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Mais uma vez, cumpre assinalar a tendência histórica de dogmatismo na formação
e na prática jurídica, cuja origem remonta a longa data, não só no Brasil, como
também em outros países, principalmente no Direito italiano. Como ressalta
Alves (1994):
Essa orientação persiste no séc. XIX, e é justificada no terreno do ensino
universitário jurídico, pelo positivismo, de que decorreu o dogmatismo
jurídico, anti-historicista por excelência: deveria o jurista somente estudar
normas vigentes, para delas retirar, por indução, os conceitos gerais em que se
estriba o direito positivo, estabelecendo, então, dedutivamente, suas
conseqüências e formando, assim, um sistema lógico de categorias abstratas
(p.60).
Decorre do exposto a inferência de que, no caso brasileiro, o ensino jurídico,
como, aliás outras dimensões de nossa cultura, no transcorrer da história, não
deixou de sofrer influência dos modelos dominantes em outros contextos. Na
atualidade, segundo Bastos (1998, p. 292), o processo educativo e o tratamento
das disciplinas jurídicas é dominado por duas tendências: a primeira
caracteriza-se como dogmática, o que torna o ensino desvinculado das outras
dimensões do conhecimento relativo ao homem e á sociedade. Ao lado dessa, o
autor mencionado identifica uma segunda vertente, que dirige a ação pedagógica
para a abordagem abstrata do direito e, por isso, somente reforça o seu
divórcio com a dinâmica da realidade social. Essa característica é igualmente
apontada por Cruz (1999). Em face dessas evidentes lacunas e distorções,
Bastos, op. cit. propõe:
O ensino jurídico precisa absorver os novos parâmetros do conhecimento
científico e incentivar pesquisa jurídica, como instrumento de percepção da
realidade social e da experiência jurisprudencial dos tribunais. Nesse
contexto, os modelos retóricos de ensino e o desprezo pelas novas dimensões do
conhecimento técnico e científico favorecem a alienação do saber jurídico e as
preocupações didáticas determinadas pelo saber dogmático. (p.293)
Cumpre assinalar, portanto, que qualquer análise sobre a problemática da
formação jurídica no contexto brasileiro precisa estar situada no âmbito das
limitações que caracterizam a formação universitária em termos gerais. Nesse
sentido, a análise da literatura sugere que alguns dilemas são absolutamente
comuns aos diferentes cursos.
Adotando-se uma visão abrangente, podemos afirmar que, em termos genéricos, a
instituição universitária brasileira tem sido caracterizada como torre de marfim, visto que se apresenta
alheia e alienada da realidade sócio-cultural e política. Provavelmente, nessa
dimensão resida a face mais conservadora da formação universitária. Note-se que
esse alheamento somente contribui para a preservação da base estrutural da
sociedade e das contradições e paradoxos dela decorrentes. Segundo essa
perspectiva, parece claro que a função social da formação acadêmica tem-se
voltado, predominantemente, para a manutenção de privilégios de classe e de
raça, que são marcantes na estrutura da nossa sociedade. Como elemento de apoio
a essa inferência, chamamos atenção para o fato de que os cursos de maior
prestígio social e, por isso de maior concorrência no concurso vestibular,
acolhem predominantemente candidatos oriundos dos segmentos da elite.
Todavia, a formação proporcionada em nível de 3.º grau tem sido considerada
igualmente como torre de marfim,
quando analisamos as relações dos currículos dos cursos com a evolução
tecnológica e com as demandas do mercado de trabalho. Cumpre esclarecer que
estamos definindo currículo como o conjunto de experiências, isto é, de
conhecimentos, habilidades e demais ações de ensino-aprendizagem teóricas e
práticas que instituição educacional promove, dentro e fora das salas de aula,
tendo em vista a formação acadêmica de sua clientela.
Vê-se pois uma eterna corrida aos cursos de Direito. Ocorre que na atualidade o
ensino do Direito deixou de ser oferecido apenas por instituições tradicionais,
com corpo docente permanente dotado de grande reconhecimento junto á sociedade
e á comunidade jurídica, espalhando-se por todos os cantos em um sem número de
instituições emergentes no Ensino Superior, nas quais o curso jurídico
rapidamente passa a ocupar lugar de destaque pelo número de alunos e,
conseqüentemente, como meio de sustentação da instituição.
