A crescente aquisição do hábito de "comer fora" no cotidiano dos moradores dos centros urbanos, sobretudo nas últimas décadas, tem produzido modificações nas formas como o ato de alimentar-se e o alimento são representados, em termos dos valores sociais a eles associados. Distinções do tipo "comer fora" e "comer em casa", "comida" e "refeição", "restaurantes tradicionais" e "fast-foods", enfim, estas e outras categorias nativas expressam importantes transformações nas representações produzidas pelas pessoas sobre a relação entre alimento e indivíduo, alimento e espaço, alimento e tempo, apenas para citarmos as mais evidentes. Este trabalho objetiva interpretar algumas dessas transformações, tendo como recorte empírico três praças de alimentação localizadas em shopping centers da cidade de São Paulo. A partir da dinâmica social notada entre os consumidores de fast-food desses espaços, pretende-se analisar as formas como as escolhas pessoais associadas ao ato de comer (expressas em termos de o que, onde, quando, como e com quem comer) referendam tendências mais gerais de uma sociabilidade urbana em constante transformação. Palavras-chave: antropologia do alimento, cidade, consumo, fast-food.
Abstract
The growing habit of eating out in the daily life of the big cities has brought changes in the way people represent eating and food, as well as the social values associated to it. Distinctions such as "eating out" and "eating at home", "food" and "meal", "straight restaurants" and "fast food restaurants", and many other local classifications, express important changes in the representation of the relationship between food and man, food and space, food and time, just to mention some of the most evident. This article seeks to interpret some of these changes, taking as empirical cases three food courts located in shopping centers in the city of São Paulo. The observation of the social dynamics of fast food clients in these courts allows us to analyse how personal choices in the act of eating (what, where, when, how and with whom) sustain more general tendencies of an urban sociability in constant change. Key words: food anthropology, city, consumption, fast food.
Résumé
La diffusion de l"habitude de manger dehors dans la vie quotidienne des grandes villes a produit des transformations dans la maniére de représenter l"acte de manger et les aliments en ce qui concerne les valeurs sociales qui leur sont associées. Des distinctions comme "manger dehors" et "manger á la maison", "aliment" et "repas", "restaurant traditionnel" e "restaurant fast-food", ainsi que d"autres catégories locales, mettent en évidance des changements dans la représentation de la relation aliment-individu, aliment-espace, aliment-temps. Cet article essaie d"interpréter quelques uns de ces changements á partir de l"observation de trois places d"alimentation situées dans des shopping centers de la ville de São Paulo, Brésil. La dynamique sociale perçue entre les clients de ces restaurants fast-food nous permet d"analyser comment les choix personnels liés á l"acte de manger (quoi, oú, quand, comment et avec qui) confirment des tendances plus générales d"une sociabilité urbaine en constante transformation. Mots -clés: anthropologie de l"alimentation, ville, consommation, fast-food.
O presente texto é resultado de reflexões derivadas de minha dissertação de mestrado (Collaço, 2003), na qual tratei das representações do comer em restaurantes de comida rápida, os fast-foods, localizados em praças de alimentação. O desenvolvimento desse tema foi decorrente do interesse em compreender as relações entre as pessoas e os alimentos, focalizando as refeições feitas fora dos limites domésticos, visto que este hábito tomou corpo no cotidiano de uma boa parcela da classe média urbana.
A possibilidade de se fazer refeições fora de casa e a crescente observação dessa prática, em grande parte devido ao ritmo de vida urbano, trazem novas possibilidades de interpretação do comer. A alimentação deixa de ter um papel central na vida familiar e doméstica, levando ao desaparecimento de características consideradas fundamentais, especialmente por haver um acesso mais amplo não só aos restaurantes, mas a uma série de produtos industrializados, como pratos prontos, verduras congeladas, doces, iogurtes etc., comprados e consumidos facilmente. Desse modo, a referência ao comer moderno no senso comum, na mídia e na opinião de profissionais de saúde vem ganhando uma crescente conotação negativa, atribuída também ao tempo escasso, á oferta excessiva de alimentos pouco "saudáveis", á falta de preocupação dos pais com a alimentação infantil, ao comer contínuo sem regras e horários, entre outros fatores, generalizando uma diluição das práticas alimentares.
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