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Para a contenção da criminalidade não basta o simples encarceramento
indiscriminado ou "no atacado", está cientificamente comprovado que o cárcere
deve ser a ultima das soluções - ultima ratio -, pois quanto maior for o tempo
da prisão mais insolvente para a vida "extra-murus" se tornará o apenado.
Trata-se do denominado processo negativo de "prisionalização" ou de
"desculturalização", que cria a "personalidade institucionalizada". (ver MAIA
NETO, Cândido Furtado, in "Penitenciarismo en el Mercosur", ed. Fabris, Porto
Alegre, 1998, pg. 169 e sgts).
São muitas as teorias do crime, como os modelos causal, final e social de ação,
as teorias da pena, absoluta, relativa e mista, ou prevenção geral negativa e
positiva, e prevenção especial negativa e positiva, intimidação, eliminação
corporal, reclusão temporária e perpétua...-, teorias da responsabilidade penal
ou da inimputabilidade, sendo que nenhuma delas fez e faz diminuir os índices
da delinqüência ou da reincidência criminal.
O modelo causal - Liszt, Beling e Radbruch - como clássico é do século xix, a
modificação no mundo exterior pelo comportamento voluntário do homem, dá causa
ao resultado ante a ação humana; já o finalismo - Welzel, e outras
contribuições - é uma proposta séc. xix, com estudos iniciados em 1920/30, onde
a atividade final representa a intenção do agente - pensamento, intenção,
seleção de meios, preparação, ação e resultado pretendido ou interrompido por
circunstâncias alheias - crime consumado e tentado -. Por sua vez, no modelo
social - Eberhard Schmidt, desenvolvido por Jescheck e Wessels -, a ação humana
deve se concretizar em um comportamento socialmente relevante, dominado ou
dominável pela vontade humana, tendo aspectos pessoais, finais, causais e
normativos; e o negativo - Herzberg e Behrendt -, como base o princípio da
evitabilidade onde o agente ativo pode e deve evitar e não evita o que era
possível e proibido (ação), e o pessoal - C. Roxin e Arthur Kaufmann -,
refere-se a manifestação da personalidade, com a ação psíquica do homem,
controle do ego - comportamento dominável e não-dominável -, atos psíquicos, nesse
sentido as propostas da denominada "Criminologia Analítica".
Ao se falar em funcionalismo e em teoria sistêmica do direito penal, é preciso
pensar em projetos arcaicos e visionários que reforçam os discursos
legitimadores de abuso de poder; já referido acima. São raízes encobertas
através do famigerado e ultrapassado positivismo peligrosista, para tentar
comprovar que o sistema penal é um modelo ideal e cumpre com seu fim ou com
finalidade não utópica de proteção á sociedade, ao molde da teoria global dos
riscos sociais, ambientais e tecnológicos, via produção industrial,
transferindo assim a proposta de Ulrich Beck, dos anos 70 (1900), hoje para o
direito penal, como ideal e maravilhosa descoberta para justificar o sistema
estatal de repressão.
Nada mais é do que uma utopia definindo inimigos externos e internos, em base a
idéia de modernidade filosófica, mas não tem nada de moderno e muito menos com
filosofia penal ou social. é a idéia de Nietzche e de Heidegger, desde o início
do séc. xx, quando o poder político se apoderou das propostas científicas e
jurídicas, violando até hoje com bastante freqüência as garantias judiciais
fundamentais do cidadão, através do denominado estado de polícia.
O estado de polícia pré-moderno ou anti-modernidade, urge do modelo de estado
nacionalista alemão, como manifestação máxima do arbítrio da potentia puniendi
ilimitada, num forte institucionalismo a exemplo do fascismo italiano e do
stalinismo soviético, onde asseveram ou asseveravam falsamente que os direitos devem
ser garantidos pela autoridade, em nome de um futuro de liberdades civis e
públicas sem opressão e para um progresso ilimitado, para o bem de todos. Pura
demagogia, é a própria "cara de pau" do sistema e do direito penal, com sua cor
vermelha, como símbolo do sangue e da barbárie, e não o vermelho que representa
a cor do coração, do amor, do perdão e da justiça.
