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Mentalidade esta impregnada na consciência dos operadores do direito -
policiais, juizes, advogados, agentes do ministério público, etc. - imposta por
centros universitários e academias, ademais da pressão sofrida por parte da
mídia e da sociedade civil, sem falarmos dos comandos hierárquicos
institucionais e do poder hegemônico ou central, que distribui "lições -
orientações" como se fossem as melhores e mais atuais, e assim sucessivamente o
velho fica sempre parecendo novo e moderno; por certo só para aqueles que
desconhecem a história política verdadeira do direito penal universal.
Para legitimar o poder repressivo estatal o direito penal vem com várias
teorias, entre elas destacamos a lobrosiana, de Cesar Lombroso; a ferriana, de
E. Ferri, ambas vinculadas a criminologia clínica ou positivista do séc. xviii
e início do séc. xix, ainda com forte influência na atualidade, de maneira
velada; a doutrina penal da defesa social de Felippo Gramatica e o neodenfismo
de Marc Ancel (1940 e 1960); a doutrina da segurança nacional (1960), a
doutrina da segurança pública ou cidadã, de 1980, até hoje reinante com várias
vertentes, entre elas a globalização do direito penal, a "tolerância zero", o
direito penal funcionalista, a teoria da sociedade de risco, o direito penal do
inimigo, etc..
Por outro lado, as teorias que tentam deslegitimar os excessos e abusos do
direito penal, são as que pleiteiam proibições como a dos tipos penais difusos,
incertos, abertos ou indefinidos, em nome dos princípios da legalidade e da
taxatividade; são os discursos em prol das garantias judiciais, a exemplo da
proibição dos juízos de exceção para assegurar a imparcialidade e o princípio
do juiz natural, a ampla defesa e o contraditório, ademais do necessário
respeito ao princípio da soberania, validade hierárquica das normas penais
frente preeminência das cláusulas de Direitos Humanos.
Somente com a correta aplicação da lei via a principiologia e regras de
hermenêutica do direito, com uma jurisprudência penal verdadeiramente
democrática (11), se poderá efetivar o direito penal-constitucional ou do
Estado de Direitos Humanos, já idealizado, desde a revolução francesa (1789) com
as máximas liberté, fraternité e igualité; e jamais a jurisprudência
autoritária que usa expressões do tipo "entendimento majoritário", "unânime",
"mais acertado", "jurisprudência predominante", "a melhor doutrina" ou
"abalizada orientação jurisprudencial", poderá com estes chavões jurídicos
contribuir para as mudanças necessárias, pois tem servido apenas para engessar
o direito e o livre convencimento dos profissionais.
Queremos nos referir ao conjunto de princípios gerais que norteiam a práxis de
uma justiça penal verdadeiramente democrática e comprometida com as necessárias
transformações, e não aos princípios que sustentam o estado autoritário (12),
como in du dúbio pro reo, necessidade do onus probandi estatal, presunção de
inocência, interpretação restritiva e extensiva favorável ao acusado, direito
penal mínimo, pena privativa de liberdade como ultima ratio; versus in dubio
pro societat, onus da prova invertido, presunção de periculosidade e de
culpabilidade, interpretação extensiva prejudicial ao réu, direito penal
máximo, pena privativa de liberdade como prima ratio, respectivamente.
Cesar Beccaria, com seu opúsculo "Dos Delitos e das Penas" (1763-1764), já
propunha mudanças na postura dos costumes nos julgamentos e propostas para um
novo direito - justiça - penal, como os filósofos do iluminismo, Montesquieu,
Russeau, Voltaire e Jhon Howard, o conhecido pai do penitenciarismo mundial,
escreveu "The state of prisions in England" (1977), todos denunciando os
arbítrios daquela época, das leis, das penas, das prisões e dos tribunais (13).
O direito penal antigo precisa ser suprimido pelas teorias humanistas penais e
vitimológicas, a exemplo do denominado "direito penal do perdão" (14). Muitos
que se dizem juristas ou professores falam que se trata de um direito penal
romântico ou de uma proposta filosófica-cristã, que nada tem haver com as
ciências criminais. E mais, que o autor do "direito penal do perdão" é um padre
e que tenta aplicar conceitos religiosos de penitencias no sistema estatal.
Enganam-se todos, se assim pensam, Antonio Beristain é sim um digno jesuíta,
mais antes de tudo um dos maiores filósofos do direito, escritor, professor
emérito, doutor honoris causa de universidades européias, por esta razão é na
atualidade respeitado e considerado pelos maiores penalistas do mundo (15). Se
assim fosse, como ficaria do mesmo modo o valioso trabalho de Dom Evaristo
Arns, Zilda Arns, Dom Eugênio Salles, Padre Bruno Trombeta, Padre Lanceloti,
Frei Beto, e a Comissão de Justiça e Paz, quando propugnam o direito penal
humanitário, contra os abusos da repressão estatal, a este exemplo cito também
o emérito jurista René Dotti, com o denominado "Direito Penal do Terror (16).
