho, reprodução, ideologia e alienação, as categorias principais da ontologia lukácsiana. Além de algumas atualizações e a adoção da tradução de Entfremdung e Entäusserung como alienação e exteriorização, respectivamente, foram acrescentados um novo capítulo sobre a relação entre o trabalho e as classes sociais no capitalismo atual e dois artigos que poderão auxiliar na introdução ao pensamento lukácsiano.

Não deixa de ser curioso que um livro alcance sua terceira edição antes da publicação do texto do qual pretende ser uma introdução. Essa, aliás, foi a resistência de alguns editores. A curiosa trajetória da Ontologia de Lukács entre nós sem dúvida é responsável por esse fato: das obras marxistas ainda não publicadas em nosso país, provavelmente é a que conseguiu maior divulgação e a que gerou um maior corpo de pesquisadores.

Esse fato é significativo, também, se considerarmos ser ela um manuscrito de difícil leitura e que dela há apenas uma edição em italiano (a mais utilizada entre nós) e outra alemã (uma raridade, da qual tenho conhecimento de apenas 3 exemplares em nosso país). Não nos ocorre outro texto que tenha gerado tal interesse e – em muitos casos – uma tal paixão, antes de ser traduzido.

Como explicar esse fato?

Agora, já de uma perspectiva de três décadas, evidencia-se que a onda pós-moderna nada mais é que a explicitação dos pressupostos ideológicos últimos da assim chamada reestruturação produtiva do capital. Seu individualismo, sua concepção de mundo centrada na singularidade, sua negação da história e das tendências históricas universais, sua valorização abstrata dos procedimentos formais da democracia, sua adoração ao mercado, etc., serviram e servem apenas para tentar tornar aceitável no plano ideológico o inaceitável para a humanidade: o aprofundamento e a intensificação das alienações típicas do capital. 

As teses de Jameson (1997) e de Harvey (1992), para os quais estaria de fato havendo uma alteração objetiva no tempo que, ao menos em parte, justificaria o pós-modernismo, soam hoje como indevidas concessões ao conservadorismo pós-moderno. Ao contrário, as análises, ainda que mais rápidas e de menor fôlego de Calinicos (1989) e de Perry Anderson (1998) se revelaram certeiras: muito mais que a contrapartida teórica de mudanças objetivas, o pós-modernismo é a radicalização até o limite do individualismo burguês em um período de crise geral do capital e, portanto, de crise geral de sua sociabilidade. Nenhum dos dois autores, é verdade, na análise de crise chegam à precisão e riqueza que encontramos em Mészáros (2002), todavia a crítica que realizaram ao pós-modernismo mantém muito de sua atualidade e vigor, mesmo tantos anos depois.

Apesar de haver falecido muito antes da expansão da modalidade pós-moderna do irracionalismo e ainda que tivesse como seus adversários teóricos imediatos o estruturalismo e o stalinismo, ao se propor a gigantesca tarefa de resgatar os fundamentos últimos do pensamento de Marx, Lukács terminou trazendo uma contribuição fundamental ao combate de idéias contemporâneo – ainda que, repetimos, esse tenha sido um "efeito colateral" de modo algum antecipado pelo autor húngaro. Não seria uma falsidade afirmar-se que a Ontologia está entre as obras da segunda metade do século XX que mais frontalmente se opõem a todos os pressupostos e a todos os desdobramentos importantes dos pós-modernos.

Em primeiro lugar, porque demonstra a insuperável conexão entre singular e universal, tanto do ponto de vista da existência da singularidade como da existência da totalidade. Demonstra, muito mais do que argumenta, que não há singular que não seja partícipe de uma totalidade e que, por isso, não há totalidade que não seja síntese de singularidades. E, portanto, que a totalidade contém uma qualidade distinta de cada singularidade, na medida em que a síntese das singularidades em totalidade dá origem a um processo que é mais amplo, rico e articulado que as singularidades tomadas isoladamente.


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