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"A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária"; e
"ninguém será levado á prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança" (incisos LXV e LXVI do art. 5º CF).
O Código de Processo Penal brasileiro vigente considera coação e
constrangimento ilegal, excesso de prazo para a formação da culpa ou para o
término da instrução criminal, sendo sanável por meio do remédio heróico do
instituto do "habeas corpus" (art.647 CPP).
Ademais: "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos", através da Lei de Assistência
Judiciária Gratuita (Lei nº 1060/1950) ou da Defensoria Pública (art. 133 e 134
da Constituição Federal), as vítimas de erro judiciário ou por abuso de poder,
que comprovarem carência de recursos econômicos.
Com a vigência da LRF e dos mencionados dispositivos constitucionais,
compreende "Estado", tanto o Poder Executivo como o Poder Judiciário; e o
Ministério Público na qualidade de instituição essencial a função jurisdicional
da Administração Pública da Justiça, detentora de autonomia e independência
administrativa e financeira (art. 127 CF).
A Lei de Responsabilidade Fiscal no art. 1º expressa taxativamente a divisão e
o controle dos recursos orçamentários da União, compreendo os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios, em outras palavras o Poder Executivo, o Poder
Judiciário e o Ministério Público.
Por sua vez, a Carta Magna estabelece que os Poderes Públicos são independentes
e harmônicos entre si (art. 2º CF).
No contexto do Estado Democrático de Direito a configuração de um erro judiciário
cometido por magistrados ou representantes do Ministério Público, o "quantum"
da indenização e/ou o valor monetário do ressarcimento financeiro, não mais
deve sair somente dos cofres do Executivo, propriamente dito, como ocorrida
outrora, mas sim do orçamento de cada Poder ou instituição estatal. O
ordenamento jurídico enquadra esta questão no sistema republicano de governo,
seja a nível federal, estadual ou municipal á luz da Lei de Responsabilidade
Fiscal.
"A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios..." (art. 1º CF), assim deve ser respeitada a divisão dos Poderes,
as competências e as atribuições específicas, as previsões orçamentárias
definidas na Carta Magna, na Lei de Responsabilidades Fiscais e na Lei de
Diretrizes Orçamentárias, em observância aos princípios da representação
popular, da responsabilidade funcional ou administrativa, da indelegabilidade
de funções - "no judex ex officio" -, como reitores do Estado Democrático de
Direito que proíbe transferências de encargos públicos, delegações de funções
judiciais e/ou entre Poderes Públicos.
é importante ressaltarmos. Nesta ótica jurídica e em base a devida aplicação e
interpretação do dispositivo constitucional referente ao erro judiciário, todos
os agentes políticos, servidores e funcionário públicos estão obrigados a
atuarem sob o maior e estrito respeito ás leis e á Constituição federal,
especialmente no que se refere ás garantias fundamentais individuais e
coletivas da cidadania.
Vige no Estado Democrático de Direito, segundo o art. 5º da Carta Magna, o
princípio da presunção de inocência (inc. LVII), a inviolabilidade da vida
privada e da honra (inc. X), bem como o "onus probandi", isto é o encargo
probatório da "acusação", a inércia e a imparcialidade judicial nos termos da
legislação positiva.
De outro lado, a Lei Orgânica Nacional da Magistratura (Lei n.35/79), a Lei
Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados, e da União (Leis
ns.8.625/93; 75/93), impõem deveres aos seus representantes, dentre eles o de
aplicar e fiscalizar corretamente a norma vigente, em nome da prestação
jurisdicional adequada, assegurando ademais os direitos e garantias
fundamentais da cidadania, a fim de, em outras palavras, zelar também pelo
prestígio da Justiça, respeitando os princípios norteadores do regime
democrático e as cláusulas dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos.
Os Poderes e as instituições públicas respondem por erros, má-fé, incompetência
funcional, negligência (displicência), imprudência, por atos de corrupção de
seus agentes, por desvio de função e abuso de autoridade, quando seus
representantes causam danos morais e prejuízos materiais á cidadania.