O fascismo italiano, por exemplo, com sua escola técnico-jurídica de Arturo
Rocco, deu causa ao código penal brasileiro (Dec-lei nº 2.848/40 - parte
especial vigente até hoje), teve como base, no ano de 1930, na época do Estado
Novo de Getúlio Vargas, que aderiu o fascismo italiano, até 1945, com o fim da
2ª Grande Guerra Mundial.
O funcionalismo sistêmico é a irracionalidade da legislação e das próprias
teorias do passado e do presente -, um modelo totalitário que repudia a
dogmática avançada, quando procura por meio do "direito penal de perigo
abstrato e ilimitado" - dolo de perigo, suplantar a ordem jurídica para
assegurar a paz e a segurança pública. Opera através do direito penal
expansionista, onde o crime de perigo atua com a simples possibilidade de
exposição a um bem jurídico ou a um perigo de dano, reprime, processa e condena
mesmo sem haver um dano ou prejuízo concreto.
A primeira ou uma das primeiras versões do funcionalismo foi a escola do
tecnicismo jurídico facista, a doutrina da defesa social (Felippo Gramatica, em
1940 e renovada por Marc Ancel, em 1960), sistema duplo binário com penas
restritivas de liberdade mais medidas neutralizantes (medidas de segurança como
penas indeterminadas). O Código Penal brasileiro até 1984, possuía este sistema
de pena indeterminada, e no Código de Processo Penal até 1988, quando permitia
aplicação de medidas de segurança por fato não criminoso (arts. 549 e stgs
CPP). Um absurdo ou no mínimo curiovalesco - na etimologia da palavra, junção
de curioso com carnavalesco -.
A brutalidade do poder fez nascer as idéias acríticas para estar com o regime
político totalitário de maneira disfarçada, refugiando-se na tecnologia e no
desenvolvimento e na globalização, o funcionalismo penal; a criminologia
positivista, por exemplo, se socorreu da medicina, por isso é chamada de
criminologia clínica e acrítica.
é alucinante o funcionalismo sistêmico porque insufla um estado permanente de
guerra interna e externa, mais e mais violência oficial; assim não se pode
pretender a paz social e a tranqüilidade ou segurança jurídico-penal. O direito
penal de polícia global absorve as agências judiciais, para dar vez ao direito
penal administrativista onde os ilícitos de natureza executiva possuem roupagem
de norma penal, a este exemplo a Lei nº 9.605/98, dos crimes ambientais.
O poder do Executivo, na prática é maior e mais superior que o poder do
Judiciário; lamentavelmente, precisamos acordar e rever determinados conceitos
e práticas, com a máxima urgência, antes que seja tarde demais. Pois no Estado
Democrático de Direito a última palavra é e deve sempre ser do Poder
Judiciário; do contrário a sociedade estará em grande risco, no tocante a
segurança cidadã e jurídica, onde as garantias fundamentais individuais são
constantemente violadas e mitigadas.
Pode-se chamar de direito penal alucinado e alucinante aquele que reprime todos
e tudo de qualquer maneira, ou de um retribucionismo irracional quando existem
sentenças judiciais que apelam para um discurso e uma visão arbitrária,
caracterizando o estado de polícia horripilante ou criminologia clínica a
exemplo do conceito de alta periculosidade, estado de culpabilidade e não na
presunção de inocência.
Quando o executivo, o legislativo e o judiciário atuam se socorrendo do outro
para justificar o sistema penal ou a funcionalidade necessária, sem dúvida
temos a volta do positivismo e do neoidealismo de Giovanni Gentile, 1875-1944,
é a ideologia de reforçar o poder do Estado e não as garantias fundamentais da
cidadania.
O discurso funcionalista sistêmico tem origem na sociologia jurídica e da
criminologia organizacional, por intermédio das concepções orgânicas da
sociedade e do materialismo dialético através da teoria sistêmica da sociedade
alemã, dominante nos anos 30 e 40, em Norte América, quando Robert Merton pôs
em análise o radical funcionalismo de Niklass Luhmann.
