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Direitos indisponíveis e de Ordem Pública (página 2)

Christiane Fátima Aparecida Souza De Sicco

A irrenunciabilidade é a impossibilidade jurídica de se privar voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo Direito do Trabalho em seu benefício (Plá Rodrigues)4 . Como conseqüência da irrenunciabilidade temos a nulidade da renúncia. No entendimento de Ives Gandra da Silva Martins Filho, "o princípio da irrenunciabilidade tem como um de seus fundamentos o princípio da indisponibilidade, vez que não haveria sentido o Estado através de seu ordenamento jurídico, proteger o empregado e este renunciar aos direitos que se prestam a sua própria proteção".5

A nulidade da renúncia dos direitos feita pelo trabalhador, encontra fundamento legal no artigo 9° da CLT, e Orlando Gomes conceitua a renúncia como o fato pelo qual o titular do direito declara a vontade de se desfazer dele, ou de não aceitá-lo, logo a renúncia é negócio jurídico unilateral que determina o abandono de um direito dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico. é atividade voluntária unilateral, que não precisa do concurso de outra vontade para produzir o resultado buscado.

O Princípio da Irrenunciabilidade possui uma ligação com o princípio da primazia da realidade. Este último significa que as relações jurídico-trabalhistas se definem pela situação de fato, ou seja, pela forma como se realiza a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhes foi atribuído pelas partes.


Assim, podemos dizer que o estes princípios estão coligados, embora atenuado pela negociação coletiva (artigo 7° incisos VI, XIII e XIV da Constituição Federal) que não podemos deixar de lembrar, exemplos de flexibilizações trabalhistas.

O objetivo da irrenunciabilidade é limitar a autonomia da vontade das partes, já que não seria viável que o ordenamento jurídico, impregnado de normas de tutela do trabalhador, permitisse que o empregado se despojasse de direitos indisponíveis motivado pelo temor de não obter o emprego ou de perdê-lo, caso não fosse formalizada a renúncia.

No entendimento do prof. Sérgio Pinto Martins, a regra é que os Direitos Trabalhistas são irrenunciáveis pelo trabalhador. Não se admite que o trabalhador renuncie ás suas férias. Se isso ocorrer, por exemplo, por pressão da empresa, não terá qualquer validade o ato, podendo o obreiro reclamar na Justiça do Trabalho.


Segundo profa. Alice Monteiro de Barros a renúncia pode ser conceituada como a "abdicação" que o titular faz do seu direito, sem transferi-lo a quem quer que seja. é o abandono voluntário do Direito, e em geral, são renunciáveis os direitos que versam sobre interesses privados. Por isso mesmo, verifica-se que no Direito do Trabalho o instituto da renúncia tem seu campo reduzido, já que concede ao trabalhador subordinado uma proteção jurídica favorável.

Logo, a disponibilidade de direitos trabalhistas sofre limitações, quer no tocante á renúncia, quer no tocante a transação, pois não seria coerente que o ordenamento jurídico assegurasse ao empregado garantias mínimas e depois deixasse esses direitos subordinados á sua vontade ou á vontade do empregador. Por serem normas em sua maioria, IMPERATIVAS e COGENTES, uma vez que o Estado limita a autonomia da vontade das partes em face da necessidade de proteger o economicamente mais fraco, não haveria sentido abrir mãos desses direitos.

3.1 A Irrenunciabilidade e o Conteúdo da Norma.

Muitos autores sustentam que a irrenunciabilidade decorre do conteúdo da norma, de forma explicita ou implícita, podendo ainda advir de sua finalidade objetiva.

A forma explicita surge claramente do processo legal, em que conta seu caráter derrogável. Essa manifestação poderá se externar sob a forma de proibição expressa da renúncia. Assim, no Direito do Trabalho brasileiro, "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos conceitos contidos na presente Consolidação" (artigo 9º da CLT).