é perfeitamente possível acontecerem vários erros judiciários. A Administração da
Justiça é composta por seres humanos (juízes de direito, promotor de
justiça....), e estes agem e atuam amparado no livre arbítrio (má-fé ou
boa-fé). O dito popular: "o juiz não era, apenas se equivoca", necessita ser
olvidado e desmentido. Existem muitos juizes de "direito" e promotores de
"justiça" que são absolutamente rigorosos em excesso, ultrapassam muitas vezes
os limites legais, quando aplicam e interpretam o direito em prejuízo do réu.
Cometem, desta forma, excessos, seja em busca da tranqüilidade social ou em
nome da segurança pública para a contenção da criminalidade, como até para
satisfazer anseios pessoais.
O princípio do livre convencimento como garantia fundamental institucional e
funcional possui limites certos, a atuação destas autoridades quando sob
interesse individual, caracteriza sem dúvida crime doloso á luz do direito
penal.
No direito penal democrático, a dúvida, sempre se deve interpretar de maneira
favorável ao réu e nunca em seu prejuízo (princípio "in dúbio pro reo"; analogia
"in bonan partem"; retroatividade da lei mais benigna; limite do cumprimento da
pena privativa de liberdade; condenação criminal somente em base a prova
concreta da culpabilidade, etc.).
Erro judiciário não significa apenas aquele cometido contra o condenado, mas
também uma acusação, processamento e condenação penal equivocada; prisão
provisória indevida e cumprimento de pena privativa de liberdade (detenção ou
reclusão) além do definido na sentença condenatória. Trata-se de um desacerto,
de um engano, de uma falha funcional ou de um acidente inadimissível ante os
princípios que regem a Justiça e a verdade real.
Ao nosso ver a indenização por erro judiciário pode ser tanto para o processado
que responde em liberdade como para o réu condenado que se encontra
encarcerado.
O Judiciário e o Ministério Público que direta ou indiretamente, por meio de
seus representantes legais, que derem causa a qualquer espécie de erro, sobre
matéria de direito penal material ou formal (acusação-processamento indevida,
prisão além do tempo legal), estão sujeitos a responsabilizações
indenizatórias; posto que vige o princípio da impessoalidade na administração
pública, respondendo o Estado através de seu órgão ou Poder específico.
Faz-se necessário que o Ministério Público proceda a análise legal do dolo e/ou
da culpa para denunciar, daí a grande responsabilidade dos membros do "Parquet"
e dos Magistrados no instante do recebimento da exordial e da consequente
instauração da Ação Penal. Toda decisão ou despacho judicial deve ser
amplamente motivado e fundamentado de fato e de direito, "ex vi" do art. 41 do
Código de Processo Penal e art. 93, inc. IX da Constituição Federal, sob pena
de acarretar nulidade ao ato.
Ao Ministério Público incumbe a proteção dos direitos indisponíveis da
cidadania, o "ius libertatis", o direito consagrado de ir e vir, a correta
aplicação e fiscalização da lei para o devido processo legal, sejam daqueles
que se encontram "intra" ou "extra murus"; por sua vez, ao Poder Judiciário
compete a necessária e justa prestação jurisdicional, para a realização de um
serviço integro e transparente em benefício do povo, do País e sobretudo em
resguardo do princípio universal de Justiça. (Maia Neto, Cândido F.: "O
Promotor de Justiça e os Direitos Humanos"; ed. Juruá, 2002, Curitiba-PR)
O representante do Ministério Público não é um Promotor de Acusação, como ainda
alguns tentam chamá-lo; pelo contrário, Promotor de Justiça é a nomenclatura
adequada ao cargo que define a nobre função de um defensor dos direitos indisponíveis
da sociedade por excelência (Ombudsman dos Direitos Humanos), competindo-lhe
primordialmente a tutoria intransigente dos direitos constitucionais
fundamentais da cidadania, para a correta interpretação e aplicação das normas
vigentes, em nome do regime democrático, dos direitos dos presos e dos
processados, especialmente dos direitos das vítimas de crime de abuso de poder
e de erro judiciário.