As teorias penais repressivas não tomam os dados da realidade, embutem na
opinião pública que são funcionais, e se assim não for o sistema de segurança
perderá sua funcionalidade; em outras palavras, é um discurso jurídico penal
demagogo, verdadeiramente falso, sem eficácia operativa e sem razão.
O sistema penal se mantêm pela auto-reprodução e conservação de uma organização
forte de poder, onde o funcionalismo sistêmico acaba com o Estado Democrático
de Direito ou com o Estado de Direitos Humanos, na expressão de Alessandro
Baratta.
é preciso através desta teoria aceitar a eficácia do sistema estatal punitivo,
porque não se pode e não se deve discutir a legitimidade (ver Zaffaroni, E.
Raúl: in "Criminolgia Aproximación desde un margen"; ed. Temis, Bogotá, 1988 ).
O direito penal "deve ser porque é", é o atuar sem pensar, o humano não mais
como ente que decide e que requer melhores espaços sociais, se não todo o
contrário.
A teoria funcionalista oferece aos operadores do direito - polícia, ministério
público e magistratura - um cômodo expediente que ampara o sistema
antidemocrático e o emprego da perversidade, em nome do ideal da repressão do
Estado.
São pretextos da sobrecarga de situações mal resolvidas ou aparentemente
solucionadas pelo sistema, que se diz moderno mas opera nos limites do
anti-modernismo.
Justifica-se a quebra e o desrespeito ás garantias fundamentais, via estado de
emergência, sem ser oficial e constitucionalmente declarado (Estado de Defesa
ou de Sítio, arts. 136/141 CF), em relação a possíveis riscos, porque hoje não
mais se pode aplicar o bom, o velho e o romântico direito penal liberal.
Direito penal promocional é aquele que se limita a uma função de utilidade
racional ou não, lógica ou ilógica, em nome da ordem pública do interesse
moral, manipula a ética do Estado Republicano.
A história e a histeria do direito penal se desenvolve através do chamado
período pré-criminológico, a Escola Clássica - séc. xviii e início de xix - com
Giandomenico Romagnosi, Giovanni Carmignani, Francesco Carrara, a Criminologia
Clínica-Positivista -séc. xix - xx - a 1ª ruptura com o direito penal, a
Fisionomia criminal, a Antropologia criminal, a Biologia criminal, a Sociologia
criminal, onde surgem as classificações de delinqüentes e de presos, de César
Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo; o Iluminismo com Montesquieu,
Voltaire e Russeau, o Humanismo Penitenciário, a Escola Eclética - Escola
Moderna Alemã e Escola de Política Criminal- ; o Tecnicismo Jurídico, a
Doutrina da Defesa Social do Conde Felippo Gramatica, de 1940, as Escolas
Sociológicas norte americanas (USA), culturalista, ecológica, a criminologia
organizacional ou administrativa, a Nova Defesa Social, a Criminologia da
Reação Social ou Interacionista, a Criminologia sócio-política, Radical e o
Abolicionista, o Uso Alternativo do Direito, a Criminologia da Liberação, o
Garantismo Jurídico ou Reducionismo e o Minimalismo Penal; bem como a teoria da
"Tolerância Zero", da Segurança Cidadã ou Pública, da Sociedade de Risco,
Direito Penal do Inimigo, etc.
Precisamos urgentemente de um discurso da verdade (Lola Aniyar de Castro, in
"Criminologia de la Liberación", ed. Uni. Zulia, Venezuela, 1987; e Leonardo
Boff, in "Teoria da Libertação"), de uma teoria crítica forte e capaz de
deslegitimar o sistema penal autoritário, onde somente a verdade pode produzir
efeitos positivos para a evolução do direito penal; do contrário vamos
continuar falando do maior mito do direito penal, da ressocialização, da
reintegração social, da readaptação, da reeducação dos delinqüentes, dos presos
e condenados.
O discurso penal é hipócrita e histérico, em nome da ressocialização (art. 1º
LEP), dos Direitos Humanos dos presos, não se respeita a integridade física e
moral dos encarcerados (inc. XLIX, art. 5º CF, art.38 CP e art. 40 LEP),
ademais, a pena privativa de liberdade que deveria ser individual é
flagrantemente transcendente. Desde da época do Império, a Constituição do
Brasil de 1824, estabelecia que as cadeias serão seguras e limpas (art.179,
inc. XIX).