Hoje ao invés de seguir uma carreia jurídica, e como no início dos tempo uma
carreira política. O aluno de Direito busca um "curso preparatório" para
concursos públicos. Isto porque teve-se nos últimos anos um crescimento da
oferta de postos de trabalho com formação jurídica no setor público, onde
normalmente se oferece altos salários e estabilidade.
Segundo Rodrigues (In: Olivo, 2000, p. 59) entre as principais características
do ensino jurídico atual encontram-se o tradicionalismo e o conservadorismo,
que decorrem da influência do positivismo; desconhecimento da realidade e das
necessidades sociais; ênfase no judicialismo e no praxismo; metodologia de
ensino de aula-conferência; currículos voltados para as disciplinas dogmáticas;
estudantes acomodados; corpo docente mal preparado; mercado de trabalho
semi-saturado; instituições administradas de forma centralizada; a concepção
Ideológica do liberalismo.
Por sua vez, Wolkmer (In: Olivo, 2000, p. 59) alude ao fato de que é na origem
mercantilista, absolutista e contra-reformista da formação social portuguesa
que se pode buscar os primeiros fatores geradores de uma tradição
político-jurídico-burocrática, individualista, erudita e legalista. Ressalta a
contraditórla confluência da herança colonial burocrático-patrimonialista e a
tradição liberal na formação das instituições jurídicas, dando origem a um
Direito voltado a defesa dos interesses da oligarquia, favorecendo o
clientelismo, o nepotismo e a cooptação e introduzindo um padrão de legalidade
formalista.
Salienta Rodrigues (In: Olivo, 2000, p. 59) que o liberalismo é o paradigma
político e ideológico do discurso jurídico e sua crise deve ser entendida no
contexto da crise geral do capitalismo que se reflete pelos indicadores
econômicos e sociais. Na crise geral do capitalismo, ao Direito são atribuídas
duas funções: por um lado a de legitimar o procedimento através da legalidade
dos atos, o que se daria pelo processo judicial, e por outro, legitimar um
consenso sobre os objetivos sociais, seja pelos Direitos humanos ou pelas
normas programáticas.
Entretanto essa tentativa de solucionar a crise através do Direito apenas
amplia e reforça a própria crise do Direito, pois ele não possui instrumentos
capazes de solucioná-la.
O primeiro sintoma dessa crise pode ser identificado no próprio meio como ele
foi imposto. Com a chegada dos colonizadores portugueses no século XVI.
Ressalta Wolkmer (In: Olivo, 2000, p. 59) que tanto o índio quanto o negro não
conseguiram fazer valer seus direitos. Predominou o Direito português.
O jusnaturalismo vê o Direito fora da realidade, de forma metafísica e Idealista.
Já o Direito ensinado, do ponto de vista positIvista, é exegético, ou seja,
leva em conta as leis em vigor, dos códigos, o que transforma os profissionais
em técnicos a serviço da burocracia dominante. Essas duas visões de mundo
prevaleceram em todo o processo de formação do Direito no Brasil, sendo a
primeira até a proclamação da República e a segunda até os dias atuais, diz
Rodrigues (Ob. Cit).
Um traço primordial do liberalismo foi o seu jurisdicismo, que moldou o
principal perfil da cultura jurídica brasileira, qual seja o bacharelismo
liberal. Dois fatores básicos edificaram a cultura jurídica nacional, a saber:
por um lado a criação dos cursos jurídicos e de uma elite própria; de outro a
elaboração de um arcabouço jurídico no Império, constituído de uma
Constituição, vários códigos, leis, etc.
Segundo Joaquim de Falção (In: Olivo, 2000, p. 60), duas eram as funções
básicas das Escolas de Recife e São Paulo: a) ser um pólo de sistematização e
irradiação do liberalismo enquanto nova ideologia política-jurídica capaz de
defender e integrar a sociedade; b) dar efetivação constitucional ao
liberalismo no contexto formador de um quadro administrativo profissional.
Visto o aspecto histórico no ensino jurídico no Brasil, cabe tratar do atual
ensino jurídico.