Uma acusação indevida ou forçada é aquela sem provas suficientes, caracteriza
ato de má-fé, por parte do agente ministerial, assim quando tenta agravar a
situação, na busca incessante de qualificar o crime e prejudicar o réu; porém
quando o Promotor de Justiça age com Justiça, em base ao princípio da
proporcionalidade do dano e do ato, verificando a utilidade do movimento da
máquina judiciária, consciente de seu livre convencimento e do encargo
probatório ("ônus probandi"), procurando respeitar os direitos indisponíveis da
cidadania e o devido processo legal, age com a mais estrita boa-fé, atenuando
para minimizar os efeitos negativos do processamento criminal, nos moldes das
Diretrizes Básicas das Nações Unidas para os Representantes do Ministério
Público (Cláusula 17 e 18, Res. 45/110 - 1990 ONU, Ver. Maia Neto, Cândido
Furtado, in Código de Direitos Humanos. Para a Justiça Criminal Brasileira, Ed.
Forense, Rio de Janeiro, 2003).
Diz o mencionado documento das Nações Unidas que o processo criminal e a
prisão, são por natureza estigmatizante e produzem efeitos negativos
irreparáveis, devendo os agentes do Ministério Públicos sempre, devem evitar e
procurar outras vias judiciais, que não sejam as instâncias penais, para a
resolução de determinados conflitos sociais, que tragam efetivas e adequadas
respostas, tanto para a segurança e ordem pública, como para as vítimas de
crimes.
Os instrumentos de Direitos Humanos conceituam como vítimas de crime e de abuso
de poder (Beristain, Antonio: "A Nova Criminologia á luz do Direito Penal e da
Vitimologia"; ed. UNB, 2000, Brasília-DF, trad. Cândido Furtado Maia Neto), as
pessoas que:
1- individual ou coletivamente, tenham sofrido prejuízos, nomeadamente um
atentado á sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma
perda material, ou um agrave atentado aos seus direitos fundamentais, como
conseqüência de atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num
Estado-membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder;
2- o autor seja ou não identificado, preso, processado ou declarado culpado; e
3- a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima direta e as pessoas tenham
sofrido um prejuízo ao intervieram para prestar assistência ás vítimas em
situação de carência ou para impedir a vitimização.
Aplica-se o conceito sem distinção alguma, seja de raça, cor, sexo, idade,
língua, nacionalidade, opiniões políticas ou outras crenças, ou práticas
culturais, situações econômica, nascimento ou situação militar, origem; étnica
ou social, ou capacidade física; define, assim a Declaração dos Princípios
Básicos de Justiça Relativos as Vítimas da Criminalidade e de Abuso de Poder
(ONU/1985), com relação ao direito á integridade pessoal e ás garantias
judiciais.
Também a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU-1948), o Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (ONU-1966) e a Convenção Americana
sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica, OEA-1969), expressam
em suas cláusulas pétreas que todas as pessoas possuem direito as garantias
judiciais de revisão, de acordo com os graus jurisdicionais e os Tribunais
previamente definidos na Constituição e nas Leis de cada País; e que os
recursos sejam rápidos e eficientes, para restabelecer o "status quo"
anteriormente violado por autoridades estatais (arts. 9º, 10 e 11; art. 14; e
arts 5º e 8º, respectivamente). Observamos que estes instrumentos de Direitos
Humanos possuem aceitação universal tácita e formal, regularmente aderidos pelo
governo federal, nos termos do processo legislativo próprio. (Ver Maia Neto,
Cândido F.: "Código de Direitos Humanos para a Justiça Criminal Brasileira"; ed.
Forense 2003.RJ)
Os Direitos Humanos não serve somente para proteger presos e processados,
especialmente, serve para punir os excessos do Estado, quando seus agentes e
autoridades públicas são arbitrárias e abusam do Poder, ultrapassam os limites
da lei e da Constituição; portanto, em outras palavras, os Direitos Humanos
protege e defende a cidadania, a sociedade em geral, contra ilegalidades e
restabelece lesão e ameaça de direito líquido e certo.
