António Faria & Norton de Matos



ANTÓNIO FARIA
O Real e o Possível
Norton de Matos, Etiologia de um Estado
e Fim do Império
Ed. do Grémio Lusitano
Apoio da Câmara Municipal de Ponte de Lima
Lisboa, 2004

Norton de Matos é um herói. Não só para o autor do livro que agora apresentamos, António Faria, mas para qualquer pessoa que se norteie, de forma programática ou espontânea, por ideais democráticos. é isso o que manifesta António Faria, neste trabalho de investigação sobre as ideias políticas de Norton de Matos e sua aplicação em Angola, cujas fontes mais substantivas são os próprios livros de Norton de Matos, e muito em especial o relatório "A Província de Angola", escrito em 1924 e publicado três anos depois.

Militar de carreira, Norton de Matos fez duas comissões em Angola. Uma como governador-geral, de 1912 a 1915; a segunda, de 1921 a 1923, como alto-comissário. Neste cargo governativo sucedeu a Paiva Couceiro, um monárquico. Apesar disso, Norton de Matos admirou o suficiente a obra do seu antecessor para lhe dedicar um livro. Norton de Matos seguia orientação política diferente: era um republicano, um homem que, dada a filiação maçónica, se guiava pelo ideário da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ora a Maçonaria, não adoptando nenhuma orientação política partidária, nem professando nenhuma doutrina religiosa em particular, dispõe de um catecismo, de rituais e de juramentos que fazem do maçon um potencial agente de execução do ideário.

É sabido que das reuniões maçónicas estão excluídos os debates sobre política e sobre religião. Em nenhuma movimentação social ou política pode a Maçonaria surgir como tal. Ela não promove revoluções, não comete actos como colectivo que depois venha ou não a reivindicar. Daí que seja tão fácil aos maçons, e Norton de Matos é exemplo disso, criticar o que se passa nas reuniões, por não irem além de pavoneio de galhardetes e desfile de manequins. Ele, que viria a ser eleito Grão Mestre da Maçonaria Portuguesa em Dezembro de 1929, e reeleito em 1931, aceitava mal que os cargos fossem apenas decorativos. Norton de Matos era um homem de acção e não de salão, e em Angola via que os próprios irmãos levantavam obstáculos ás suas iniciativas.

No entanto, ele conseguiu, entre o real e o possível, como em subtítulo aponta António Faria, melhorar as condições de vida em Angola, com um projecto de colonização civilizador, contribuindo assim para que nem todas as portas se fechassem sobre um Portugal que então se preparava para se centrar em si mesmo, posta completamente de parte a utopia que fizera tombar o regime monárquico. Mantendo abertas as que podia, foi possível em 1974 passar da ditadura ao regime democrático. Em crise tão profunda, neste momento, que as pessoas duvidam de que tenha havido alguma revolução. Mas houve uma mudança tão drástica que as gerações que não viveram o tempo de Salazar, hoje não fazem ideia de como então se escrevia, resistia e sobrevivia.

A Maçonaria não age como instituição no exterior dos seus templos. Ao deter um ideário e ao transmiti-lo a cada um dos seus membros mediante iniciação, educa-o, transformando assim o iniciado num agente de difusão e aplicação desses ideais. Os seus combates e conquistas, que têm sido muitos desde pelo menos o século XVIII, são por isso levados a cabo, individualmente, pelos bons primos e pelos bons irmãos. Cumpre ao indivíduo, no seu local de trabalho, na esfera da sua vida prática, esforçar-se para que sejam promovidos os ideais da liberdade, igualdade e fraternidade. Com o esclarecimento da obra social e política de Norton de Matos em Angola, António Faria mostra como actua o maçon exemplar. Quanto mais exemplar, mais a sua posição fica em risco, ou por vezes não é só a posição, é também a vida. Se Norton de Matos conheceu a prisão e o exílio, mas as perseguições de que foi vítima não chegaram á eliminação física, já Humberto Delgado, um português com trajectória política algo semelhante á dele, foi assassinado pela Polícia Política.

As semelhanças entre os dois homens decorrem do facto de ambos terem sido candidatos á Presidência da República durante a ditadura de Salazar, em períodos em que se sabia que as eleições seriam viciadas de várias maneiras, a começar pelos cadernos eleitorais. De outro lado, a censura impedia a realização de comícios eleitorais e que certos assuntos fossem ventilados. é o que nos relata Costa e Melo, recordando a campanha eleitoral de Norton de Matos em 1949, em artigo reproduzido no jornal República (1):

"Para além de os não autorizar, salvo em casos excepcionais, para disfarçar, condicionava-os com a inusitada "lei da meia noite" que obrigava os comícios a acabar ao dar das 12 badaladas da meia-noite, e ainda impunha, através de um papelinho entregue pelo representante da autoridade ao Presidente da Mesa, que não se fizessem alusões a certos factos ou entidades, necessariamente objecto das nossas críticas". 

"Ainda tenho, no meu arquivo, um desses "papelinhos" e que, para vergonha dos fascistas do tempo e dos saudosos de agora, vai reproduzido ao lado, em fotocópia fiel."

O "papelinho", embora difícil de decifrar, deixa entender que era proibido falar das atitudes do Exército, das supostas violências das corporações policiais, e da colónia penal do Tarrafal, em Cabo Verde, para onde se desterravam os presos políticos. Como não podia deixar de ser, também era proibido fazer propaganda comunista e dar gritos subversivos.


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