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Também o Conjunto de Princípios para a proteção de todas as pessoas submetidas
a qualquer forma de detenção ou prisão (das Nações Unidas), no princípio 3º
reza que: "Não se restringirá ou menosprezará nenhum dos direitos humanos das
pessoas submetidas a qualquer forma de detenção ou prisão reconhecidos ou
vigentes em um Estado em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes
sob pretexto de que o presente Conjunto de Princípios não reconhece esses
direitos ou os reconhece em menor grau".
A própria "lex fundamentalis" no parágrafo 2º do artigo 5º dos direitos e
garantias fundamentais, dispõe que; " os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte".
O instrumento das Nações Unidas "Princípios Básicos para o Tratamento dos
Reclusos (Resolução nº 45/111, de 14.12.1990) adotado e proclamado pela
Assembléia Geral, expressa que todos os princípios serão aplicados de forma
imparcial (Princípio nº 11), isto é, sem discriminação de qualquer natureza.
Trata-se de imposição taxativa e não normativa subjetiva, do verbo deverá, que
deixa a critério das autoridades encarregadas de custodiar e assistir os presos
ou de cumprir e aplicar a lei penitenciária, ao livre arbítrio ou á
discrecionariedade ilimitada.
A Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena, através de sua
Declaração e Programação, de 25 de junho de 1993, saúda o progresso alcançado
na codificação dos instrumentos de direitos humanos, constitui um processo
dinâmico e evolutivo e apela para a ratificação universal dos tratados de
Direitos Humanos. Pede-se encarecidamente a todos os Estados que manifestem
adesão a esses instrumentos internacionais; exorta-se a todos os Estados que,
dentro do possível, se abstenham de formular reservas (doc. original).
Além dos Tratados e Convenções de Direitos Humanos é muito importante que se
leve em conta a legislação positiva das Nações Unidas e da Organização dos
Estados Americanos, a respeito de normas de aceitação universal consagradas sob
o processo de adesão tácita ou votação expressa dos representantes dos
Estados-Membros que compõem as Assembléias-Gerais da ONU e da OEA.
Os Direitos Humanos possuem proteção a nível internacional e regional. A nível
internacional, a proteção inicia com a criação do Pacto da Sociedade das Nações
no ano de 1920, posteriormente, em 26 de junho de 1945, assina-se a Carta da
Organização das Nações Unidas (ONU), que tem por propósito a realização da
cooperação internacional para o desenvolvimento e estímulo de respeito aos
Direitos Humanos e ás liberdades fundamentais de todos, sem nenhuma distinção;
em seguida surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos (em 10.12.1948),
aceita e proclamada pelos Estados-Membros. Regionalmente, no continente
americano a tutela dos Direitos Humanos começa formalmente com a Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Nona (9ª) Conferência
Internacional Americana em Bogotá, Colômbia, no ano de 1948, na qual se criou a
Organização dos Estados Americanos (OEA), com o fim de propugnar pela ordem,
pela paz e pela justiça, onde na sua Carta constam os "Direitos Fundamentais
da Pessoa Humana", como um dos princípios que fundamentam a Organização.
Expressa o Direito Penal (art. 7.º Lei 7.209/84): "ficam sujeitos á lei
brasileira, embora cometido no estrangeiro, os crime que por tratado ou
convenção, o Brasil se obrigou a reprimir"; por exemplo: genocídio, tráfico de
drogas, tortura, etc.
O Direito Penal de Autor coaduna-se com um regime autoritário-ditatorial de
governo, por outro lado o Direito Penal de Ato vincula-se ao Estado Democrático
e aos Direitos Humanos; o primeiro se refere ás questões da pessoa,
propriamente dita, condição financeira, "status social", influências
políticas, etc., já o segundo, possui estreita e exclusiva relação com o ato
ilícito, em si.
Não se pode, em nenhum caso levar em consideração a nacionalidade do agente,
vez que não se julga a nacionalidade (Direito Penal de Autor) mas o fato
(Direito Penal de Ato), do contrário o magistrado estará ferindo violentamente
diversos documentos internacionais de proteção ás pessoas estrangeiras, no
momento em que efetiva discriminação de raça, nacionalidade, etc. Dispõe o
artigo 5.º "caput" da Carta Magna, brasileiros e estrangeiros são iguais
perante a lei e estão sujeitos ao mesmo tratamento ante os Tribunais, daí
porque se pune qualquer espécie de discriminação e de preconceito (Lei n.º
9.459/97), em observância a Declaração e a Convenção Internacional sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (Proclamada e Adotada
pela Assembléia Geral/ONU Res. 1904 [XVIII], de 20.11.63, e 2106 A [XX] de 21.12.65,
respectivamente). Ratificação em 27.3.1968.
Se faz mister, ainda, mencionar o princípio do "tempus regit actum", combinado
com "lex posteriori derrogat anteriori", "lex especiali derrogat generale", e
"lex mitior" prevalece sobre a "lex gravior", no tempo e espaço á luz da
soberania das normas penais, em base a uma política criminal e penitenciária
verdadeiramente democrática e moderna.
Para a análise da culpabilidade (art. 59 do CP) deve o juiz levar em
consideração o princípio do ônus da prova, do encargo "probandi", sendo que
somente é legitima a condenação, no Estado de Direito Penal democrático, em
base a provas concretas e absolutas da culpabilidade do agente, do contrário
prevalece o princípio "in dubio pro reo", porque na sistemática atual não
existe a aceitação da probabilidade, o direito penal democrático não aceita e
não trabalha com suposições ou congecturas, razão pela qual a presunção de dolo
é abominável, e ainda impera na nossa legislação.