Fux (2000, p. 174) define ensino jurídico como o veiculo através do qual
transmite-se ao estudante de direito a visão do fenômeno jurídico na sua dupla
configuração a saber: o sistema de leis e as formas de composição dos conflitos
jurídicos decorrentes da irrealização espontânea do direito.
Diz ele que costuma-se asseverar que o curso jurídico é um método de ensino
comprometido com o "ser" e descomprometido com o "dever ser".
Nosso mundo sofre um processo constante de mudanças em diversas áreas o que faz
com que, aumente a demanda por profissionais especializados e não mais
profissionais gerais, ou seja, aqueles que de tudo sabem um pouco. Essa
complexidade faz com que o curso de Direito tenha uma mescla de várias
disciplinas indo desde português, sociologia, filosofia, teoria do Estado e
introdução á economia2 até as específicas como direito civil,
comercial, ambiental, penal, entre outras.
Os profissionais do Direito são uns dos mais atingidos por essas mudanças.
Assim o direito é uma ciência que esta sensível aos impactos, daí o porque o
campo do direito não cessa de ampliar-se, seja no domínio público como no
privado. Assim, as universidades que possuem tais cursos necessitam introduzir
mudanças constantes em seus currículos e meio de ensino.
Daí porque no início da década de 90 a OAB criou uma comissão de ciência e de
ensino jurídico, que deu início á crítica da formação jurídica, que ficou
registrada em três publicações. A primeira trazia um diagnostico do ensino do
Direito no País, a segunda vinha com diretrizes e critérios para a elevação da
qualidade dos cursos. A última publicação traçou o perfil dos cursos de direito
implantados no Brasil e recomendou os melhores mediante o selo de qualidade3 .
Portanto, sob esta constante discussão sobre o tema, nada melhor que um
concluinte do curso de Direito traçar sua visão sobre o tema.
A formação do profissional do direito implica uma dupla vertente, que alias é o
que toda universidade busca: a teoria e a prática. A formação teórica abrange,
por um lado, o conhecimento das diversas disciplinas jurídicas que preparam o
profissional para responder ás demandas do mercado e desenvolver seu trabalho,
como operador do direito. De outro, implica uma sólida formação humanística e
ética para que o futuro jurista seja capaz de melhor compreender a complexidade
e amplitude dos conflitos com que se defronta.
Para evitar superficialidade na análise dessa problemática e, tendo presente
que um dos principais problemas existentes no desenvolvimento curricular está
vinculado á relação entre teoria e prática, acreditamos ser necessário discutir
o conceito de prática. Nesse
sentido, são esclarecedoras as contribuições apresentadas no Vocabulário
Jurídico, de Plácido e Silva, (1994, p. 409), quando menciona que o vocábulo
prática é derivado do latim practica,
forma feminina de practicus, de origem grega (prattein, fazer). O termo é
empregado na linguagem cotidiana e também no jargão jurídico, com vários
sentidos. Entre outros, destacamos o seguinte, que colhemos na obra referida
(op. cit.).
(...) o sentido de habilidade ou de perícia na execução ou fatura de alguma
coisa, e no exercício de um mister ou profissão. Decorrência do primeiro
sentido, é, portanto, a destreza ou a experiência adquirida pelo exercício. Daí
porque a prática integra sentido diferente da teoria, pois que esta vem do
estudo e aquela do exercício da arte ou profissão. (p.409-.10).
Decorre dessa formulação que o vocábulo prática refere-se a fazer, o que
implica a ação de executar algo, cuja metodologia é de nosso conhecimento ou,
em outras palavras, trata-se do processo de execução daquilo que já aprendemos,
porque experimentamos concretamente. Transpondo-se esse raciocínio para o
exercício profissional, fica claro que o conceito de prática está intimamente
ligado á noção de qualificação. Nessa linha de pensamento, recorremos á
elucidação de Deluiz (1995, p. 174), ao afirmar que "a qualificação do posto de trabalho refere-se ao
saber-fazer, necessário á ocupação de um emprego".