Em nível de proteção internacional sobre as garantias fundamentais e judiciais,
o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP/ONU) ; e a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos (CADH/OEA), estipulam a necessidade e
obrigatoriedade de indenização por erro judiciário "ex vi"do at. 14.6; e art. 10,
respectivamente.
O novo Código Civil brasileiro (Lei nº 10.406, de 10.1.2002), determina que as
vítimas de crimes serão indenizadas na conformidade dos artigos 927 usque 954,
medindo-se a indenização de acordo com a extensão do dano (art. 944), sendo que
o pagamento das perdas e danos que sobrevirem a vítima, cabe ao juiz fixar
eqüitativamente o valor na conformidade das circunstâncias do caso,
incluindo-se todas as despesas materiais e morais (ex vi do art. 5º incisos V e
X CF), da vítima e seus familiares mais próximos, também prejudicados (ex.
pelos efeitos negativos ocasionados pela prisão ilegal, ou pelo erro
judiciário), sem contudo, excluir reparações, lucros cessantes, além de algum
outro prejuízo que o ofendido possa haver sofrido (ex. inabilitação para o
trabalho, qualquer depreciação que sofrer), para o reembolso equivalente ao
prejuízo.
O artigo 935 e 954 do Código Civil, dispõem claramente, que a responsabilidade
civil é independente da criminal (art. 63 / 68 CPP), devem e podem segundo a
legislação nacional pátria, ser reparado qualquer ato ilícito, em especial
aquele decorrente de ofensa á liberdade pessoal (direito de ir e vir), a prisão
ilegal; queixa (particular) ou denúncia (Ministério Público) falsa ou de má-fé.
Já o art. 339 do Código Penal tipifica o crime de denunciação caluniosa. Também
no caso de morte, ofensa a saúde, injuria, difamação ou calúnia (arts. 948,949
e 953 do CC).
Estabelece a Carta Magna: "é assegurada a indenização por dano material, moral
ou á imagem"; e "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou
moral decorrente de sua violação" (incisos V e X, art. 5º CF) (Ver "Justicia
Penal y Libertad de Prensa" ed. Naciones Unidas y Comision de las Comunidades
Europeas; 1993 - ILANUD).
As espécies de erros judiciários mais comuns, que causam sérios prejuízos
sociais a nível individual e coletivo, e que transcende e vitimiza todo um
grupo ou família, pode ser:
a) denúncia / acusação equivocada, contra quem não é autor do fato ilícito;
b) prisão indevida por excesso de prazo na instrução criminal (não existindo
justificativa, o uso de expressões do tipo "razoabilidade", "alta significância
do caso", etc., que possam legalizar este tipo de erro judiciário);
c) condenação criminal em base a conjecturas, indícios ou probabilidades
processuais, posto que vige o princípio da verdade real e este deve prevalecer
ante a verdade formal, se busca sempre justiça e não a fria aplicação do
direito;
d) o não reconhecimento de nulidades ou vícios processuais flagrantes que
causam sérios constrangimentos e/ou grandes injustiças;
e) impedir que o condenado progrida do regime mais rigoroso (fechado) ao mais
brando no cumprimento da pena privativa de liberdade, quando possuidor de
direito objetivo (tempo legal) e subjetivo (bom comportamento);
f) acobertar, permitir, ou legalizar (não considerar ou não apurar) o uso da
tortura (confissão ilegal sob pressão psicológica ou física - Lei nº 9.455/97,
e as Convenções contra a Tortura e Outros Tratamentos e Penais Cruéis,
Desumanas ou Degradantes das Nações Unidas/1984 e da OEA/1985);
g) admitir a colheita de provas ilícitas (ver sobre: interceptações
telefônicas, quebras do sigilo bancário e fiscal - Maia Neto, Cândido Furtado,
in Rev. Consulex, ano I, n.º4, julho/2002, e Informativo Consulex, ano XVI, n.º
23, 10, junho/2002, Brasília-DF) e na seqüência arquivado o inquérito policial,
trancada a ação penal ou absolvido o réu; e
h) efetuar manifestações processuais antecipadas de culpabilidade ou de
condenação, ferindo o princípio da presunção de inocência, usualmente proferida
via imprensa ou veículos de comunicação, sem a devida sentença condenatória,
quando exercitados por agentes ministeriais, delegados de polícia e juizes de
direito, violando desta forma as garantias fundamentais da cidadania e o código
deontológico; falha judicial agravada quando os órgãos superiores da
administração de justiça se omitem ante esta falta funcional.