A teoria dos "res", nas palavras de Antonio Beristain, JUSTIÇA com letras
maiúsculas é a (RE)PARADORA e a (RES)TAURADORA, e não uma justiça minúscula,
eminentemente retributiva e repressiva (BERITAIN, Antonio: "Nova Criminologia,
á luz do Direito Penal e da Vitimologia"); trad. MAIA NETO, Cândido Furtado;
ed. UNB, Brasília-DF, 2001).
O sistema judicial do direito vitimal adequado a política vitimológica, deve
proporcionar a remição para o réu, bem como a remissão para a vítima,
concomitantemente. O vitimário resgatando o seu ato, libertando-se do erro
através da responsabilidade de indenizar e reparar o dano causado á vítima; e a
vítima, por sua vez, concedendo perdão total ou parcial, respectivamente.
Primeiro é preciso reconhecer a falta e pedir perdão, e segundo na seqüência
imediata, é preciso perdoar para a efetiva composição e cumprimento das
obrigações, sejam dos deveres e dos direitos.
A vítima precisa urgentemente assistir e participar do processo como
interlocutor válido, sem contudo o sistema estatal atropelar os Direitos
Humanos dos processados, presos e condenados.
As medidas substitutivas á prisão provisória e á pena privativa de liberdade
(Regras Mínimas das Nações Unidas não Privativas de Liberdade - Regras de Tókio
- Res. Assembléia Geral da ONU, nº 45/110, de 14.12.1990), propriamente dita,
como propostas para um sistema penitenciário alternativo já foram apresentadas
á séculos e séculos, nos congressos, simpósios e conclaves mundiais e
internacionais de direito penal, de processo penal, de penitenciarismo, de
criminologia e de vitimologia. Todos os códigos penais, processuais, leis de
execução, as Constituições dos paises de regime democrático e os instrumentos
de Direitos Humanos prevêem inúmeras medidas alternativas á prisão, a exemplo
do Brasil, art. 43 CP e inc. XLVI do art. 5º CF. Fala-se muito e nada se faz,
encontra-se enraizado o discurso repressivo, a história do direito penal é a
própria história da prisão está por sua vez a história do poder, da força, da
forca e da pena de morte.
A verdade é uma só, ao aumentar o número de pobres, miseráveis, oprimidos ou
excluídos - os vulneráveis do sistema penal -, aumenta a superlotação
carcerária, lotam-se as penitenciárias e as cadeias públicas, conforme apontam
as estatísticas oficiais governamentais. O número de pessoas presas no mundo e
no Brasil apresentam cifras assustadoras, como conseqüências dos discursos
demagógicos e irresponsáveis do direito penal expansionista, de tipo "Lei e
Ordem"; "Tolerância Zero"; "Doutrina da Defesa Social"; "Doutrina da Segurança
Nacional"; hoje a "Doutrina da Segurança Pública" e a "Teoria da Sociedade de
Risco", vem atropelando as garantias individuais da cidadania - os direitos
fundamentais individuais do homem -, e impedindo a efetivação do Estado
democrático de direito (art. 1º CF).
As teorias da repressão penal inútil, e as leis caducas somente favorecem a
impunidade, em excelente artigo "JUSTIÇA EMPERRADA", o Professor Damásio
Evangelista de Jesus (in Tese Jurídicas, Revista da Associação Paulista do
Ministério Público, nº 40, ano VI, Dez-Ago/2002, pg. 71-73), explica as falhas
do direito penal e dos seus discursos inverídicos, tenta-se enfeitar a verdade
com linguagens figuradas.
Mas temos o Ministério Público (art. 127 CF, art. 257 CPP e art. 1º Lei
Orgânica Nacional nº 8.625/93) instituição incumbida de zelar pela correta
interpretação e aplicação das leis e da Constituição, pelo Estado Democrático
de Direito e promover a segurança jurídica no País, em benefício da cidadania,
sempre protegendo os Direitos Humanos dos acusados, processados, presos e condenados,
para efetivar o devido processo legal.