A forma implícita encontra-se delimitada no próprio texto legal. O caráter inderrogável dessas normas está implícito no seu próprio conteúdo. Ex: o artigo 7º, inciso XIII da Constituição Federal vigente, ao assegurar a duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, possui um conteúdo inderrogável, pois ao mencionar o termo " não superior", traça limites que não podem ser ultrapassados, a não ser no caso de regime de compensação.

Há casos também em que a irrenunciabilidade resulta do fim visado pela norma, que outro não é senão o de retirar o trabalhador da sua condição de inferioridade econômica. Neste sentido, o doutrinador Luiz de Pinho Pedreira afirma que a maioria dos direitos trabalhistas são irrenunciáveis, a não ser que a renúncia seja favorável ao trabalhador.

O TST, de acordo com esse entendimento, tem admitido que as leis trabalhistas são em regra, irrenunciáveis. Ex: o aviso prévio (o direito ao aviso prévio é irrenunciável como são, via de regra, todos os direitos trabalhistas previstos em Lei. Assim, a liberação do cumprimento do aviso prévio pela empresa a empregado dispensado a pedido, não a exime do pagamento dos valores pecuniários pertinentes.

3.2 Renúncia Expressa e Renúncia Tácita.

A renúncia expressa se exterioriza por meio de declaração de vontade, em que o titular do direito (no caso, o empregado) dele se priva. Exemplos: pedido de demissão do empregado estável, com a indispensável assistência a que alude o artigo 500 da CLT (assistência do Sindicato), e a renúncia ao emprego da trabalhadora gestante.


A renuncia tácita (ou presumida) se extrai de comportamentos do empregado que evidenciam a intenção de privar-se de certos direitos. A maioria dos autores não admite a renuncia tácita, sustentando que a renúncia só poderá ser admitida em caráter excepcional.

3.4 O Momento da Renúncia

A renúncia pode ocorrer no caso de direitos futuros, durante o contrato de trabalho ou na ocasião da ruptura do contrato de trabalho. Cada momento é peculiar e merece estudo individual:


a) Renúncia a direitos futuros: Em princípio, os autores são unânimes em afirmar que a renúncia a direitos futuros é inadmissível, a não ser em situações raras, previstas em Lei. Atualmente o Direito do Trabalho brasileiro não admite a renúncia a direitos futuros. O TST editou a Súmula nº 199 que proíbe a pré-contratação de horas extras pelos bancários, pois implicaria em renúncia prévia á jornada reduzida. Assim, a renúncia antecipada á contratação é nula de pleno direito. Então, se o bancário ou outro trabalhador com direito á jornada reduzida (que lhe é mais benéfica), renunciar a esse direito, configura-se uma presunção de que foi coagido a esta atitude para ingressar na empresa. Essa atitude, á luz do artigo 9º da CLT, é nula.

b) Renúncia no curso do contrato: No curso do contrato a renúncia é permitida apenas quando houver previsão legal. Como exemplo citamos a opção pelo FGTS feita pelo empregado estável antes da Constituição Federal de 1988. Esse trabalhador estaria renunciando á estabilidade mas não á indenização por tempo de serviço. Um exemplo mais atual é o caso do acordo de compensação de horas, para o qual a Jurisprudência atual predominante exige o acordo individual ( Súmula nº 85 do TST).

c) Renúncia na ruptura do contrato: Na ruptura do contrato, a renúncia vem sendo permitida, mas desde que o direito seja disponível, o que é raro. Isso porque muitos institutos jurídicos assegurados ao trabalhador só são devidos após a ruptura do pacto e nem por isso deixam de estar consagrados em preceitos irrenunciáveis. Alem disso, pode o empregado renunciar a esses direitos por causa da pressão econômica e por causa do desemprego que assola o país. Atento a esses dois aspectos, o TST editou a Súmula numero 276, cujo texto dispõe: "O direito ao aviso prévio é irrenunciável pelo empregado. O pedido de dispensa do cumprimento não exime o empregador de pagar o valor respectivo, salvo comprovação de haver o prestador dos serviços obtido novo emprego".


O artigo 12 da Convenção número 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, considera o instituto de férias irrenunciável, independentemente do momento.