A diferença entre erro judiciário, já mencionado e culpa que se trata de uma
conduta negligente, sem propósito de lesar ou causar dano a outrem, mas da qual
proveio prejuízo. Pode-se constituir em uma falta funcional voluntária ou
involuntária, que conduz a uma responsabilidade por ação ou omissão, dever de
cuidado, de atenção, capacidade ou conhecimento funcional adequado para o
exercício da tarefa estatal; consistindo todas as espécies em indenização
cível.
Os supra mencionados artigos 386 do Código de Processo Penal (Dec-lei nº
3.689/41) e o disposto no inciso LXXV do art. 5º da CF, que se referem ao erro
judiciário a indenização, devem ser analisados á luz da moderna sistemática
penal pátria (Lei n. 7.209/84) que adotou a Teoria Finalista da Ação,
transferindo ao Ministério Público responsabilidade institucional ao "ius
persequendi" ou para a "persecutio criminis" (art. 129 inciso I CF), na
qualidade de titular exclusivo - privativo - da Ação Penal Pública, como
"dominus litis" do exercício persecutório, ante o encargo probatório "onus
probandi", visto que o dolo é elemento integrante constitutivo do tipo penal e
não mais faz parte da estrutura do instituto da culpabilidade, como no Código
Penal revogado (Parte-Geral do Dec-Lei nº 2.848/40).
Considerando, ainda que o Código de Processo Penal vigente no sistema criminal
brasileiro, é do ano de 1942 (época do chamado "Estado Novo"); assim quando o
juiz de direito absolvia os acusados em base a algum dos incisos do artigo 386,
estava analisando o dolo ante a Teoria Causalista da Ação. Hoje, com a vigência
da Teoria Finalista da Ação, na prática e em outras palavras pode estar direta
ou indiretamente, consciente ou inconscientemente reconhecendo erro material ou
procedimental da administração de Justiça, ou seja o próprio erro do Poder
Judiciário ou da incapacidade do Ministério Público ante o dever do "onus
probandi". E esta incapacidade não deixa de ser uma falha jurisdicional ou um
erro acidental passível de indenização.
Para alguém ser denunciado (processado criminalmente) devem existir provas
fortes, robustas, convincentes, transparentes que indique a autoria
(culpabilidade) e a materialidade delitiva. A exclusão da antijuridicidade
(legítima defesa) clara, não autoriza a denunciação, em face do elemento
constitutivo do tipo penal, ou seja, o dolo (conhecimento da proibição,
intenção de fraudar a lei através da conduta, com o fim específico de causar
dano a um determinado bem jurídico-penal tutelado).
Comprovado dolo por parte da autoridade pública, isto é, o "animus nocendi" (a
intenção de prejudicar com o intuito de deixar passar a falha ou consertar
posteriormente a falha em outra fase processual), deve ser tratado como crime e
como erro judiciário, propriamente dito.
De outro lado, ante o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, a
declinação de denunciar não caracterizar delito de prevaricação (art. 319 CP),
posto que existe na lei penal material e formal (art. 100 paráf. 3º CP e art 29
do CPP), ainda a válvula legal do instituto da ação penal privada subsidiária
da pública, na hipótese de má-fé.