Até que ponto o modelo processual penal garantista, implantado pela nova ordem
constitucional, vem sendo (des)respeitado ante a proliferação de ações penais
infundadas, nascidas sob o escudo do vetusto "in dubio pro societate".
Não é de hoje que a comunidade jurídica nacional, notadamente os
processualistas de escol, clamam por uma alteração no Código de Processo Penal,
a fim de compatibilizá-lo com os princípios e institutos consagrados na Carta
Política de 1988 . Erigido sob as aspirações autoritárias do Estado Novo e
descompromissado com as garantias individuais, o Código de Processo Penal é
anacrônico e repleto de dispositivos que não foram recepcionados pelo
ordenamento maior.
Nilo Batista fala dos "Punidos e Mal Pagos", in "Introdução Crítica ao Direito
Penal Brasileiro; o norueguês Nils Christie, "Os Limites da Dor" e a "A
Industria do Controle do Crime"; o prof. mexicano de Luis de la Barreda prevê
"O futuro direito penal de Frankenstein"; quando se percebe em todos os cantos
e por todos os lados que o direito universal de punir anda na contra-mão da
ciência, quando Michel Foucault em seu célebre livro "Vigiar e Punir", conta a
verdadeira história da violência nas prisões. E, sem obviamente deixarmos de citar
René Ariel Dotti, dono do melhor magistério, quando se refere ao "Direito Penal
do Terror" (ver Carta Movimento ANTITERROR, Universidade de São Paulo,USP, em
2003; e 2005 Universidade Federal de Belo Horizonte, ver Dotti, René Ariel, in
"Movimento Antiterror e a Missão da Magistratura", ed. Juruá, Curitiba, 2005).
São várias e constantes as teorias que surgem, morrem e reaparecem em nome das
ciências penais e criminológicas, para reduzir e reprimir a criminalidade em
geral. Diversos movimentos acadêmicos, também em prol da cidadania e dos
direitos fundamentais da pessoa humana, cito por exemplo a revista "No Hay
Derecho", na Argentina, a Revista "Dei delitti e delle pene" na Itália,
encabeçada por Alessandro Baratta; a fundação do Grupo de Criminología Critica,
no México, depois ampliado na América Latina; o Direito Alternativo na Espanha,
França e Itália; o Abolicionismo Penal de Louk Hulsman e outros; o Garantismo
Jurídico de Luigi Ferrajoli; o Movimento de Reforma Penal e Processual Penal na
América Latina tendo a frente Alberto Binder (ver "Estratégias para a Reforma
da Justiça Penal" Revista Jurisprudência Criminal Brasileira, Ed. Juruá -
Curitiba, vol. 33, 1994, trad. MAIA NETO, Cândido Furtado); no Brasil o
Movimento Anti-terror; etc.
A aplicação pura do direito penal, isto é, a utilização única e exclusiva dos
dispositivos legais da norma infraconstitucional, tem demonstrado ao longo do
tempo que não é a mais acertada. O direito penal é eminentemente repressivo,
meio e método de controle social que tem causado muitas injustiças universais.
Devemos aplicar o código penal em conjunto com a principiologia adequada ao
direito democrático, sem olvidarmos das cláusulas pétreas constitucionais de
garantias fundamentais da cidadania, aquelas constantes nos instrumentos
internacionais de Direitos Humanos; só assim estaremos interpretando e
aplicando a norma de maneira correta e efetivando a verdadeira justiça criminal
para cada caso "in concreto".
Sem dúvida a Constituição federal brasileira de 1988, deu início a um Projeto
de modernização da administração de justiça criminal brasileira, quando
implantou o sistema processual penal acusatório - democrático -, para
reconstruir a legalidade, em meio de uma crise institucional estatal, a fim de
remover e demolir toda a tradição inquisitorial de muitos séculos, representada
por uma etnografia tribunalística, para uma verdadeira institucionalidade
republicana. Uma cultura legal e valores em base a ideologia da nova
legislação, rompendo de vez com a tradição inquisitorial estabelecida no código
de processo penal, de 1942.
