O artigo analisa alguns documentários produzidos no Brasil, dos anos 60 aos 90, mostrando a utilização de um modelo de edição conhecido por "modelo sociológico" que do cinema foi adotado pela mídia televisiva como padrão de reportagem. O trabalho sugere, por outro lado, a existência de um modelo, que se mantém paralelamente em documentários reconhecidos como alternativos ou inovadores, não marcado pela voz off, que pode ser denominado de "modelo etnográfico", comum em documentários como os do cineasta Eduardo Coutinho, que ao não apostar em personagens pré-determinados mostra-se perturbador e reflexivo.
Palavras-chave: documentário, linguagem audiovisual, voz off, telejornalismo
Entre os documentários realizados no Brasil, na década de 1960, Viramundo e A Opinião Pública podem ser considerados dois clássicos. Opostos em suas temáticas (num, os retirantes nordestinos em São Paulo, no outro, a classe média carioca) as duas produções aconteceram num momento pós-golpe de 1964 e, á sua maneira, tentaram ilustrar um cenário brasileiro que possibilitou a chegada dos militares ao poder (Bernardet, 1985:27). Viramundo (Geraldo Sarno, 1965) centraliza sua narrativa na massa de trabalhadores migrados que chegavam cada vez com mais intensidade a São Paulo e, assolados por uma miséria e em busca de um mínimo de sobrevivência, não tinham condições de enfrentamento ao novo regime. A Opinião Pública (Arnaldo Jabor, 1966), por sua vez, trouxe á tela uma classe média alienada e absorta numa vida sem vislumbrar um futuro e embevecida com o rock and roll, os programas de auditório e seus dramas particulares.
Os dois filmes foram elaborados com base numa linguagem (utilizada em larga escala na mídia televisiva brasileira) que ficou conhecida por "modelo sociológico", nome conferido pelo crítico de cinema Jean Claude Bernardet, em seu livro Cineastas e Imagens do Povo, onde analisa a produção de documentários no Brasil entre os anos de 1960 e 1980. O modelo sociológico consiste, basicamente, na voz off de um locutor que narra - por cima das imagens - as idéias centrais da produção, intercalada por depoimentos de pessoas que dão crédito a ela, tal qual podemos observar no telejornalismo diário. Os entrevistados são a voz da experiência, nunca generalizam, nunca tiram conclusões. A voz off possui um dono que não se identifica. é homogênea e regular, segue a norma culta. é uma voz neutra que nunca fala de si (Bernardet, 1985:12).
Usando a terceira pessoa, essa voz off, que se tornou o principal recurso metodológico do telejornalismo brasileiro, dissolve seus entrevistados em estatísticas e idéias generalizantes, dizendo deles coisas que talvez nem eles saibam a seu próprio respeito.
Os entrevistados falam de uma história individual e não se vêem como uma porcentagem. (...)
De forma que a relação que acaba se estabelecendo entre o locutor e os entrevistados é que estes
funcionam como uma amostragem que exemplifica a fala do interlocutor e atesta que o seu
discurso é baseado no real (Bernardet, 1985:13).
é a partir deste modelo que os dois filmes seguem suas linhas narrativas e apresentam as causas desta alienação entre os trabalhadores nordestinos e a classe média, recorrendo a inúmeras explicações que, em alguns pontos, chegam a ser as mesmas, como a religião, por exemplo. Mas mesmo seguindo o "modelo sociológico", os dois filmes apresentam diferenças fundamentais no que diz respeito á presença do outro, na construção de seus personagens. A voz off se faz presente da mesma forma usando as fórmulas generalizantes de uma teoria. Mas enquanto em Viramundo os entrevistados que lhe dão sustentação são apresentados como tipos superficiais (o operário, o pedreiro, o desempregado, o patrão, o pai de família), em A Opinião Pública os personagens não são passíveis de uma classificação deste porte e são apresentados de forma complexa, densa, muito próximos de nós e não como simples amostragem (Bernardet, 1985:52).
Os retirantes de Viramundo nos são mostrados como pessoas que largaram o Nordeste por conta da seca, da miséria e têm como objetivo "fazer vida" em São Paulo. Suas histórias particulares não parecem ser interessantes para reafirmar o texto em off e ficam relegados a responder ou ter representado na tela apenas o que é considerado importante para esta narrativa.
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