Obviamente que não se pode falar em erro judiciário ou imputar responsabilidade
administrativa, civil ou criminal a agente do Ministério Público que oferece
denuncia contra o réu e este é absolvido posteriormente por insuficência de
prova para a condenação ou configurada qualquer excludente de antijuridicidade
(art. 23 do CP), como a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito
cumprimento do dever legal, ou no exercício regular de direito.
Abuso de Poder ou de Autoridade configura grave crime previsto na legislação
criminal brasileira (Lei n. 4.898/65), tipificado como: atentado á liberdade de
locomoção; a execução de pena ou medida privativa de liberdade individual, sem
as formalidades legais ou com abuso de poder; submissão a vexame de pessoas
custodiadas; deixar de comunicar, e o juiz de ordenar a liberdade com relação á
prisão ilegal ou a quem se proponha prestar fiança, nos caso admitidos em lei.
Não se trata de erro judiciário, mas de crime propriamente dito, que comina
pena de detenção, perda do cargo e responsabilidade civil. Porém, com direito
de responder o fato em liberdade e cumprir a pena privativa na espécie do
regime aberto (art. 33, letra "c" e 36 do CP). Um verdadeiro "aberratio iuris",
onde a autoridade abusa do poder, encarcera o cidadão indevidamente
restringindo sua liberdade sem as formalidades legais, e passa a responder o
processo livre (solto).
Justiça também se faz com o necessário reconhecimento de erro, e qualquer
tentativa de esconder, encobrir, camuflar falhas processuais, atos
jurisdicionais ou administrativos, por si só é inaceitável, caracteriza conduta
hedionda, configurando crime de Abuso de Autoridade graves injustiças
(processar e encarcerar seres humanos indevidamente), passível de
responsabilização cível, administrativa e criminal, com a consequente perda do
cargo e da função pública.
Vejamos. "As pessoas jurídicas de direito público (Ministério Público, Poder
Judiciário, Poder Executivo), e de direito privado prestadoras de serviços
públicos (empresas privadas administradoras de presídios) responderão pelos
danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros (vitimas de
abusos ou ilegalidades), assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa" (art. 37, paráf. 6º Carta Magna); bem como o
direito administrativo permite que o Estado ingresse com ação regressiva,
contra o agente relapso (que agiu com culpa) e contra aquele que agiu com colo,
ou seja de maneira intencional (ver Meirelles, Hely Lopes, in "Direito
Administrativo", 9ª ed. Revista dos Tribunais, 1983, SP).
"Data venia", dificilmente um erro judiciário é reconhecido, visto que uma vez
aceito, estaria o Poder Judiciário auto se condenando, ou prescrevendo "Nota de
Culpa" a outros órgãos e instituições estatais. Com a vigência da Lei de
Responsabilidade Fiscal caberá a cada Poder ou instituição, segundo os
percentuais previamente definidos nas normas orçamentárias e no Texto Maior,
suportar o pagamento da quantia definida em face do erro.
Em nenhuma atividade ou setor estatal se admite erros ou falhas, muito menos na
Justiça Penal, que restringe o direito de ir e vir do cidadão. Todos os
serviços públicos devem ser prestados em prol da sociedade e não versus
cidadania. A lei aplicada em benefício e a favor do povo e não contra
interesses gerais da comunidade. Define a "lex fundamentalis", precisamente,
que "Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido por meio de
representantes legais" (paráf. único, art. 1º CF).
Se um dia os erros judiciários forem efetivamente indenizados, indubitavelmente
aumentariam as almejadas e necessárias responsabilidades funcionais e
institucionais; hoje acobertada(s) pelo espírito corporativista ou pela chamada
"judicatura de compadres".
O reconhecimento de erro judiciário (penal-processual) implica em maior
capacidade das estruturas físicas, recursos humanos e conscientização dos
governantes, administradores da Justiça e de cada agente estatal, quanto as
suas primordiais tarefas públicas.
A título de direito comparado, o Código de Processo Civil, nos artigos 16,17 e
18, especifica os atos de litigância de má-fé. Deste modo, se o particular
(advogado) não pode, também é defeso ao agente público, atuando em qualquer
ramo dos direitos ou das ciências jurídicas.
