Uma das categorias de coleção ainda em voga entre muitos jovens, adolescentes e até adultos é a de Revistas em Quadrinhos, ou gibis, na linguagem mais vulgar. Atualmente, o mercado desse produto entrou numa fase de decadência, apresentando crise de produção e de consumo. No entanto, essa perenidade de mercado segue evolução inversa quando tratamos de objetos colecionáveis. Quanto mais "velho" ou "antigo" (tornando-se, então, raro) o objeto, mais "valor" nesse mercado colecionista. Isso acontece com todos os objetos colecionáveis e a revista em quadrinhos não sofre de forma diferente dessa, mesmo ainda havendo discussões sobre se as histórias em quadrinhos podem ser consideradas uma forma de arte ou se são apenas objetos oriundos da Indústria Cultural de Massa. No entanto, mesmo essas discussões ainda carecem de maiores estudos e, quem sabe, de maturidade tanto acadêmica como produtiva.
é sabido que as histórias, personagens e estruturas desse meio de comunicação de massa alcançaram, a partir da década de oitenta nos Estados Unidos, um status mais arrojado, mais próximo da concepção de Arte. Mas, na Europa (particularmente na França, Itália, Espanha e Portugal) algumas histórias em quadrinhos já possuíam altos teores artísticos desde a década de sessenta. Só para citar algumas delas tais como Corto Maltese, do italiano Hugo Pratt; Valentina, do também italiano Guido Crepax; A Saga de Xam, de Nicolas Devil; Barbarella, do francês Jean-Claude Forest, entre muitas outras, que por meio de temas mais adultos chegaram próximas ao experimentalismo dentro da linguagem dos quadrinhos, ampliando as discussões semiológicas sobre a sua utilização.
Nos Estados Unidos, também nessa época, surgiram os quadrinhos undergrounds, com Robert Crumb á frente do movimento. é claro que essa concepção de Arte para as H.Q.s ainda está dividida entre a definição de quadrinhos enquanto obra estética, com conceitos e conteúdos estéticos e um simples produto de mercado, esse último, então, "mascarado" pela indústria norte-americana por meio da deformação desses próprios objetos (mitificação).
Talvez seja justamente por causa dessa mitificação de personagens e revistas em quadrinhos norte-americanos, junto com toda e estrutura de distribuição que essas editoras possuem, é que as revistas mais compradas (e colecionadas) pelo público brasileiro, particularmente o paulistano, são oriundas dos Estados Unidos.
Ainda não podemos, também, julgar apenas baseados na proposta de um mercado prestidigitador, que promove uma semiurgia1 ou semiose nas formas desse meio de comunicação. Há, pelo menos, três décadas que vários estudiosos, entre eles estetas, lingüistas, semiólogos e semioticistas, promovem uma tour de force para apontar as qualidades estéticas das H.Q.s por meio de estudos de suas estruturas.
No Brasil, assim como em outros países, desde a década de sessenta, já existem diversas publicações que desenvolvem teses em diversas áreas que tratam do fenômeno das histórias em quadrinhos. Na França, Itália e Estados Unidos2 particularmente, vários autores desenvolveram estudos sobre a importância dos quadrinhos na sociedade atual. No entanto, poucos deles apresentaram estudos baseados no desenvolvimento mítico e mercadológico (como se agora pudéssemos dissociá-los) desse objeto. O ensaísta e semioticista Umberto Eco foi um dos que procurou desmitificar o fenômeno. Em seu texto O Mito do Superman 3, Eco desenvolve estudo baseado na sua própria concepção que faz dos meios de comunicação de massa, os quais ele divide entre apocalípticos e integrados. No entanto, ele toca muito pouco na questão do desenvolvimento do mercado, particularmente, do mercado dos colecionadores de revistas em quadrinhos, foco deste capítulo. Outros autores acabam partindo apenas para argüições teóricas sobre estética, lingüística e semiologia.
Sob as bandeiras da Globalização e da pós-modernidade muita coisa mudou no mercado das H.Q.s no fim do século XX. As grandes editoras norte-americanas começaram a sentir essa mudança, na qual até as maiores delas sentiram de perto o fim. Com esse novo desenvolvimento do mercado foi preciso também mudar as estratégias para ampliar a atuação dessas editoras. Nesse caso a estratégia, que não é tão nova como já se sabe, foi a de criar e desenvolver novos mitos, agora mais avançados e estruturalmente mais complexos.
Já podemos considerar personagens de Histórias em Quadrinhos, como Super-Homem, Homem-Aranha, Tintin, Mickey e outros mitos modernos, oriundos dos gibis. As estruturas de suas histórias justificam esse processo mitificador: heróis ou super-heróis que nascem em outros planetas e que desenvolvem superpoderes em nosso planeta para salvá-lo; ou que por um desejo de vingança iniciam uma escalada de redenção e salvação entre os simples mortais, enfim, uma série de narrativas semelhantes ás dos grandes heróis clássicos, reais ou ficcionais. Esse processo mitificador já é bem conhecido desde os grandes heróis gregos, mas desenvolvido ás últimas conseqüências pela literatura folhetinesca do Séc. XIX4, pelo cinema, pelas histórias em quadrinhos, enfim, pela cultura industrial de massa.
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