Segundo o Observatório Latino-americano de Política Criminal - OLAPOC, nascido
durante o 2º Congresso Internacional de Política Criminal, celebrado no México,
em 2003, adverte: "a globalização reordena o sistema capitalista e se mantêm
por meio da exclusão social, tendo como atenção principal os interesses de
mercado. Tendo como reflexo o desrespeito aos direitos judiciais fundamentais
do cidadão no sistema de administração penal, provocando o abandono do
garantismo penal, com uma legislação cada vez mais punitiva visando conter os
próprios excluídos do sistema sócio-econômico implementado pela globalização,
na medida em que se usam instrumentos politicamente repressivos, e não meios
racionais técnicos e científicos".
O direito penal expansionista tem como base o sistema inquisitorial, onde se
buscava nas sentenças o arrependimento, o que foi um fracasso; hoje se busca a
reintegração social dos apenados, outro fracasso e engodo.
Penso em uma Justiça criminal democrática com letras maiúsculas compostas por
uma Polícia cidadã, por uma Defensoria Pública que não abre mão do devido,
necessário e justo processo legal, por um Poder Judiciário verdadeiramente
independente e soberano, e por um Ministério Público que promova os Direitos
Humanos.
A aplicação do direito penal pelo direito penal, sem a devida analise dos
princípios de Justiça, não significa certeza e nem correção, posto que a norma
é pura criação humana, segundo os mais variados interesses do homem. Só podemos
falar em Justiça Penal quando buscamos a verdade, a imparcialidade, a
transparência, a igualdade, a proporcionalidade, a pacificação social, a
composição, o perdão e principalmente de esperança com fé em Deus, o criador do
Universo, nosso Pai e de Jesus Cristo.
A nossa proposta refere-se a um Movimento pela Legalidade e Resistência contra
o Abuso de Poder, em outras palavras contra o neo-fascismo, neo-ditadura,
neo-defensismo social e autoritarismo camuflado e acobertado pelo pensamento
jurídico-penal contemporâneo, que falsamente em nome da necessidade da ordem e
da segurança pública, implementa sorrateiramente um direito penal cada vez mais
repressivo, inquisitivo, funcionalista, sistêmico e expansionista. Somos pela
criação de uma Rede de Ombudsman pelos Direitos Humanos
(www.direitoshumanos.pro.br), para difundir e publicitar os abusos de
autoridade, e responsabilização criminal, cível e/ou administrativa, efetivando
assim o devido processo legal garantista - segurança jurídica, as garantias
judiciais em respeito aos direitos constitucionais fundamentais individuais da
cidadania - nas linhas pré-estabelecidas pelo Estado Democrático de Direito.
In dúbio pro societat ou processo penal garantista (ver Ana Cláudia Bastos de
Pinho, Promotora de Justiça do Estado do Pará, www.ampep.com.br), onde
transcreve nosso pensamento: "Na dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou
absolve-se (em respeito ao princípio in dubio pro reo), e nunca se processa,
pronuncia-se ou condena-se (em base ao in dubio pro societate). As garantias
individuais são direitos concretos que prevalecem ante as abstrações (in dubio
pro societate), estas servem ao direito autoritário, aos regimes
antidemocráticos ou aos governos ditatoriais. Não se pode permitir que nos regimes
democráticos as abstrações "em nome da sociedade" venham destruir o sistema
jurídico humanitário positivo, para dar lugar a um odioso direito repressivo,
onde o Estado condena e acusa sem provas concretas" (MAIA NETO, Cândido
Furtado, in "O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos"; ed. Juruá,
Curitiba-PR, 2000).
