A formação jurídica é questão da mais alta complexidade, envolvendo diversos
aspectos. Tentaremos aqui trazer nossa opinião a respeito do ensino jurídico na
atualidade, sem é claro a pretensão de esgotar o assunto, porém com a pretensão
de criticar, elogiar e sugerir mudanças, como um concluinte de um curso de
Direito. Para tanto, abordaremos um aspecto histórico até a atualidade para em
seguida tratar dos aspectos doutrinários sobre o tema para que possamos ao
final concluir com as sugestões.
Seguindo a mesma função dos cursos europeus, a criação das Faculdades de
Direito no Brasil obedeceu á Lógica das classes dirigentes, que necessitava de
quadros aperfeiçoados para administrar o Estado. Cunha (In: Olivo, 2000, p. 57)
afirma que o ensino superior atual nasceu "junto com o Estado nacional, gerado
por ele e para cumprir, predominantemente, as funções próprias deste". O papel
da independência de 1822 foi o de "acrescentar mais dois cursos, de Direito, ao
rol dos já existentes, seguindo a mesma lógica de promover a formação dos
burocratas na medida em que eles se jaziam necessários".
São essas escolas superiores, principalmente as de Direito, nas quais estavam
matriculados ao fim do império mais da metade dos jovens alunos oriundos das
grandes famílias proprietárias de terras e de escravos, que desempenharam um
papel central no recrutamento e na formação dos mandarins, isto é, da nova
burocracia emergente, formada por juízes, administradores, parlamentares e
servidores públicos. Caso fosse beneficiado com o privilégio de algum
apadrinhamento político, poderia concorrer a algum cargo eletivo.
O novo curso, que teria duração de cinco anos1 , tinha assim
definido o seu currículo: 1º ano: Direito Natural, Direito Público, Análise da
Constituição do Império, Direito das Gentes, Diplomacia; 2º ano: O mesmo do 1º
ano, acrescentando Direito Público Eclesiástico; 3° ano: Direito Pátrio Civil,
Direito Pátrio Criminal com a Teoria do Processo Criminal; 4º ano: Continuação
do Direito Pátrio Civil, Direito Mercantil e Marítimo; 5º ano: Economia
Política, Teoria e Prática do Processo adotado pelas leis do Império.
Em 1854, por decreto de 28 de abril, os cursos jurídicos foram transformados em
Faculdades de Direito. O de Olinda foi transferido para Recife. Os currículos
sofreram pequenas alterações.
Para ingressar nas Faculdades de Direito, determinavam os Estatutos de 1827 o
candidato deveria ter uma idade mínima de 15 anos e aprovação nos exames
preparatórios, de língua latina e francesa, retórica, filosofia racional e
moral, aritmética e geometria. Os cursos apenas faziam o exame, mas não
ofereciam os estudos que preparassem para elas.
Para resolver esse problema foram editados novos Estatutos, em 7 de novembro de
1831, incorporando mais seis cadeiras destinadas a ministrar o ensino exigido
pelos exames: latim, francês e inglês; retórica e poética; Lógica, metafísica e
ética; aritmética e geometria; história e geografia. A partir de então os
estudantes adquiriam na própria escola os conhecimentos exigidos para os
exames.
Portanto, quando refletimos sobre a formação jurídica em nosso país,
verificamos que, historicamente, existem vínculos muito fortes entre a
estrutura e o funcionamento da sociedade e a orientação teórica e prática da
formação jurídica. De um lado, a literatura sobre a historia da educação
nacional evidencia que os cursos jurídicos foram praticamente os pioneiros, em
termos de ensino superior. E os estudiosos do assunto, entre os quais
destacamos Cunha (1983), Romanelli (1994) e Bastos (1998) são praticamente
unânimes em esclarecer que a origem desses cursos, no início do Século XIX,
mais precisamente em 1827, justificou-se principalmente em função do propósito
de atender aos requisitos da burocracia estatal e das elites que exerciam o
poder, no Brasil imperial. Segundo Bastos (1998, p. 292) existe, desde então,
uma tendência continuísta uma vez que a documentação pertinente ou a legislação
normatizadora da formação jurídica não apresentam indicações de mudanças
educacionais radicais. Conforme palavras do pesquisador mencionado (1998, p.
XXI):
Os institutos educacionais, e, sobretudo, os institutos do ensino jurídico
evoluíram a partir de suas tradições anteriores, por blocos ou itens de
acomodação, nunca em função de grandes ideais ou da negação radical das
práticas anteriores. Na verdade, não tivemos rupturas na história do ensino
jurídico e as tentativas de mudanças abruptas resultaram em fracassos e
frustrações (...)
Por outro lado, considerando a tendência bacharelista, marcante em nossa
cultura desde longa data, bem como os papéis relevantes que alguns juristas
ocuparam em diferentes posições do cenário político brasileiro, é compreensível
que as tendências predominantes na formação jurídica tenham exercido (e
desempenhem ainda hoje) importante papel na forma de organização social e
política de nosso país. Esse ponto de vista encontra fundamento na análise de
Bastos (1998, p. 292), quando explicita o que segue:
No Brasil, a ausência de uma sociedade civil juridicamente organizada deve-se,
entre outros fatores, ao processo de formação acadêmica dos advogados,
dominantemente voltado para atender a objetivos e interesses do Estado e determinado
por uma percepção acentuadamente dogmática da aplicação do Direito.
Decorre desse dado de realidade a importância de que a formação jurídica seja
analisada em sua correlação com o papel ocupado pelo Estado no âmbito da
dinâmica social, onde se insere igualmente o trabalho dos operadores do
Direito, nos diferentes momentos da história pátria.
Daí porque parecer que o ensino jurídico tem atuado no sentido de reforçar a
tendência conservadora e dogmática que marca as relações entre as elites políticas
e a população, especialmente quando se trata dos segmentos tradicionalmente
excluídos do acesso á justiça, ainda que pensemos nos direitos mais
elementares.
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