Outra seria a situação caso o empregado fosse portador de estabilidade legal e se demitisse do emprego. Nesse caso, ele estaria renunciando a garantia do emprego proporcionada pela estabilidade.

Mesmo após a ruptura do contrato de trabalho, Alice Monteiro de Barros entende que a renúncia do empregado deve ser vista com certa desconfiança. Em primeiro lugar, pela condição de desempregado, que necessita de recursos imediatos para continuar se mantendo até achar outro emprego. Em segundo lugar, pelo temor de enfrentar a demora de uma demanda judicial e por fim, dada a necessidade de obtenção de carta de referência do antigo empregador para candidatar-se a um novo emprego.

3.5 A Renúncia e a Norma Coletiva

Outro aspecto ligado á renúncia e que tem conotação prática, diz respeito ao fato de poder ou não ser ela efetuada por meio de convenção coletiva.

No Brasil, os incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 foram flexibilizados, permitindo a renúncia via acordo e convenção coletiva. No tocante á sentença normativa, ela também é possível. A Jurisprudência do TST inclina-se favoravelmente a essa tese: "As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos".6

Quanto aos demais direitos assegurados pela Constituição Federal vigente, Alice Monteiro de Barros entende que não há como admitir a renúncia, sequer via convenção coletiva. Mesmo diante da flexibilização, a renúncia continua sofrendo restrições no Direito do Trabalho, em razão das barreiras ou limites impostos pelo artigo 166 do Código Civil de 2002 (que dispõe que a renúncia requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita em lei), pelo conteúdo expresso ou implícito de normas, pelo fim visado por elas, pela necessidade de constituir manifestação volitiva livre, pela inviabilidade de concretizar-se de forma tácita e quanto a direitos futuros.

A Constituição Federal de 1988 flexibilizou o princípio da irrenunciabilidade do sistema trabalhista, mas apenas nos incisos VI, XIII e XIV do artigo 7º, os quais não comportam interpretação extensiva. A conseqüência da irrenunciabilidade desrespeitada é a nulidade do ato.

3.6 A Renúncia e as Comissões de Conciliação Prévia

As Comissões de Conciliação Prévia foram instituídas pela Lei 9.958, de 12 de janeiro de 2000.

O artigo 652-A da CLT faculta a instituição de Comissões de Conciliação Prévia, de composição paritária, com representantes dos empregados e empregadores, cuja atribuição consiste em tentar a conciliação dos conflitos individuais de trabalho.

As CCPs podem ser constituídas por empresa ou grupos de empresas e/ou ter caráter intersindical, podendo o interessado optar por uma delas.

Quando a CCP for instituída no âmbito sindical, terá sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo.

é preciso atentar para que as Comissões de Conciliação Prévia, principalmente as instituídas por empresas ou grupos de empresas, não obtenham acordos que de alguma forma lesionem ou tentem ferir os direitos irrenunciáveis dos trabalhadores, parte mais fraca da relação jurídica. Caso isso ocorra, o acordo será passível de anulação perante a Justiça do Trabalho.

4. Transação

Segundo Orlando Gomes, transação é o contrato pelo qual, mediante concessões mútuas, os interessados previnem ou terminam um litígio, eliminando a incerteza de uma relação jurídica.

Um dos requisitos principais da transação é o sacrifício recíproco das partes, fazendo concessões de caráter patrimonial com o objetivo de eliminar a incerteza do direito. Diante da desigualdade das partes, é questionável a transação desproporcional.

Para a transação é necessário objeto que não seja absolutamente indisponível, capacidade das partes pactuantes, cuja capacidade plena se atinge aos 18 anos (art. 402 da CLT), entre 16 e 18 anos, com assistência de seu representante legal e abaixo de 16 anos, representado pelo representante legal. Entretanto, se a transação se operar de modo irregular e não houver prejuízo ao menor, não há nulidade.

O requisito manifestação da vontade é muito importante no Direito do Trabalho, é um elemento determinante das cláusulas e alterações contratuais,depois do princípio da imperatividade das normas laborais e da indisponibilidade de direitos.