No Estado Moderno ou no Direito Penal Democrático Contemporâneo encontra-se
previsto um sistema de garantias aos direitos individuais. Os poderes estatais
possuem limites nas atuações das autoridades públicas, o que implica em
respeito e reconhecimento aos direitos indisponíveis individuais, em outras
palavras, a efetivação do direito constitucional fundamental estabelecido pelas
cláusulas pétreas. Temos visto muita confusão conceitual quando na doutrina se
apresentam propostas de política criminal e penitenciária, com definições
adversas, a exemplo daquelas linhas e modelos de Estado Oriental - absoluto e
teocrático -, Estado Grego - liberdade cidadã com exclusão ás classes menos
desfavorecidas -, Estado Romano - que destaca a soberania do Estado e não dos
direitos fundamentais da cidadania -, e Estado Feudal ou Medieval - na sua
complexa relação de hierarquia de poder político, social e econômico - (ver
MAIA NETO, Cândido Furtado, in "Direitos Humanos Individuais Fundamentais no
Processo Penal Democrático: Blindagem das garantias constitucionais ou vítimas
do crime de Abuso de Poder", Revista Jurídica da UNISEP - Faculdade de Direito
da União de Ensino do Sudoeste do Paraná, pg. 198/215, vol. 1-1, Ago/Dez/2005;
Revista de Estudos Criminais, nº 21, Ano VI, Janeiro-Março, 2006, PUC/ITEC,
Porto Alegre/RG; e Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal, v.7 nº 37,
abril-maio/2006, São Paulo-SP, pg. 64/85).
No Estado Constitucional ou Estado Democrático de Direito (art. 1º CF) se dá
ampla e primordial atenção ás garantias fundamentais da cidadania; no Estado
Social de Direito são as necessidades básicas que se tem como meta nos
programas e políticas de governo; e o Estado de Direitos Humanos corresponde um
direito penal interno e internacional voltado ao asseguramento dos princípios
reitores universais de justiça. Já o Estado de Polícia e o Estado de Direito
significam conceitos antagônicos, o primeiro se traduz pela força, pelo
arbítrio e pela repressão estatal, o segundo o respeito á lei e a segurança
jurídica, entretanto este último - Estado de Direito - não depende que a norma
penal em vigor tenha sido discutida e aprovada pelo Parlamento em observância
ao princípio democrático da representação popular (ver MAIA NETO, Cândido
Furtado, in "Código de Direitos Humanos", ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003).
O direito penal expansionista ou do terror que pretende ser implementado, por
alguns desavisados, reacionários ou ingênuos, atenta contra os princípios "sine
conducta, nullum crimen, nulla culpa e nulla poena", da taxatividade, pois se
sustenta em premissas falsas, em tipificações com limites incertos ou difusos -
mal intencionado imprecisa - , com aberrantes presunções de dolo - perigo de perigo
-, compondo tipos penais em branco, abertos e difusos, ferindo ademais, com
muita gravidade os princípios da individualização da acusação, da sentença
condenatória e por conseqüência a individualização da execução da pena. Em nome
da necessidade de defesa da ordem pública, social ou da coletividade, se
destroem e se desvirtuam garantias judiciais individuais fundamentais da
cidadania, onde a doutrina, a jurisprudência e a legislação acabam não
cumprindo com a missão como guardiãs da legalidade.
A missão do direito penal democrático tem origem na Revolução francesa (1789),
que teve e tem como base a liberdade, igualdade e fraternidade, para uma
sociedade, livre, justa e solidária, onde a República Federativa do Brasil
constitui-se em Estado Democrático de Direito Constitucional-Penal (art. 1º
CF), com prevalência aos Direitos Humanos (art. 4º, inc. II CF), nas suas
diversas gerações ou dimensões (ver MAIA NETO, Cândido Furtado, in ob cit,
"Código....").
-
Se analisarmos bem, quando a doutrina criminal - não recomendada - denomina os
implicados na Justiça Penal, de marginais, criminosos, delinqüentes,
ex-presidiários, ex-processados, etc., deveria falar em excluídos sociais ou em
refugiados econômicos, onde podemos encontrar a verdadeira causa dos atos delitivos,
ou a maioria delas, em razão da fome, carência de trabalho e má condição de
vida, uma vez que para estes marginalizados não é cumprido, pelo Estado, o
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (ONU/1966) e
nem as Regras Mínimas das Nações Unidas para os Reclusos, em vigor desde 1955,
quando se fala em "ressocialização", "reintegração" ou em "reinserção social"
dos presos e condenados.