Devo, aos cépticos, incrédulos e reacionários, citar São Francisco de Assis,
quando reza: "onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver discórdia que
eu leve a união; onde houver ofensa que eu leve o perdão".
Registra a história que Cristo foi injustamente julgado, condenado e
crucificado, como todos os cidadãos ainda estão sujeitos a barbárie dos tempos
modernos, de receber acusações sem prova e condenações injustas.
Há também os modismos no direto penal e na administração de justiça estatal,
que faz surgir e ressurgir certas teorias e conceitos já a muito tempo
ultrapassados, porem voltam em cenas policiais-forenses, como se fosse um
"tisunâmi jurídico", a exemplo do princípio da razoabilidade do tempo da prisão
provisória; propostas de aumento de crimes e de penas; severidade e disciplina
nos presídios, justificadas com os mesmos critérios de outrora, basta ler na
literatura penal e nas exposições de motivos dos códigos revogados e vigentes,
sob o pretexto de maior controle, eficiência, segurança pública, etc.
Estas propostas ressurgem, de tempo em tempo, porque está comprovado que o
direito penal não têm eficiência que diz ter para prevenir, reprimir e para
reintegrar os condenados á sociedade. A cada vez que for preferida e intentada
maior repressão vamos voltar aos tempos da barbárie e chegar na pena de morte;
e só assim veremos que ela não serve para combater a criminalidade, e
reiniciaremos a jornada das propostas humanistas e humanitárias que hoje não
são compreendidas e aceitas por muitos.
O direito penal tradicional tem origem nas ondas de prisões ilegais,
condenações injustas e indevidas, em torturas e pratica processuais desumanas,
lamentos e dor, muita opressão, razão pela qual surge a necessidade de
observância aos Direitos Humanos, falo dos direitos fundamentais dos presos,
dos processados e também das vítimas.
Os vulneráveis do sistema continuam os mesmo, apesar de ser ter demagogicamente
tentado demonstrar que delinquentes do "colarinho branco", estão sendo
alcançados pela malhas do sistema penal. Mas é só perceber que se trata de um
direito penal promocional. Quando se pergunta: A onde estão as condenações e a
onde está o respeito aos devido processo legal para estes casos, porque a base
das acusações e das condenações são as escutas telefônicas e a quebra de
garantias constitucionais fundamentais, muitas vezes ilegalmente e depois
consertados pelo "jeitinho brasileiro", para dar amparo ao princípio da verdade
processual, das provas lícitas e das acusações democráticas, como táticas que o
sistema autoritário sempre utlizou, e hoje com nome de Estado Democrático, ainda
utiliza.
Estamos vendo uma gigante onda "tisumâni jurídico", as piores propostas, como
incarceration mania, criminalização, penalização, aumento do direito penal
subterrâneo, mais impunidades, seletividade do sistema, insegurança pública e
jurídica que dá margem ao Estado de Polícia. Precisamos de um direito penal
mínimo e do reducionismo penal, para frear abusos da repressão e violações por
parte do Estado (17) "A segurança pública tem que se segurar. Se segura
segurança" (18).
Primeiro é preciso julgar para depois condenar, não acusar por causar, punir
por punir (19), as acusações não devem ser anunciadas, promocionadas, para
pressionar uma condenação, porque se for assim estaremos fazendo o mesmo que as
"mortes anunciadas" de Gabriel Garcia Márquez.
Antigamente a práxis do direito penal era demonstrar medo e terror, á
sociedade, o poder do Estado ou dos Tribunais do Santo Ofício se manifestavam
através dos Autos de fé, com penas bárbaras, como a de morte era executada em
dias festivos, em feriados ou nos domingos em praça pública, ao tentar dar
exemplo ao mesmo tempo intimidava; hoje no direito penal moderno a forma é
outra, via Autos de ação penal pública através do sensacionalismo produzido
pela mídia, Tvs, rádios e jornais; portanto, "desesperar jamais" (20).
Parece ser tudo utopia nada se concretiza, nada se efetiva, nem a CARTA MAGNA e
os direitos fundamentais da cidadania são respeitados, porque não começamos
falar e criar a moda ou a onda da blindagem das garantias constitucionais do
processo penal, porque não falamos abertamente das injustiças ou das negações
de justiça e a responsabilização dos crimes de abuso de autoridade (Lei nº
4.898/65), para aqueles que não querem e insistem e não respeitar os Direitos
Humanos.
O sentimento de justiça acompanha o sentimento de fé e de esperança. A palavra
justiça é contrária a impunidade, ao poder arbitrário, a barbárie; é um
sentimento natural que faz parte do ser humano, independentemente do tempo, de
lugar, de religião ou do grau de cultura, razão pela qual as civilizações mais
antigas também se revoltavam contra as injustiças, contra os abusos, contra a
corrupção e contra a violência em geral (21).