Sob esse aspecto, a pesquisadora referida destaca a relevância de que os
profissionais evidenciem, paralelamente ao conhecimento teórico, domínio de
habilidades práticas, quando se pensa na qualificação para o mercado de
trabalho. Tal formulação precisa ser levada a sério, também quando se trata da
programação de atividades pedagógicas, voltadas para qualificar os acadêmicos
para o exercício de funções profissionais da área do Direito. Esse argumento
adquire maior significado na operacionalização da parte específica do currículo
universitário, mais precisamente no planejamento das ações de
ensino-aprendizagem que compõem o Estágio, tal como ocorre durante o processo
formação jurídica, no Escritório Modelo, como propõe Cruz (1999), ou nas
chamadas atividades complementares, hoje bastante em voga nos currículos dos
cursos universitátios, inclusive no Direito.
Retomando os esclarecimentos de Plácido e Silva (op. cit. p. 409), concluímos
que a prática pode ser entendida como "a destreza ou a experiência
adquirida pelo exercício." Em muitas circunstâncias, tal
"exercício" resulta da execução de tarefas repetidamente, o que se
reflete no aperfeiçoamento do desempenho do indivíduo no seu fazer. Mas, no
caso da formação universitária, essa repetição precisa extrapolar o mero treinamento
roborizante. Como refere Cruz (1999), em se
tratando de atividades com fundamento teórico, essa dimensão da prática
propicia igualmente o domínio mais seguro da teoria que já foi apreendida,
durante períodos anteriores de estudo.
Pimenta (1997), ao analisar a relação entre teoria e prática na formação
profissional, revela posicionamento coerente com o que foi exposto e acrescenta
que a mesma deve nortear o currículo acadêmico. A autora citada ressalta que:
O exercício de qualquer profissão é prático nesse sentido, na medida em que se
trata de fazer "algo" ou "ação". (...) E, se o curso tem
por função preparar o futuro profissional para praticar, é adequado que tenha a
preocupação com a prática. (p.28)
No caso da formação jurídica, essa filosofia educacional parece assumir ainda
maior relevância, em função dos efeitos e conseqüências concretas que a ação
dos estagiários pode produzir. Como esclarece Cruz (1999):
Focalizando-se a análise sob o ponto de vista da legislação, concluímos (...)
que as normas legais são extremamente rigorosas em relação aos estagiários de
Direito, que têm a sua atuação equiparada, no que diz respeito aos seus
direitos e obrigações, aos do advogado, isto é daquele que já terminou a
graduação e atua profissionalmente no mercado de trabalho.
Concordamos integralmente com a pesquisadora mencionada quando deriva desse
dado de realidade a urgência de que se analise sistematicamente a relação entre
teoria e prática na formação universitária, particularmente no que concerne ao
Direito.
Do ponto de vista do planejamento curricular, emerge com vigor a proposta de
que, desde o início do curso, os estudantes vivenciem experiências curriculares
que ensejem o estabelecimento de vínculos claros entre os conceitos e
princípios teóricos com os respectivos desdobramentos práticos, no contexto de
atuação dos operadores do Direito no contexto brasileiro.
A bem da verdade, como registramos em momento anterior, o divórcio entre teoria
e prática na formação universitária não é peculiar ao Direito, pois que
denúncia semelhante aplica-se a cursos de outras áreas. Porém, no caso que nos
interessa mais diretamente, merece atenção peculiar, em função dos seus
reflexos no exercício profissional dos futuros operadores do Direito.
Fundamentamos nosso ponto de vista na seguinte análise de Bastos (1998, p. 292)
que, discutindo a relação entre teoria e prática no ensino jurídico brasileiro,
elucida que
os currículos jurídicos no Brasil, assim como os modelos de organização e
estruturação dos cursos jurídicos têm desprezado a experiência acumulada dos
tribunais, a jurisprudência como parâmetro do ensino, o que enfraquece não só o
papel do Poder Judiciário como centro de experiências e fomento da produção
jurídica, mas também o advogado, enquanto agente de aplicação da produção
judicial na intermediação de partes na solução de contradições sociais.