Em nome das vítimas de crime e da sociedade em geral não se admite discursos
demagógicos ou políticos de combate á criminalidade hedionda e organizada,
muito menos em nome da "tolerância zero", no afã de promoção pessoal e pública,
via meios de comunicação de massa, com intuito de atender interesses de grupos
ou individuais.
Questão de difícil solução é a análise e o estudo do erro judiciário nos
processos de competência do Tribunal do Júri, nas hipóteses de crimes dolosos
contra a vida (inc. xxxviii, art. 5º CF e 433 e segts CP). Quando o réu está
preso por "bom tempo" e ao ser levado á julgamento em Plenário, pronunciado nos
termos do art. 408 do Código de Processo Penal, apenas por indícios vagos,
frágeis, imprecisos ou não sérios de autoria e posteriormente absolvido pelo
egrégio Conselho de Sentença em face o não reconhecimento de ter sido autor do
delito (ver jurisprudência STJ - RSTJ 81/344; TJRS - RJTERGS 175/88 e 149/149;
TJSP - RT 686/327), tendo podido impronunciá-lo. Outra hipótese, a o magistrado
não absolver sumariamente o réu e os juizes de fato entenderem que se trata de
flagrante, transparente e indubitável legítima defesa (art. 411 do Codex).
Nestes casos perguntamos:
a) Pode ser considerado erro judicial, causado pelo Ministério Público e/ou
pelo Poder Judiciário (acusação ministerial indevida e referendada pelo
magistrado) ?
b) Os membros do Conselho de Sentença dão causa ou cometem erro judiciário, vez
que seus "veredictos" são soberanamente validos e reconhecidos pela Carta Magna
(inc. art. 5º CF) e pela Administração de Justiça Penal. Cidadãos juramentados
e investidos na função e com "múnus" público (art. 438 do CPP) ?
c) No caso de Recurso de Apelação provido por Decisão do Conselho de Jurados do
Tribunal do Júri, que absolve o réu contrário as provas dos autos. Caberia
alguma espécie de responsabilização judicial, este fato poderia ser
considerado, também, um erro judiciário ?
Trata-se de um caso "sui generis", ante o instituto do erro judiciário, visto
que existem duas fases processuais no trâmite legal de processamento e
julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou sejam: a
"accusationis" e a "judicium". Desta forma, há que se aferir, efetivamente, em
que momento procedimental ocorreu o erro judiciário e quem foi seu autor ou
responsável. Se efetivamente configurada estava a exclusão de antijuridicidade
(legitima defesa) deveria o réu imediatamente ser posto em liberdade e
declarada a excludente na fase respectiva do processo, e não ao seu término,
após decorrido vários anos de processamento e encarceramento indevido.
De outro lado, segundo expressa a Constituição federal, a indenização cabe ao
Estado e os Jurados são considerados, para efeitos de julgamento representantes
da sociedade, por terem sido escalados e sorteados (eleitos) pela Administração
de Justiça para integrar a nobre missão de julgar.
Há que se ressaltar, também a hipótese da prisão indevida (ilegal), quando
ultrapassa o limite de 30 (trinta) anos de cumprimento da pena privativa de
liberdade estabelecido no Código Penal, art. 75, para todos os efeitos legais,
"ex vi" art. 84 da Lei n.º 7.209/84, isto é, incluindo-se nesse computo os
critérios dos incisos I e II para o livramento condicional, conforme prevê o
art. 83 do CP; posto que a má aplicação ou errônea interpretação da norma
caracteriza erro legal ante a ordem jurídica pátria vigente.
Entendemos, ainda que não cabe a justificativa do princípio "in dúbio pro
societate", para que o Poder Judiciário tente eximir-se de possível erro que
deu causa. No Estado Democrático de Direito não mais impera o princípio "in
dúbio pro societat", pelo contrário, encontra-se inteiramente revogado; posto
que quando existem dúvidas estas devem, sempre, serem a favor do acusado e não
seu prejuízo ou em favor da sociedade. Na dúvida absolve-se aplicando a norma
penal substantiva ou adjetiva mais benéfica. Presume-se a inocência do réu e
não a sua culpabilidade, ou ainda, não prevalece a vontade popular, mas a
garantia fundamental individual, do contrário restaram quebrados os princípios
do Estado Democrático de Direito e o Garantismo Jurídico.
