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A falta do registro da citação na matrícula do imóvel terá outra conseqüência jurídica: em razão do apontado ato omissivo do autor vencedor da ação reivindicatória, restará ele com a obrigação de indenizar o comprador, nos exatos termos do art. 159 do Código Civil, por perdas e danos. Isso não exclui, evidentemente, a mesma obrigação por parte do vendedor que não avisou o comprador da existência da ação, que terá também de restituir o preço recebido.
Vejamos a hipótese de alienação do imóvel na pendência de ação que tenha o condão de tornar insolvente o vendedor.
Inicialmente, convém lembrar que não é possível ao credor, em nenhuma hipótese, proceder ao registro ou averbação na matrícula do imóvel da ação que possa reduzir o vendedor do imóvel á insolvência, exatamente porque o art. 167, da LRP, não contempla essa possibilidade. Nada pode fazer o credor, portanto, para proteger o seu crédito, que não a apresentação de protesto contra alienação de bens, algo que, na prática, é quase inócuo.
Note-se, ademais, que não há qualquer dispositivo a determinar que a eficácia dos arts. 592, V e 593, II, do CPC, somente ocorre se o comprador tem ciência da existência da mencionada ação.
Por outro lado, é preciso interpretar as normas de modo que elas possam dar ás pessoas a tão almejada segurança jurídica. O comprador precisa de meios juridicamente seguros para obter uma aquisição eficaz. Os negócios jurídicos e proprio Direito não podem ser uma "loteria".
Como conciliar esses elementos? De um lado, a necessidade de garantir a eficácia da execução, que se traduz na própria eficácia da jurisdição. De outro lado, a necessidade de proteção do comprador de boa-fé, que confia nos registros públicos.
Uma possível solução, consiste na análise da existência da possibilidade de conhecimento do comprador da ação que pode levar o proprietário do imóvel á insolvência. Se existente essa possibilidade, no plano prático, não se poderá falar da existência de desconhecimento da ação, pois não se pode reputar do desidioso como alguém de boa-fé: ninguém pode alegar a própria torpeza em seu benefício.
Com efeito, se a ação está em trâmite na comarca em que reside o vendedor ou na comarca da situação do imóvel, há uma presunção absoluta do conhecimento das mesmas por parte do comprador. é que o comprador tem o ônus, para efeito de restar aferida objetivamente a existência da sua boa-fé, de obter as certidões dos distribuidores cível, fiscal e trabalhista das comarcas de residência do vendedor e de situação do imóvel, exatamente para se certificar da inocorrência de uma aquisição em fraude á execução. Essa cautela mínima é exigível, pois, uma vez tomada, fica demonstrada, em princípio, mas de forma objetiva, que o comprador está adquirindo o imóvel de boa-fé no tocante a desconhecer a existência da ação.
Contudo, pode ocorrer que a ação que venha a tornar insolvente o vendedor esteja tramitando em local distinto da comarca de residência do vendedor e da comarca de situação do imóvel. Essa hipótese é incomum, mas pode ocorrer. A situação, nessa hipótese, é totalmente distinta.
À toda evidência, não é possível ao comprador a obtenção de certidões dos distribuidores de todas as comarcas do país. Isso não é a ele exigível!
O mesmo se diga da hipótese em que não há uma ação judicial em face do proprietário do imóvel, mas sim da empresa da qual ele é sócio, não apresentando os distribuidores judiciais qualquer informação a respeito da ocorrência de desconsideração da personalidade jurídica da empresa a ensejar a responsabilidade pessoal do sócio. Não é possível o comprador saber, em princípio, se o vendedor do imóvel é sócio de empresa em estado de insolvência, pois não há registro público a fornecer esse tipo de informação: a Junta Comercial informa quem são os sócios de uma sociedade, mas não que sociedade tem como sócio o vendedor.
Nesses casos, há uma presunção de que o comprador desconhece a existência da apontada ação. Há uma presunção, nesse caso, objetiva, de que sua compra foi feita de boa-fé. Presunção essa que é relativa, podendo ser elidida, com o ônus da prova a cargo do credor.
A melhor solução para a questão da aquisição de imóvel em fraude á execução é a de prestigiar a boa-fé, aferida objetivamente, do comprador. é preciso dar segurança jurídica á sociedade: a boa-fé do comprador deve ter o condão de tornar a aquisição do imóvel eficaz também em face do autor da ação, mas apenas se estiver presente de forma objetiva.