Ainda conforme análise de Bastos (1998, p. 294),
As recentes tentativas, em nível de graduação, de se reformular o ensino
jurídico têm sido superficiais e dispersas pelos seguintes fatores: em primeiro
lugar, porque reformular os currículos jurídicos implica, sempre e
necessariamente, reformular as formas institucionais de se pensar a organização
da produção e da convivência social; em segundo lugar, porque as reformas
sempre sofreram a resistências das elites tradicionais, que sempre viram nos
currículos jurídicos fórmulas eficazes de acomodação social e, em terceiro
lugar, porque as reformas nunca refletiram os resultados de estudos
sistemáticos sobre as necessidades ou exigências de se adaptar o conhecimento
jurídico ao processo de desenvolvimento e mudança social.
Depreendemos do exposto que existem fortes vínculos entre a tendência
conservadora, evidente na estrutura e no funcionamento de nossa sociedade e as
iniciativas, sempre frustradas, de reformas curriculares, particularmente em
uma área de conhecimento e de trabalho como a jurídica, que apresenta vínculos
umbilicais com direitos, deveres e até com privilégios concedidos
historicamente a certos segmentos na sociedade brasileira. Essa linha de
raciocínio tem apoio na seguinte exortação de Bastos (op. cit. p. 292):
é importante que se esteja atento para o fato de que os problemas políticos do
ensino no Brasil afetam decisivamente o ensino jurídico, que apresenta sintomas
indicativos mais agudos do que a crise geral do ensino, porque ele está
agravado pela sobrevivência e utilização de padrões metodológicos tradicionais
e pela resistência corporativa aos modelos mais abertos e flexíveis de ensino.
Mais essa ligação da teoria com a prática, não é o suficiente, há a necessidade
ainda de aumentar outro lado, o lado da indagação, para que ele reflita sobre o
amanhã, não pode o estudante pensar o direito como um conjunto de normas,
tornando-se positivista e sujeito passivo de constatações e para que atinga
isto existe a pesquisa.
Inegável, portanto, que o produto final deste processo de fabricação de um
profissional deva se dar através de três tópicos: teoria, prática e pesquisa.
Esse esforço consciente de mudança precisa ser orientado pelo propósito de
preparar os futuros operadores do Direito, para que eles atuem como pensadores e como elementos de impulso á
transformação social, através da ampliação do acesso de todos á justiça.
Com esse propósito, no momento de tomar as decisões mais significativas
referentes ao currículo desse curso, podemos analisar a relação entre teoria e
prática como dois elementos inter-relacionados, como se fossem as duas faces de
uma moeda. De um lado, tem-se a teoria, a doutrina, a jurisprudência e a
legislação, cuja evolução evidencia ritmo peculiar e, do outro, a prática, que
faz com que nos deparemos com novas solicitações e desafios a todo momento.
Esse dado de realidade torna-se particularmente expressivo, quando o ponto de
referência é a conjuntura brasileira atual, marcada por mudanças expressivas em
determinadas áreas, embora em outras, não apresente o mesmo dinamismo. Porém
numa terceira dimensão a pesquisa envolvendo tanto a teoria como a prática.
Como se fosse uma embalagem desses dois conteúdos.
Essa linha de pensamento encaminha a reflexão para as questões vinculadas ao
desafio de articular a formação profissional jurídica aos novos e antigos
dilemas que caracterizam o mundo moderno. A esse respeito, consideramos
esclarecedoras as contribuições de Demo (1993), quando argumenta que:
Modernidade significa que o desafio que o futuro acena para as novas gerações,
em particular seus traços científicos e tecnológicos[...] Modernidade, na
prática, coincide com a necessidade de mudança social, que a dialética
histórica apresenta na sucessão das fases, onde uma gera outra. Menos que a
marca técnica, modernidade poderia significar o desafio de compreender os
tempos novos, abarcar os anseios das novas gerações, perscrutar os rumos do
futuro. (p.20-21)
No caso do curso de Direito, se a universidade não conseguir aliar a prática
profissional ao currículo, cada vez mais, o diploma de bacharel terá sua
desvalorização crescente no mercado de trabalho e teremos diplomados ocupando
cargos que deveriam ser de indivíduos sem diploma de curso universitário. O
fenômeno se explica, não somente pela crescente oferta de indivíduos graduados,
como também, pelo temor do mercado de trabalho que, além de ter limitada sua
capacidade de incorporação de novos candidatos, está cada vez mais
especializado. Daí ser indispensável associar a preparação para a prática ao
embasamento teórico e a pesquisa.
