Risco: um conceito do passado que colonizou o presente

Enviado por Felismina Mendes


  1. Introdução
  2. O risco: perspectiva histórica
  3. A filosofia do risco e as ciências da saúde
  4. Comentário final
  5. Referências bibliográficas

No seu sentido original, o conceito de risco era neutro e referia-se a uma probabilidade aumentada de um evento ocorrer. No entanto, actualmente, o risco é frequentemente tomado com um presságio. O risco significa perigo e qualquer risco é sempre concebido de uma forma negativa. Além disso, a magnitude e a natureza global dos riscos actuais são tais que os riscos se tornaram cada vez mais difíceis de quantificar, de prevenir e de anular e, nesse sentido, muitos defendem que vivemos na «sociedade do risco». Neste artigo, num primeiro momento, esboça-se a emergência histórica do conceito de risco e salienta-se a proeminência cada vez maior que este conceito tem vindo a assumir no quotidiano dos sujeitos e na linguagem dos profissionais. Num segundo momento, realiza-se uma abordagem á filosofia do risco e á forma como ela tem sido apropriada e gerida pelas ciências da saúde, nomeadamente pela saúde pública na atribuição de culpas individuais e grupais, no estabelecimento de normas e na manutenção do controle e da coesão social.

Introdução

As sociedades contemporâneas tornaram-se cada vez mais vigilantes relativamente ao risco, especialmente aos riscos gerados pela tecnologia e pelos estilos de vida. Os riscos para a saúde parecem estar presentes em todo o lado e representam uma constante ameaça para as pessoas. Como referem Douglas e Wildavsky (1982), os indivíduos modernos não têm medo de «quase nada», excepto da comida que comem, da água que bebem, do ar que respiram, da terra onde vivem e da energia que usam. As discussões sobre o risco têm recebido grande atenção pública, envolvendo e polarizando uma variedade de grupos, que vão dos cientistas aos profissionais de saúde, legisladores, governantes, jornalistas, bioéticos e público. Desenvolve-se então uma espécie de actividade de controle destinada a preservar a espécie humana que, frequentemente, culmina no emergir de uma nova moral sanitária.

Com efeito, os meios tecnológicos ao dispor da medicina vieram alterar não apenas a relação médico-doente, mas também a relação dos sujeitos com o seu próprio corpo. A valorização do risco e o papel dos meios de comunicação face ao mesmo fizeram com que esta palavra adquirisse uma nova proeminência na sociedade ocidental, tornando-se uma construção cultural central nessas mesmas sociedades. O que está em causa é a dimensão sócio-cultural do risco no discurso dominante (da saúde pública) e nas práticas associadas á promoção da saúde.

Considera-se que ao realizar uma reflexão teórica sobre o conceito de risco se pode contribuir para a difusão de um saber decisivo para todos os profissionais que diariamente lidam com os medos e ansiedades das populações relativamente aos riscos para a saúde. Esta reflexão permite ainda que se questione sistematicamente a produção científica associada ao risco e que se reconheça a importância de valorizar a percepção do risco desenvolvida por cada indivíduo, família, grupo ou comunidade e remete-nos para a questão de como serão apropriados os novos saberes sobre o risco e como se irá operar a reconstrução dos actuais modelos de produção de cuidados de saúde face a esta nova realidade.

1. O risco: perspectiva histórica

Na sociedade actual, onde o controle sobre a vida de cada um se tornou cada vez mais importante, os sentimentos de insegurança predominam. Hoje as pessoas lidam com medos e com formas e causas de ansiedade diferentes das que predominaram em tempos anteriores. Quando todas as pragas foram banidas como causa de morte, quando a mortalidade infantil foi balizada em patamares muito baixos (na maioria dos países industrializados) e quando muitos de nós esperam viver até uma idade bastante avançada, os sujeitos passam a ter medo de serem vítimas de um crime, de serem portadores de cancro, de terem um acidente de automóvel, de perderem os empregos, de verem o seu casamento acabar ou de verem os seus filhos falharem na escola. Segundo Lupton (1999), tal como nos tempos pré-modernos, a base simbólica das nossas incertezas é a ansiedade criada pela desordem, pela falta de controle sobre os nossos corpos, o nosso relacionamento com outros, os nossos estilos de vida e a forma como conseguimos exercer a autonomia no nosso quotidiano.

Da mesma forma que acontecia nos tempos pré-modernos, actualmente temos conhecimento de que as ameaças existem, mas também sabemos que nada pode ser feito para lidar com elas. No entanto, embora não possamos controlá-las, dispomos de um leque de estratégias que, em termos emocionais, servem o mesmo fim. Clamando por legislação anti-poluição, vigiando a dieta, fazendo testes de diagnóstico (para determinadas doenças nos seus estádios iniciais), instalando alarmes em casa, lendo livros de auto-ajuda ou fazendo seguros de vida, tentamos conter a ansiedade e o medo que nos rodeiam e lidar com aquilo que percebemos como ameaçador ou perigoso. Muitas das estratégias, accionadas pelos sujeitos, são direccionadas no sentido de reganharem o controle sobre aquilo que é visto como uma expressão antecipada do «demónio» e de os ajudarem a lidar com o horror, com a angústia, com a frustração e com a perda de controle que sentem face a essas acções. E


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