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Para facilitar este planejamento, é fundamental elaborar um manual protocolar, uma espécie de guião ou roteiro para que todos saibam seu papel e o possam desempenhar sem hesitação. Este roteiro vai sendo enriquecido ao longo das várias reuniões e muitas vezes ainda está sendo alterado meia hora antes do evento começar. O importante é distribuir a folha com as alterações de ultima hora por todos os intervenientes antes do início da cerimónia.
Este roteiro ou «check list» começa por responder ás perguntas básicas: o quê, onde, quando, quem e quantos. Para responder á pergunta como? é necessário ter um programa, ainda que provisório. Ao elaborar o programa começam a surgir as dúvidas (quem deve estar a receber quem e quando, como se processa a visita, que tipo de transporte vai ser utilizado, quem é convidado, se há pedidos especiais quanto ás comidas e bebidas, como se sentam as pessoas, necessidade de intérpretes, que cardápio e em que língua, que traje, que oferta e quando deve ser entregue, ordem de intervenções, bandeiras, etc.).
Este roteiro vai sendo construído nos dias que antecedem o evento e por vezes inclui dois cenários. Por exemplo, a «check list» para a visita de Sua Majestade a Rainha dos Países Baixos ao Porto, no dia 13 de Janeiro de 2001, indicava que apesar da possibilidade de que SAR o Príncipe Claus acompanhasse esta visita fosse reduzida, no entanto, para efeitos de planejamento, devia ser tida em conta. Foi, por isso, necessário estabelecer planos alternativos para distribuição de lugares nos automóveis, durante o almoço, o concerto e o jantar, assim como a reserva de um quarto extra no hotel (para trocar de roupa entre concerto e jantar, visto que não permaneceriam no hotel mais do que uma hora).
Quem trabalha na organização de um evento internacional deve preocupar-se com todos os convidados e nunca impor a sua cultura a pessoas que não a aceitam ou especialidades gastronómicas a quem não as pode apreciar por razões religiosas, ou outras. Por exemplo, em Portugal, não brindar com vinho do Porto no fim de um banquete oficial é quase um crime de lesa-majestade e brindar com água dá azar. Há tempos, foi recebida em Portugal uma delegação iraniana, que colocou como condição «sine qua non» para a sua vinda que não fossem servidas bebidas alcoólicas em nenhuma refeição. A solução encontrada pelo cerimonial do Ministério dos Negócios Estrangeiros foi retirar o banquete do programa oficial, sendo substituído por uma recepção ao fim do dia, em que apenas se serviram bebidas não alcoólicas.
Nas reuniões internacionais nenhum pormenor deve ser deixado ao acaso. Até a cor e a altura do arranjo floral são importantes. Branco é a cor do luto no Oriente e a cor da pureza no Ocidente. O amarelo, por seu turno, é a cor da saudade na Arménia, do ódio no Irão e da traição em França…E se o arranjo tapar algum dos intervenientes, independentemente da cor das flores, pode ser considerado um insulto imperdoável…
Uma outra questão a ter em conta é a das refeições. As ementas devem ser elaboradas com extremo cuidado: alguns judeus só comem comida «kosher»[3] e a maioria não come porco nem alguns mariscos (lagosta e caranguejo); os muçulmanos além de não comerem porco e marisco não bebem bebidas alcoólicas; a maioria dos hindus não come carne de vaca e alguns são completamente vegetarianos, etc. Quando se prepara uma reunião internacional, é fundamental perguntar se há alguma restrição alimentar. E ter o cuidado de olhar para a ementa e ver se a tradução de certos nomes de comida não provocará mal-estar: «peru» é o nome de um país, que se traduz em inglês por «turkey» que é o nome de outro país…Nem o representante do Peru, nem o da Turquia gostarão de saber que o seu país consta do cardápio…
Infelizmente os imprevistos acontecem, mesmo quando há uma preparação meticulosa do acontecimento. Em cerimonial, devemos contar sempre com o imprevisto, evitando a todo o custo o improviso. Quando se está a trabalhar sob uma grande tensão, nem sempre as soluções surgem na altura em que os problemas se colocam. A qualidade que reputo essencial para qualquer cerimonialista é a capacidade de se adaptar ás circunstâncias e de saber manter a calma quando tudo parece ruir á sua volta. Se o visitante se assustar com a decoração floral em tons de branco é sempre possível, alguns minutos antes do jantar, providenciar um arranjo floral bem colorido para a mesa principal; se o anfitrião se atrasa, é possível avisar o convidado de honra para dar mais um passeio e não chegar á entrada do edifício antes de estar alguém a recebê-lo; se a bandeira de um dos países visitantes não tiver sido entregue a tempo e horas, é preferível retirar todas as bandeiras do cenário, etc.
Ainda que nos assegurem que a globalização transformará o vasto mundo numa pequena aldeia, persistem distâncias, diferenças e dificuldades que é preciso ultrapassar para se comunicar sem obstáculos. Cada povo tem a sua maneira de ser, o seu modo de vida, os seus usos e costumes, os seus valores e as suas convicções, a sua identidade cultural. E essa identidade condiciona sempre a comunicação e a negociação entre pessoas oriundas de países diversos - por mais próximos que eles estejam.
Quanto mais formal for um país, mais importante é conhecer e cumprir os rituais protocolares, para eliminar as interferências no ciclo de comunicação. Todas as culturas são únicas; cada país é um caso particular. Quando se prepara uma reunião internacional a melhor maneira de conhecer as regras de cerimonial desse país, é contactar a respectiva embaixada ou consulado.
Em suma, para receber bem visitantes estrangeiros, talvez o requisito fundamental seja preocupar-se com os outros. Ou seja: fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que os seus convidados ou parceiros estrangeiros se melindrem ou se sintam pouco á vontade.
XI CONCEP - Brasília, 5 de Novembro de 2004.
Autor:
Isabel Amaral
apep_protocolo[arroba]yahoo.com
www.isabelamaral.com
[1] AMARAL, Isabel «Imagem e Internacionalização» Lisboa, Ed.Verbo (2000) pg.11.
[2] in X CONCEP, S. Luís do Maranhão
[3] Os animais são abatidos obedecendo a um ritual supervisionado por um rabino e a comida é servida em louça especial.
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