Paul Singer (1987) reforça esta discussão ao afirmar que: "A disfuncionalidade do que se ensina, em relação ao
que se precisa, é tão óbvia, fica tão clara, que a motivação desaparece, ou
fica muito pequena..."(p.62).
Como apontado anteriormente, para que consigamos formar um bom profissional,
principalmente da área jurídica, é preciso não só o domínio de conhecimentos e
habilidades específicas, como também, a formação da consciência social, crítica
e política. Nesse sentido, o papel do professor assume extrema importância,
pois a formação profissional depende em grande medida, da atuação docente,
segundo perspectiva transformadora, assim como o papel da pesquisa que fornece
um conhecimento aprofundado sobre determinado tema.
Logo, além da teoria e da prática, cabe ter em mente, no cotidiano da formação,
as grandes transformações tecnológicas, sociais, políticas e estruturais,
levando a novos fatos sociais e novas demandas na atuação do profissional de
Direito. Esse precisa estar devidamente preparado com conhecimentos,
habilidades e consciência ética, pois, a cada momento, terá de enfrentar novas
situações e litígios. Vislumbramos, por isso, a importância da formação, obtida
por meio da prática da pesquisa, da extensão universitária e do trabalho como
estagiário nos escritórios-modelos para a solução desses novos e respeitáveis
desafios.
A esse respeito, é particularmente elucidativo o ponto de vista de Bastos
(1998, p. 298), quando afirma que "o ensino
jurídico, na sociedade brasileira moderna vive um verdadeiro dilema entre a sua
capacidade de responder ás exigências empresariais e/ou ás demandas sociais
reprimidas".
Segundo o autor mencionado (op. cit. p. cit.), as faculdades de Direito, na
atualidade, são chamadas a "sintonizar o seu
ensino com as expectativas da sociedade", tendo em vista ocupar seu
espaço na sociedade. Essa iniciativa é fundamental, para que se evite que
outras instituições não diretamente vinculadas ao trabalho educativo-pedagógico
venham a preencher lacunas deixadas pela instituição universitária e o façam "a partir de suas próprias perspectivas". O
problema é especialmente preocupante, visto que, conforme a análise do jurista
mencionado (op. cit. p. cit):
O ensino, nessas condições, abandona sua verdadeira missão e deixa de ser uma
proposta da sociedade, implementada pelo Estado, para atender a interesses
particulares ou desligados de um projeto educacional global. é necessário
corrigir a defasagem entre ensino oficial, oferecido pela faculdade e as
expectativas da comunidade, inclusive para que se ensine e se aprenda o direito
socialmente vivido. Essa transmutação para a compatibilização entre o ensino
jurídico oficial e o ensino socialmente esperado é a tarefa mais importante das
faculdades de Direito. Essa seria a fórmula de se transformar as faculdades de
Direito em agentes propulsores da dinâmica social ou mais especificamente,
transformar o conhecimento jurídico, socialmente ensinado e aprendido em
conhecimento socialmente útil.
Seguindo essa vertente analítica, o autor (op. cit. p. 293) acrescenta que o
advogado tem importante papel no que concerne á elaboração e aplicação de
instrumentos legais atualizados. Mas, para isso, é fundamental que esteja
habilitado para participar decisivamente do processo de transformação social.
Decorre daí a imprescindibilidade de que os cursos jurídicos sejam orientados
por princípios e práticas pedagógicas que visem, acima de tudo, ao
desenvolvimento do senso crítico e á qualidade no tratamento dos conteúdos e
demais experiências curriculares.
Assim. segundo Bastos (op. cit. p. 292), é fundamental
aproximar o ensino jurídico das questões do desenvolvimento e da democracia,
assim como incentivar no processo formativo, o aprimoramento necessário do
raciocínio jurídico, a par do imprescindível conhecimento do Direito positivo.