Portanto, se a demanda que pode tornar insolvente o vendedor está em curso na comarca de residência do vendedor ou na comarca de situação do imóvel, não é possível afirmar que o comprador não tem ciência da sua existência, razão pela qual não pode ser reputada sua aquisição como sendo, objetivamente, de boa-fé. Ela será ineficaz contra o credor, nos exatos termos dos art. 592, V c.c. art 593, II, do CPC. é exigível do comprador a mínima cautela consistente na obtenção dessas certidões. Como se afirmou acima, ninguém pode alegar a própria torpeza em seu benefício: aquele que não buscou as certidões do distribuidor da comarca de situação do imóvel e de residência do próprio devedor não pode alegar o desconhecimento da ação a lhe eximir dos efeitos da aquisição do imóvel em fraude á execução.
Caso a ação esteja em curso em comarca outra, ou seja movida em face de empresa com personalidade jurídica desconsiderada a ensejar a responsabilidade pessoal do vendedor, deverá o credor produzir prova hábil a demonstrar que o comprador tem ciência da ação, pois a boa-fé deste, neste caso, é objetivamente presumida, haja vista a inexigibilidade de obtenção de certidão de todas as comarcas do país, ou de certidão de todas as empresas que estejam com personalidade jurídica desconsiderada, sob pena de tornar juridicamente insegura a compra de qualquer imóvel.
é majoritária na jurisprudência a orientação no sentido de que a existência de boa ou má-fé por parte do comprador é irrelevante na fraude á execução, inclusive na hipótese de aquisição de bem imóvel de devedor insolvente.
Alguns julgados mais recentes do STJ, contudo, podem mudar essa orientação:
"PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO DEMONSTRAÇÃO PELA PARTE CREDORA DE QUE O ADQUIRENTE DO BEM SABIA DA EXISTÊNCIA DE DEMANDA CONTRA O ALIENANTE. ARTS. 593, II DO CPC E 109 DO CÓDIGO CIVIL. OPERAÇÃO NEGOCIAL CELEBRADA EM CLIMA DE BOA-Fé.
I - A ocorrência de fraude á execução, para ensejar a desconstituição da transação celebrada entre o terceiro adquirente do devedor e o adquirente do bem, não se contenta com a simples existência de demanda contra aquele, mas se exige que o credor demonstre que a insolvência do devedor era do conhecimento da outra parte, salvo se pública e notória, ou que tenham havido má-fé na operação de alienação.
II - Sem a demonstração de tais pressupostos que seriam encargo do credor, não se decreta o desfazimento de ato negocial que ostenta todas as características de licitude e validade.
III - Matéria de fato (Súmula 07/STJ).
IV - Recurso não conhecido."
(STJ, Terceira Turma, REsp nº 155.355/PE, DJ de 30/11/1998, Relator Ministro WALDEMAR ZVEITER j. em 06/10/1998)
"PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE A EXECUÇÃO. ART. 593, II, DO CPC. INOCORRENCIA.
PARA QUE SE TENHA COMO DE FRAUDE A EXECUÇÃO DE BENS, DE QUE TRATA O INCISO II, DO ART. 593 DO CODIGO DE PROCESSO CIVIL, E NECESSARIA A PRESENÇA CONCOMITANTE DOS SEGUINTES ELEMENTOS: A) QUE A AÇÃO JÁ TENHA SIDO AFORADA; B) QUE O ADQUIRENTE SAIBA DA EXISTENCIA DA AÇÃO - OU POR JA CONSTAR NO CARTORIO IMOBILIARIO ALGUM REGISTRO DANDO CONTA DE SUA EXISTENCIA (PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE CONTRA O ADQUIRENTE), OU PORQUE O EXEQUENTE, POR OUTROS MEIOS, PROVOU QUE DO AFORAMENTO DA AÇÃO O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA; E, C) QUE A ALIENAÇÃO OU A ONERAÇÃO DOS BENS SEJA CAPAZ DE REDUZIR O DEVEDOR A INSOLVENCIA, MILITANDO EM FAVOR DO EXEQUENTE A PRESUNÇÃO JURIS TANTUM.