Ainda quando se comenta sobre a aplicação da pena á luz dos Direitos Humanos,
deve-se fazer uma importante ressalva quanto ao instituto da reincidência, pois
se choca com o princípio "non bis in idem", na medida em que cria um plus
modificando a sentença condenatória transitada em julgado. Seja a reincidência
de direito ou de fato, ambas são incompatível com os princípios reitores de
Direitos Humanos.
Nos Estados Democráticos de Direito da República Federativa do Brasil
(Constituição de 1988), o instituto da reincidência não deveria existir, em
respeito ao princípio "non bins in idem". A criminologia aplicada
deveria ser unicamente a sócio-política, porque a criminologia clínica
(positivista, lombrosiana, ferriana e da Doutrina da Defesa Social, para citar
algumas) se enquadra ao Direito Penal de Autor.
De outro lado, as denominadas Medidas de Segurança, ferem o princípio da
saturação do cumprimento da pena privativa de liberdade (art. 75 CP), ainda que
se tenha tentado conceituá-la como medida curativa, na prática trata-se de
verdadeira sanção restritiva do direito de ir e vir, imperando forte influência
da Escola Positivista, mais especificamente da Escola da Defesa Social, onde
perdura no direito penal atual o chamado exame criminológico (art. 97 e
parágrafos do CP e art. 171/174 da Lei n.º 7.210/84).
De outro lado, também, á luz dos princípios gerais de Direitos Humanos
poder-se-ia dizer que na prática não se respeitam os Códigos de ética
médica-psiquiátrica, na medida em que a Declaração dos Direitos do Retardado
Mental (Proclamada pela Assembléia Geral/ONU Res. 2856 [XXVI], de 20.12.71), e
os Princípios para a proteção dos Enfermos Mentais e o melhoramento da atenção
á saúde mental (Adotados pela Assembléia Geral/ONU Res. 46/119, de 17.12.91),
necessitam de maior integração prática com as nomas de Declaração dos Direitos
do Retardado Mental (Proclamada pela Assembléia Geral/ONU Res. 2856 [XXVI], de
20.12.71), e de Direito Penal, se levarmos em consideração que a questão da
inimputabilidade por doença mental possui estrita relação com a área da saúde e
não com as ciências jurídicas.
Somente com o devido respeito a todos os princípios de direito penal material e
adjetivo se poderá falar em "devido processo legal", obviamente estamos
mencionando a proibição taxativa da produção de provas ilícitas, verbi gratia,
a tortura como forma de fazer confessar o implicado, não produz efeito
"probandi" e ademais caracteriza delito inafiançável e insuscetível de
clemência presidencial (inc. xliii do art. 5.º CF).
Para a prevenção da prática de tortura se faz necessário o respeito e a difusão
dos Documentos internacionais de Direitos Humanos, entre eles a Declaração
sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra a Tortura e Outros Tratos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes (adotada pela Assembléia Geral /ONU Res. 3452
[XXX] de 9.12.1975, a Convenção contra a Tortura e outros Tratos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes ( adotada pela Assembléia Geral/ONU Res.
39/46, de 10.12.1984 - vigência 26.6.87), ratificação em 28.9.1989, Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura OEA (1985), ratificação em
20.7.1989, Decreto de promulgação nº 98386, de 9.11.89, e os Princípios de
ética médica aplicável á função do pessoal de saúde, especialmente os médicos,
na proteção de pessoas presas e detidas contra a tortura e outros tratos ou
penas cruéis, desumanas ou degradantes (adotado pela Assembléia Geral/ONU Res.
37/194, de 18.12.1982), em especial a aplicação da lei n.º 9.455/97; bem como
do Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei
(ONU/Res. 34/169, 17.12.79) e dos Princípios Básicos sobre o Emprego da Força e
de Armas de Fogo por Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei (ONU
/adotado no 8º Cong. Hawana-Cuba 27.8 á 7.9.90).
Justiça Penal se faz tanto com a condenação como com a absolvição em nome do
princípio da imparcialidade.
Indubitavelmente, devemos propugnar pela proclamação do Direito Penal do
Perdão, na expressão de Antonio Beristain. Não se trata de impunidade, mas de
princípios de justiça penal eficiente e humanitária, onde se dá mais atenção á
vítima, prevalecem as circunstâncias atenuantes sobre as agravantes, amplia-se
para o magistrado o instituto do perdão judicial, buscam-se novas terminologias
jurídico-penal, em câmbio daquelas que produzem efeitos negativos
(estigmatizantes) ao réu, e se efetivam medidas substitutivas ou penas
alternativas a de prisão.
O juiz pode dispensar a pena ou aplicar abaixo do mínimo legal, sempre que a
reprimenda ao "delinquente" tenha alcançado a reparação do dano ou ainda quando
o próprio ato cause, também, ao agente um grave dano ou sofrimento, assim
ensina o prof. Raúl Zaffaroni, quando comenta sobre o princípio da humanidade,
afirmando que é juridicamente perfeito, posto que pode ser supra legal, mas
intra-constitucional.
Quando a conduta humana não apresenta maior relevo de reprovação, por si só
pode-se excluir a tipicidade formal. "...o dano é tão párvulo que o tipo não se
integra, impondo-se o desacolhimento da ação penal" (TACrim-SP - AC 481.889-1 -
Rel. Gonçalves Nogueira); por sua vez "...o direito penal, por sua natureza
fragamentária, só vai onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não
deve ocupar-se de bagatela..." (Mins. Francisco Assis Toledo, in Princípios
Básicos de Direito Penal, ed. Saraiva, SP, 1982, pg. 187/188);
Assim, com a necessária mudança da práxis forense-criminal, ante a sua moderna
função teremos uma Justiça recriativa, democrática, popular e participativa, em
troca da Justiça retributiva.
Autor:
Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia[arroba]uol.com.br
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