Essa seria a fórmula viável de se adaptar a formação do advogado ao
conhecimento pressuposto da norma jurídica, familiarizando-o com as correlações
entre a norma e o fato social, assim como preparando-o, não só para pensar e
compreender o conflito social e a realidade social em mudança. O conhecimento
jurídico precisa se adaptar á cultura das sociedades em transformação,
viabilizando-se não apenas como instrumento de compreensão da dinâmica da vida
social e de defesa da própria liberdade.
Quando formula proposta para solução da problemática do ensino jurídico, Bastos
(1998, p. 292) preconiza que
o ensino jurídico precisa absorver os novos parâmetros do conhecimento
científico e incentivar a pesquisa jurídica como instrumento de percepção da
realidade social e da experiência jurisprudencial dos tribunais. Neste
contexto, os modelos retóricos de ensino e o desprezo pelas novas dimensões do
conhecimento técnico e científico favorecem a alienação do saber jurídico e as
preocupações didáticas determinadas pelo saber dogmático.
Ainda de acordo com Bastos (1998, p. 293):
As novas conquistas, enquanto elevam e reforçam as disponibilidades do poder e
da riqueza, exigem estruturas compatíveis que possam prevenir e diminuir as
fricções sociais, proporcionando padrões de segurança e de certeza básicos para
uma vida coletiva harmoniosa.
Para que a ordem jurídica ocupe o lugar que lhe cabe na vida social moderna é
necessário ajustá-la ás novas realidades, modernizando os padrões de
regulamentação não só para a conduta dos indivíduos, mas também da autoridade.
O advogado precisa contribuir para a elaboração e aplicação de renovados
instrumentos normativos e habilitar-se para, decisivamente, participar do
processo de transformação social, que exige adaptações e modificações dos
cursos jurídicos.
Quando discute a relação entre a formação jurídica e o cotidiano sócio-político
e cultural do país, Bastos (1998, p. 293) reitera que
Não se pode desvincular o ensino do Direito, enquanto proposta juridicamente
consolidada de compreensão e percepção da vida, da própria vida. Da mesma
forma, o ensino do Direito não pode estar dissociado da sua própria ocorrência
judicial; também não se pode dissociar da sua ocorrência social, sob pena de os
tipos legais se desvincularem das figuras reais. O estudante de Direito não
pode ser levado a entender o Direito como uma abstração, sem referências
práticas - academicismo - , ou uma prática sem referências conceituais - o
burocratismo. Se o primeiro dissocia o ensino jurídico da sua ocorrência social
e judicial, o segundo o separa da sua dimensão reflexiva e as duas dimensões,
conjuntamente, impedem o seu desenvolvimento integral.
Podemos dizer portanto, que não é fácil formar homens sensíveis, justos,
críticos, se o estudo do Direito, segundo Fux (2000, p. 176), perfaz em
circuito fechado, onde a contemplação da norma estática encerra a um só tempo o
juízo de valor e o juízo da realidade.
Para isso deve-se conceber uma formação sob diversos ângulos.
Uma formação crítico-reflexiva que se dá através de disciplinas como
sociologia, filosofia, economia política, ética que permitem a compreensão e a
finalidade de forma ampla do direito.
A formação teórica que se dá através dos estudos das ciências jurídicas
propriamente ditas, como direito civil, o processo civil, o direito penal, o
processo penal, o direito constitucional, o direito administrativo, entre
outras, permite o maior entendimento das normas e princípios do direito.
A formação pratica destina-se a propiciar a aplicação dos conhecimentos, ou
seja, da teoria, a situações reais ou simuladas.
Por fim tem a formação investigativa que consiste na elaboração de trabalhos
científicos, como artigos e monografias, o que implica na invasão de técnicas
de metodologia do ensino e da pesquisa, sem prejuízo do debruçar no estudo mais
profundo de determinado instituto, aprimorando-se no tema eleito e
preparando-se para a pós-graduação.
Deve o aluno também buscar complementadores da formação jurídica, ou seja, deve
participar de simpósios, de pesquisas de campo, de cursos e se possível tentar
estudar disciplinas não jurídicas como a psicologia, o teatro, a contabilidade
etc., que afinal são atividades que integram os segmentos intelectuais
necessários ao bom desempenho da profissão escolhida.