Não se admite erro na administração pública, muito menos erro judiciário.
Princípio de respeito á aplicação igualitária da lei e necessidade de
tratamento isonômico perante os Tribunais (leia-se juízos), nos moldes da nossa
Carta Política e das cláusulas constantes nos instrumentos internacionais de
Direitos Humanos.
No sistema penal pátrio impera o princípio do devido processo legal (inc. liv
art. 5º CF), presunção de inocência e não de culpabilidade (inc. lvii art. 5º
CF) havendo alguma espécie de erro não há mais que se falar em devido processo
legal, mas no indevido processo e ilegal.
é de se ressaltar que a falta de estrutura administrativa e de recursos humanos
do Estado não justifica o cometimento de nenhuma espécie de erro judiciário,
mesmo que seja pela mais grandiosa das causas, como por exemplo, da repressão a
criminalidade violenta ou organizada. Os princípios fundamentais e
constitucionais precisam ser mantidos e assegurados em nome do Estado
Democrático de Direito, do Garantismo Jurídico (Teoria do Reducionismo ou
Minimalismo Penal do Prof. Luigi Ferrajoli, in "Derecho y Razón", ed. Trotta,
1995, Madrid) e da imperiosa necessidade de sempre se realizar Justiça Penal,
para não se perpetuar o erro padrão, constante ou sistemático.
Reconhecimento ou declaração de erro judiciário, guarda íntima relação com a
ética e com a moral individual e de grupos - institucional -, razão pela qual
devemos evoluir no estudo deste tema importante como garantia constitucional
fundamental.
Ainda quando pleiteado judicialmente o reconhecimento de erro judiciário ou a
indenização por prisão ilegal, em todas as instâncias judiciais do sistema de
administração de Justiça (Poder Judiciário) brasileira, esgotadas todas as vias
legais interna pátria, e mesmo assim não declarado o erro ou não reconhecida a
ilegalidade da prisão, cabe denuncia e recurso ao sistema interamericano de
Justiça, ante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ambos
órgãos oficiais da Organização dos Estados Americanos - OEA, com função
jurisdicional e consultiva, nos termos do art. 34 usque 51, e 52 usque 69, do
Pacto de San Jose - Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos/
OEA, 1969 - Adotada pelo governo brasileiro através do Decreto n. 678, de
06.11.992, publicado no D.O. U. em 09.11.92).
Com o reconhecimento do erro judiciário ou com as devidas interposições de
ações indenizatórias em favor das vítimas de prisões ilegais ou de abuso de
poder, sem sombra de dúvida, teremos, aí sim, de uma vez por todas, efetivado o
Estado Democrático de Direito e as garantias fundamentais da cidadania, impondo
mais cuidado e responsabilidades ás autoridades públicas no momento de efetuar
uma prisão, uma acusação, um pedido de condenação e uma sentença criminal
condenatória, posto que se passa a observar o princípio da excepcionalidade da
prisão, o princípio da ampla defesa e do contraditório, do "in dúbio pro reo",
do "onus probandi", da legalidade, do devido processo legal; uma via para o
Garantismo Jurídico-Penal, reducionismo das arbitrariedades e da repressão
estatal indevida.
Para finalizar. Não escrevi este artigo, esta primeira linhas deste ensaio,
para ir contra meus pares, que respeito; mas para falar da premente necessidade
de aprimoramento funcional que vejo no dia-a-dia na práxis policial-forense,
longe de uma pretensão de ensinar, mas para dizer o que penso e o que entendo
pelo conceito mais amplo e mais sublime de Justiça Verdadeira, sempre a favor
do povo e não contra.
Autor:
Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia[arroba]uol.com.br
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