Ainda na transação não pode existir prejuízo ao trabalhador em função do ato transacional. Quanto á forma, essa poderá ter relevância se expressamente fixada em lei. Os atos contratuais trabalhistas podem ser tácitos (art. 442, da CLT), não se podendo impor formalidades de conduta onde a ordem jurídica não preceituar (art. 5º, II, da CF 1988).

A transação é um elemento essencial na relação de emprego como, por exemplo, em caso de regime de compensação que só pode ser pactuada por escrito e não tacitamente ou mesmo no caso de banco de horas, cujas disposições devem constar de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho.

Observados os requisitos jurídicos e formais da transação, no direito do trabalho ela tem função social harmonizadora entre os sujeitos da relação de trabalho.

4.1 Distinção entre Transação, Renúncia e Conciliação

Como já vimos anteriormente, a transação é uma relação jurídica em que as partes fazem concessões recíprocas, é bilateral, objetivando prevenir litígios. Restringe-se a direitos patrimoniais, de caráter privado, sobre os quais recaia suscetibilidade de litígio. Pode se manifestar no curso do contrato ou por ocasião de seu término. A transação sempre envolve direito duvidoso e pressupõe incerteza do direito para que possam ser feitas concessões mútuas.

Já a renúncia é sempre unilateral e diz respeito á extinção do direito. A transação concerne á extinção da obrigação.

Quanto á conciliação, é um ato praticado no curso do processo, mediante a iniciativa e a interveniência do Magistrado, conforme nos traz os artigos 846 e 850 da CLT, sendo feita a proposta de conciliação na primeira audiência e posteriormente renovando-se a proposta na fase de alegações finais.

5. Conclusão

Diante do exposto, chegamos á conclusão de que os direitos conferidos aos trabalhadores, em normas positivas, legais ou convencionais, não podem ser relegados por eles.
No entanto, no momento em que tais direitos passam para a situação concreta, é permitido ás partes a negociação, não constituindo infração ao princípio da irrenunciabilidade, embora nos pareça contraditório que ao mesmo tempo em que é proibido ao trabalhador abrir mão de seus direitos, lhe é facultado num determinado momento ceder parte destes mesmos direitos.
O entendimento jurisidicional é de que os direitos individuais trabalhistas provenientes de normas de ordem pública e de eficácia cogente, não podem ser renunciados, no entanto, não há lei que atribua expressamente a indisponibilidade desses direitos de uma forma geral. As normas que se enquadram nessa situação, são aquelas específicas, dirigidas á proteção do trabalhador, como registro em carteira, concessão de intervalos, fixação de jornada de trabalho nos parâmetros legais, respeito á estabilidade e outros.
Advindo a flexibilização como meio de combate ao crescente desemprego, que é uma realidade em nosso país, a própria Constituição Federal através de seu artigo 7° e incisos já citados, nos traz formas de renúncia, consideradas como exceção aos princípios da indisponibilidade e irrenunciabilidade.
O que vemos é um abuso por parte de muitos empresários que acabam se utilizando dos institutos da renúncia e da transação para sonegar ou reduzir direitos conquistados através de lutas no decorrer dos tempos.
Concluímos que cabe ao Judiciário coibir os abusos que venham a ocorrer, seja através de renúncias ou transações de direitos ou até mesmo em conciliações perante as CCP"s. Limitamos o nosso entendimento, juntamente com o posicionamento de alguns doutrinadores, no sentido de que somente as exceções expressas na Constituição Federal são passíveis de renúncia, como no caso da irredutibilidade de salários, inciso IV, a jornada mencionada no inciso XIII, e a questão dos turnos ininterruptos, disposta no inciso XIV do artigo 7° da Carta Magna, dispositivos esses cujos textos foram flexibilizados.

Notas de rodapé
1 CLT
2 Martins, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007.
4 Disponível em<http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=2015> Acesso em 27 Abr 2007.
5 FILHO MARTINS, Ives Gandra da Silva. Manual esquemático de direito e processo do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Súmula do TST n° 277



Autor:

Christiane Fátima Aparecida Souza De Sicco

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