Não pode esquecer de falar, é claro, da informática que é importantíssima em
nossos dias, por isso torna-se inconcebível que uma casa de ensino predisposta
a excelência não mantenha um laboratório de informática com expressivo banco de
dados doutrinário e jurisprudencial e equipamentos de vídeo conferencia que
propicie interação com o expositor.
As bibliotecas não podem mais representar meros depósitos de livros
desatualizados senão o pulmão mesmo da instituição, onde o alunado respira a
sua cultura, com amplo acesso a livros e periódicos atualizados, em numero
suficiente, bem como a informatização do acervo, viabilizando eficiente serviço
de empréstimo das obras.
Basta também fazer com que os alunos respondam o que o professor deseja, muitas
vezes sabemos o que o professor quer, mas podemos responder de outra maneira,
mas somos obrigados a dar a resposta conforme o pensamento do professor.
O corpo discente atualmente esta farto das tentativas dos professores de
controlar o seu raciocínio e cobrar respostas prontas com base em informações
mecanicamente arroladas. Deve-se contestar isto, sob pena de tornar o ensino
jurídico uma farsa.
Pouco antes de se formar o aluno passa por alguns controles que no fundo tem
suas razões de ser. Que sejam o "provão", que tem sua razão de ser na
proliferação de instituições de ensino, por isso que cumpre aferir a qualidade
dos profissionais que são entregues ao mercado. E a prova da ordem, que podemos
dizer que é o verdadeiro controle, que é exercido pela Ordem dos Advogados do
Brasil.
Depois de toda maratona universitária o bacharel em direito tem diversos
caminhos pela frente, na verdade um leque de opções, que não observamos em
muitos cursos. Um deles é a advocacia, e para exercê-la, é preciso ser aprovado
no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Outro é a magistratura, em que
só se entra depois de passar por concorridos concursos públicos, o que alias
também ocorre para trabalhar no Ministério Público ou na Defensoria Pública.
Por fim, a formação investigativa que consiste na elaboração de trabalhos
científicos, como artigos e monografias, o que implica na invasão de técnicas
de metodologia do ensino e da pesquisa, sem prejuízo do debruçar no estudo mais
profundo de determinado instituto, de buscar a verdade e mais de encontrar
resposta para questões propostas utilizando método científico. Com a pesquisa
pode-se apontar novos conhecimentos ou conhecer mais a fundo o pensamento da
doutrina e dos tribunais sobre determinado assunto, o que dará uma base para
que o pesquisador possa vir a mudar a sociedade em que vivemos.
Observa-se assim que todas essas formações são interligadas e pode-se concluir
que as atingindo as instituições de ensino formarão bons profissionais do
direito e só se formará tais profissionais se a pesquisa for estimulada e a
teoria aplicada aos casos concretos. Tendo isto em vista, é bom saber que as
teorias são o que embasam as pesquisas que transformam a prática.
Por tudo isso, as universidades não devem hoje se ater apenas á conciliação da
teoria com a prática, mas deve também estimular o raciocínio lógico e nada
melhor para isto que a pesquisa científica, que deve ter como objetivo fornecer
novas visões para um direito rebuscado e positivista, integrando dessa maneira
as três vertentes que um curso de direito deve ter: teoria, prática e pesquisa.
Notas de rodapé convertidas em notas de fim
1 Discute-se muito a respeito do tempo de duração do curso de Direito
(atualmente em sua grande maioria o tempo desse curso é de 5 anos). A nosso ver
o importante não me o aumento do tempo do curso, mas o aproveitamento racional
do tempo regimental. O melhor aproveitamento do tempo esta ligado a uma série
de fatores como a dedicação dos professores, a infra-estrutura, o interesse do
alunado, entre outros.
2 O objetivo dessas disciplinas "não-jurídicas" não é dar ao aluno uma formação
humanística, mas habilitá-lo a enfrentar minimamente os problemas da sociedade
contemporânea. Isto porque não se admite mais uma formação profissionalizante,
conde se pensa que poderá se resolver os problemas apenas com conhecimento
técnico e com habilidade retórica.
3 A portaria do MEC 1.884/94 concretizou tal estudo.
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Autor:
André Saddy
andresaddy[arroba]yahoo.com.br
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