Muitas das expressões jurídicas utilizadas pelos operadores do direito - como
constam na jurisprudência penal - são frases feitas intencionalmente para
justificar acusações abstratas, subjetivas ou sem a necessária prova concreta
da responsabilidade e culpabilidade do réu, fazendo que todos nós fiquemos no
ar, na dúvida, na conjectura, pensando que as evidências ou que os indícios
autorizam condenações criminais, e assim o anormal, o incerto, o indevido, o
injusto ou o não recomendável, acaba se tornando perfeitamente normal, certo e
justo.
O direito penal expansionista não representa um sistema funcional, tenta apenas
e mais uma vez dar resposta á sociedade, que até os dias de hoje não conseguiu,
retornando ao passado com propostas de inflação legislativa - mais delitos e
mais sanções -, com o aumento na severidade das penas especialmente a da prisão;
portanto mais guerra, mais violência e mais abuso estatal através da repressão
desenfreada contra a cidadania. é o que se pode chamar de Direito Penal
irracional, ilógico e sobre tudo brutal, aumenta impunidade e os abusos de
poder (Declaração sobre os Princípios Fundamentais de Justiça para as Vítimas
de Delitos e do Abuso de Poder - Res. ONU nº 4034/1985; c.c. Lei nº 4.898/56 de
Abuso de Autoridade).
As ciências penais, criminológicas, vitimológicas e penitenciária moderna é
pelo Direito Penal reducionista, menos crimes, mais descriminalização, mais
destipificação, mais despenalização. é o Direito Penal de ultima ratio, lógico
e democrático.
Para concluir de maneira resumida, cito o ensinamento do mestre e educador
Paulo Freire, quando diz: "é preciso educar para formar e não somente para
instruir" (in "Pedagogia do oprimido"...); assim e na mesma linha da missão da
pedagogia e da função jurisdicional do Estado, como essencial ao
desenvolvimento do progresso, da cultura e do regime democrático, "é preciso
que os profissionais do direito atuantes nas instâncias da justiça penal sem
preocupem verdadeiramente com todos os membros da sociedade, sem qualquer
distinção ou discriminação, especialmente atendendo os excluídos ou os
oprimidos economicamente, que compõem a classe social dos mais necessitados de
vulneráveis do sistema repressivo estatal".
A ignorância, a falta de cultura e de uma boa educação conduz os homens para o
crime gerando a violência; muitos são aqueles marginais da fome, e outros poucos
são os marginais do saber jurídico-penal, que acreditam na repressão estatal
como forma de combater a delinqüência e a reincidência.
Nestas teorias penais inventadas e reinventadas, quanto ao tipo, crime e a
responsabilização da autoria, o primeiro problema aparece no desencontro
teórico-dogmático entre os critérios da causalidade e aa ação, sem fazer a
necessária distinção entre injusto e culpabilidade. Depois surge o que se
passou a denominar de causalidade natural, no mínimo ridículo; na seqüência as
teorias individualizadoras, limitando a imputação mediante o dolo com a
ofensividade concreta, e a da afetação ao bem jurídico por antecipação punitiva
- teoria do puro desvalor da ação - via dolo de perigo e dolo eventual -, outro
absurdo. Quando os funcionalistas sistêmicos não se importam com a estrutura
lógico realista do injusto e da conduta, abandonando o valor da vontade -
elemento subjetivo, dolo-intenção - para operar simplesmente em base a
imputação objetiva, como a primeira teoria da causalidade, já há muito tempo
superado. Os funcionalistas sistêmicos justificam esta teoria pela necessidade
de prevenção dos riscos aos bens jurídico-penais tutelados, bastando a criação
eventual de um risco para a necessidade da repressão e reforçar o sistema penal.
Este discurso teórico e dogmático amplia e legitima o injusto, utópico e
irracional poder punitivo do Estado; em outros términos, legitima um sistema
repressivo anti-democrático, arbitrário e eminentemente ditatorial.
Autor:
Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto
Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu - Ministério Público do Paraná. Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Ex-Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Professor Universitário de Pós-Graduação (Mestrado e Especialização). Membro da Associação Internacional de Direito Penal. Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia[arroba]uol.com.br e www.direitoshumanos.pro.br
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