Desde a Antigüidade grega a educação permeia os debates entre pensadores, filósofos e discussões feitas por diversos sujeitos sociais. Também tem sido caracterizada como uma prática social. Nesse sentido, vale o registro dos modelos de homem e mulher que em cada período histórico se torna prevalente como finalidade da educação.
Os gregos antigos, por exemplo, visavam á formação do homem sábio, sobretudo os aristocratas influenciados por Sócrates, Platão e Aristóteles. Durante a Idade Média, em plena hegemonia do teocentrismo católico, buscava-se formar o santo.
Na Modernidade esses ideais formativos cedem lugar a finalidades mais pragmáticas. Formar o homem prático, interventor na natureza por meio do uso do saber tecnocientífico e formar o homem empreendedor passam a ser as finalidades da educação escolar, devidamente massificada para atender ás urgências das sociedades burguesas.
Em nossos dias parece prevalecer a idéia de que a educação deve se ocupar da formação para a cidadania liberal e preparar para a inserção no mercado de trabalho, sendo que, de modo geral, nessa proposta o cidadão é identificado com o consumidor.
Ao prever a inserção no mundo do trabalho e na sociedade de consumo, a educação parte de um segundo momento, pois, nesse caso, o humano ficou para trás. A pressuposição é a de que formação humana acontece fora ou antes, lógica e cronologicamente, de a pessoa freqüentar a escola.
Em face disso, o presente artigo aborda um assunto que nem sempre está na ordem do dia: a educação como cuidado de si. A pergunta que nos instiga é: como fazer um percurso educativo em que a busca da realização pessoal e da vivência da cidadania possam brotar do autocuidado, do cuidado de si?
Inicialmente, não entendemos a cidadania como sinônimo de inserção na sociedade de consumo. Para além do ato de comprar, negociar, vender e consumir, o ser humano depara em sua vida concreta com questões de ordem política. Com questões que dizem respeito á organização pessoal e coletiva no espaço da pólis, da cidade.
Nesse sentido, ser cidadão pressupõe a participação ativa na elaboração de projetos de vida em sociedade, bem como a intervenção efetiva na gestão da história particular e da comunidade de que o indivíduo faz parte.
Mas essa cidadania, contudo, não está dissociada dos assuntos que dizem respeito á formação pessoal. Na base de uma vivência cidadã encontra-se um ser humano, o qual apresenta necessidades, sonhos, desejos e demandas de ordem material (relativas á manutenção do corpo biológico), social (relacionadas ás relações e vínculos com os semelhantes) mental (ligadas a pensamentos e sentimentos) e espiritual (que expressam a incompletude da pessoa humana, projetada ao infinito).
Ora, uma educação que busque fazer aprender modos de autocuidado, de cuidado de si, deve ser aquela que prima por oferecer recursos teóricos e metodológicos sobre como a pessoa pode satisfazer necessidades e realizar sonhos e desejos, de maneira a manter-se íntegra e na autenticidade que a dimensão existencial de sua presença no tempo e no espaço requer.
Mas, cá entre nós, a educação global, que vai do nascimento á morte, e a educação formal, realizada na instituição escolar, elas se ocupam em desenvolver projetos formativos que almejem tais finalidades? Elas possibilitam aos indivíduos uma formação de si que seja a base da construção de um estilo existencial conciliador da concilie vida particular e da vida social?
A bem da verdade, se formos analisar detidamente as finalidades da educação oficial em vigor em nosso país, nossa resposta a essas indagações serão pela negativa: não, preocupando-se em formar para a inserção política pelo caminho da cidadania na sociedade liberal, voltada para a formação do trabalhador, compreendendo que o limite de um estilo existencial para ambos tem no consumismo o seu teto máximo, a educação formal que desenvolvemos no Brasil não manifesta preocupação com a educação como cuidado de si.
Se efetivada essa constatação, então podemos dizer que nos encontramos diante de um enorme desafio.
1. Elaboração de um projeto de vida
Geralmente, inserimo-nos em processos educativos, na escola e fora dela, mas nem sempre nos perguntamos sobre o para quê dessa inserção. O fato de que somos nós os primeiros responsáveis pelo que somos e pelo que podemos ser nunca é trabalhado como matéria de formação. Fala-se de tudo, mas o primeiro interessado em tudo isso se torna um ilustre ausente de todas as considerações escolares, acadêmicas ou universitárias.
É como diz Paulo Mendes Campos em uma de suas crônicas: "Nos bancos da escola me ensinaram muitas coisas. Mas não me disseram coisas essenciais á minha condição humana: o homem não fazia parte do programa". Não é esse um paradoxo irremediável? Ao que parece, sim.
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