A história das histórias em quadrinhos é marcada por uma periodização pouco questionada e que coloca o período de 1929-1939 (Gubern, 1979; Anselmo, 1975) como sendo a "época dos heróis", da "aventura" ou da "explosão dos quadrinhos" – que para uns marca a década de 30 (Bibe-Luyten, 1987) enquanto que, para outros, dura até 1937 (Renard, 1981; Baron-Carvais, 1989) ou até 1949 (Marny, 1979). Na verdade, trata-se de um período das HQ que marca o surgimento de um novo gênero, a aventura e, ao mesmo tempo, um novo papel para elas. O novo papel das HQ se inicia em 1929 e manteve sua hegemonia até 1960 e, depois dos abalos desta década, torna a ser predominante a partir da década de 70 até a atualidade, nos primeiros anos do século 21.
O gênero aventura surge em 1929 e é a primeira expressão deste novo papel, que, no entanto, passa a ser transmitido por outros gêneros e é por isso que o mundo dos heróis perde sua hegemonia em torno de 1938, quando a supremacia passa a ser da superaventura (Viana, 2002).
O gênero da aventura vem substituir as histórias em quadrinhos com desenhos caricaturais e histórias cômicas, infantis e/ou familiares que predominam até o final da década de 20. O gênero aventura marca uma mudança formal e de conteúdo. A mudança formal é caracterizada pela substituição dos desenhos caricaturais por desenhos realistas e a mudança de conteúdo, à qual nos deteremos mais adiante, substitui os temas familiares, infantis e cômicos pela tematização da aventura. Segundo Gubern,
"Neste período da adolescência de uma arte, os comics poderiam ser considerados em conjunto como produtos culturais cândidos e com um registro temático notavelmente limitado. Enquanto prolongações da caricatura e da anedota gráfica, não haviam ousado ainda abordar a épica aventureira, já implantada no cinema e que desfrutava de longa tradição na narrativa popular" (Gubern, 1979, p. 91).
O novo gênero traz um desenho realista que é necessário com a renovação temática ocorrida. A caricatura combina com a comicidade, bem como também se harmoniza com a simplicidade das histórias familiares e infantis e seus poucos personagens. Mas, no novo gênero, a comicidade é substituída pela seriedade e isto o torna incompatível com a caricatura. O crescimento do número de personagens, os ambientes em que se desenrolam as aventuras, os atributos físicos típicos dos heróis e vilões, entre outros elementos, promovem a necessidade de um desenho realista.
Por conseguinte, é fundamental compreender a renovação temática do gênero aventura, pois é isto que lhe caracteriza e provoca a renovação formal. Sendo assim, iremos, inicialmente, buscar compreender o gênero aventura e, posteriormente, o seu processo histórico de constituição.
O novo gênero de HQ pode ser resumido em duas palavras: aventura e herói. Ocorre uma transição, já aludida anteriormente, do ambiente da história, que se amplia e deixa de ser meramente familiar e cômica.
"Durante as primeiras décadas de existência, a história aos quadradinhos, como se hesitasse em dedicar-se a aspectos sérios, limitou-se a uma função cômica. Ainda próxima da caricatura, põe em cena personagens e animais caricaturais e fá-los evoluir em quadros estilizados. É o caso de Blondie e da Família Illico" (Marny, 1970, p. 122).
A HQ surge como tira de jornais e isto lhe provoca uma limitação, pois o espaço para o desenrolar dos quadrinhos é muito limitado. A histórias deveriam ser curtas. O surgimento do gênero aventura ocorre dentro dos mesmos limites, mas já anunciando a autonomização dos quadrinhos em relação aos jornais e revistas, abrindo caminho para os futuros álbuns e revistas em quadrinhos. A solução encontrada foi a seriação das histórias, isto é, a cada dia aparecia, no jornal, um trecho da história. Isto ocorre devido ao fato de que a aventura é uma narrativa seqüencial longa no qual o herói deve cumprir uma missão. O caráter seqüencial e longo da narrativa aventureira promove a necessidade de seriação e, posteriormente, de autonomização das HQ através do lançamento das revistas em quadrinhos. Os Comics Books surgem apenas em 1937, já na fase final da proeminência do gênero aventura e com a ascensão do gênero superaventura.
Portanto, o herói é uma figura fundamental no gênero aventura, pois é ele que deve cumprir a missão que fornece a dinâmica e sentido da história. A sociedade capitalista provoca uma valoração cada vez maior do indivíduo. Desde a economia política clássica de Adam Smith e David Ricardo, passando pela filosofia de Stirner, até chegar ao mundo fictício de Robinson Crusoé e ao mundo do romance, o individualismo é uma das idéias-força da ideologia dominante e das construções fictícias da classe dominante. Lucien Goldmann afirma que o romance se caracteriza pela transposição da vida cotidiana fundada numa sociedade individualista e mercantil para o mundo fictício (Goldmann, 1990). A aventura também realiza esta transposição do individualismo para o mundo da ficção e esta é uma de suas características fundamentais.
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