INOCORRENTE, NA HIPOTESE, O SEGUNDO ELEMENTO SUPRA INDICADO, NÃO SE CONFIGUROU A FRAUDE A EXECUÇÃO. ENTENDIMENTO CONTRARIO GERARIA INTRANQUILIDADE NOS ATOS NEGOCIAIS, CONSPIRARIA CONTRA O COMERCIO JURIDICO, E ATINGIRIA A CONFIABILIDADE NOS REGISTROS PUBLICOS.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO."
(STJ, Quarta Turma, REsp nº 113,871/DF, DJ de 15/09/1997, Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA, j. em 12/05/1997)
Como se pode bem notar, a motivação desses julgados consiste em procurar tornar mais seguras as aquisições imobiliárias, de modo que o comprador não seja surpreendido pela existência de uma ação que ele deconhecia, que venha a invalidar a aquisição da propriedade do bem, por força da ineficácia em face do credor do vendedor.
Não explicitam esses julgados, porém, se o fato de constar a existência da ação, em face do vendedor, no cartório do distribuidor cível da comarca de residência do vendedor ou da situação do imóvel já é suficiente para a conclusão de conhecimento do vendedor da existência da ação.
é preciso entender que sim. Não apenas porque o art. 1º, da Lei nº 7.433/85 exige a apresentação dos feitos ajuizados em face do vendedor para lavratura da escritura pública de compra e venda, mas, principalmente, porque somente se pode reputar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição.
Afinal de contas, há grande diferença entre a hipótese do comprador ser prejudicado pela existência de uma ação que ele desconhecia por descuido seu daquela em que ele é prejudicado pela existência de uma ação que não lhe era possível conhecer. As situações são, visivelmente, distintas.
Até o advento da Lei nº 8.953/94, a questão da eficácia da penhora não registrada na matrícula do imóvel em face do comprador era objeto de polêmica, com decisões nos mais variados sentidos.
Com o advento da Lei nº 8.953/94, que introduziu o § 4º ao art. 659 do CPC, passou a ser requisito da constituição da penhora (ou da sua eficácia em relação a terceiros, segundo alguns) a existência do seu registro.
Desse modo, não mais se justifica qualquer tipo de controvérsia: o credor tem o dever de promover o registro da penhora na matricula do imóvel, sob pena de inexistência da penhora (ou de eficácia perante terceiros).
Para as penhoras efetuadas antes do advento da Lei nº 8.953/94, porém, em obediência ao princípio constitucional de que a lei não prejudica o ato jurídico perfeito, não é obrigatório o registro da penhora, resolvendo-se a questão pela aferição objetiva da ocorrência, ou não, da boa-fé do comprador, tal como acima tratada.
Como se pôde observar, nas hipóteses de fraude á execução previstas nas hipóteses do art. 593, I e do art. 240 da LRP, a questão não deve apresentar maiores problemas, pois o comprador terá ciência da existência da ação ou do gravame mediante singela obtenção de certidões.
Na modalidade prevista no art. 593, II, do CPC, a questão somente apresentará problemas na hipótese de a ação estiver em curso em comarca outra que a de situação do imóvel ou de residência do vendedor. Nesta hipótese, a boa-fé do comprador é relativamente presumida de forma objetiva, devendo ser prestigiada e aceita para efeito de tornar eficaz a aquisição a compra também em face do credor, á míngua de outros elementos indicativos de conluio do comprador com o vendedor. Contudo, se ação está em curso na comarca de situação do imóvel ou de residência do vendedor, constando o nome do vendedor como réu no cartório do distribuidor, não é possível afirmar que o comprador desconhecia a sua existência, pois bastaria buscar as certidões dos distribuidores cível, fiscal e trabalhista para saber que há ação em curso contra o vendedor. Ninguém pode alegar seu descuido ou sua torpeza em seu próprio benefício: a venda deve ser reputada ineficaz em face do credor.
Portanto, s. m. j., a melhor solução para o problema da existência ou não de relevância na boa-fé do comprador de imóvel em fraude á execução consiste em apenas prestigiar a boa-fé, que é aferida objetivamente, do comprador cauteloso.
Autor:
Bruno Mattos e Silva
brunosilva2008[arroba]hotmail.com
Autor do livro "Compra de Imóveis, Aspectos Jurídicos, Cautelas Devidas e Análise de Riscos".
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