NOTAS
(1) Beristain, Antonio, in "Buscamos Algo Mejor que el Derecho Penal y la
Criminologia: La Victimologia" (titulo original em espanhol), obra no prelo
para publicação também no Brasil.
(2) Maia Neto, Cândido Furtado, in "Penitenciarismo en el Mercosur", Ed.
Fabris, Porto Alegre-RS, 1998.
(3) Maia Neto, Cândido Furtado, in "Inquisição e Justiça Penal Contemporânea"
Tribunais do Santo Ofício e as Heranças da Repressão. Estado Democrático versus
Regime Ditatorial, Revista Pratica Jurídica - Consulex, Ano III - nº 32,
30/11/2004, pg. 16/26, Brasília-DF.
(4) Binder, Alberto M. in "-"Estratégias para a Reforma da Justiça
Penal" - Alberto M. Binder, Revista Jurisprudência Criminal Brasileira,
Ed. Juruá - Curitiba, vol. 33, 1994 (artigo). Tradução do espanhol para o
português por Maia Neto, Cândido Furtado.
(5) Art. 5º inciso xxxv e xxxvi, CF
(6) Art.201CPP A condução da vítima, em outras palavras, é o mesmo que ser
detida em seu escritório ou em sua casa, quando levada até o edifício do fórum
(7) Maia Neto, Cândido Furtado in O Promotor de Justiça e os Direitos Humanos,
ed. Juruá, Curitiba, 2003. Gonzalez Alvarez, Daniel, in "El Principio de
Oportunidad em el Ejercicio de la Accion Penal", Revista Guatemalteca de
Ciencias Penales, Ano II, nº 34, noviembre, 1993, pg. 39 e sgts., Guatemala,
República de Guatemala
(8) Aniyar de Castro, Lola; in Criminologia de la Liberación, ed. Univ. Del
Zulia, Maracaibo-Venezueka, 1987.
(9) Zafaroni, E. Rául, in "Criminologia aproximación dsde un margen", ed.
Temis, Bogotá, 1988; e "En busca de las penas perdidas", ed. Temis, Bogotá,
1990
(10) Vidigal, Edson Min.STJ, Revista Isto é, julho/2005.
(11) Maia Neto, Cândido Furtado; in "Jurisprudência Criminal Democrática:
Correta Aplicação da Hermenêutica, dos Princípios de Direitos Humanos e da
Teoria Geral do Ordenamento Jurídico á luz do Garantismo Penal"; Revista Prática
Jurídica, ed. Consulex, Bsb-DF, ano III, no.23, 29 de fevereiro/2004; Revista
Jurídica UDC Faculdade de Direito/Foz do Iguaçu; Vol. 1; Nº 1; Editora Juruá;
Curitiba/2004.
(12) Maia Neto, Cândido Furtado; "Direito Penal Democrático versus Direito
Penal Ditatorial, in "Inquisição e Justiça Penal Contemporânea" Tribunais do
Santo Ofício e as Heranças da Repressão. Estado Democrático versus Regime
Ditatorial; Revista Pratica Jurídica - Consulex, Ano III - nº 32, 30/11/2004,
pg. 16/26, Brasília-DF.
(13) Maia Neto, Cândido Furtado, ob cit "Penitenciarismo...."
(14) Maia Neto, Cândido Furtado, in "Justiça Penal Democrática e os Direitos
Humanos", Revista Bonijuris, ano xvii, 4º 499, junho/2005, Curitiba-PR
(15) Beristain, Antonio, in "Nova Criminologia á luz do direito penal e da
vitimologia", tradução Maia Neto, Cândido Furtado.
(16) Dotti, René Ariel: in "Movimento Antiterror e a Missão da Magistratura",
Ed. Juruá, 2º ed. 2005, Curitiba.
(17) Ferrajoli, Luigi, in " Derecho y Razón", Ed. Trotta, Madrid, 1995.
(18) Nogueira, João: cantor e compositor.
(19) IN DUBIO PRO SOCIETATE x PROCESSO PENAL GARANTISTA
(Ana Cláudia Bastos de Pinho, Promotora de Justiça do estado do Pará) "Na
dúvida, arquiva-se, tranca-se a Ação Penal ou absolve-se (in dubio pro reo), e
nunca se processa, pronuncia-se ou condena-se (in dubio pro societate). As
garantias individuais são direitos concretos que prevalecem ante as abstrações
(in dubio pro societate), estas servem ao direito autoritário, aos regimes
antidemocráticos ou aos governos ditatoriais. Não se pode permitir que nos
regimes democráticos as abstrações "em nome da sociedade" venham destruir o
sistema jurídico humanitário positivo, para dar lugar a um odioso direito
repressivo, onde o Estado condena e acusa sem provas concretas" (MAIA NETO,
Cândido Furtado - Promotor de Justiça do Estado do Paraná, in O Promotor de
Justiça e os Direitos Humanos", ob. cit.)
(20) Lins, Ivan: cantor e compositor
(21) Kardec, Allan: in O Livro dos Espíritos, pg. 338 (conceito e definição de
justiça), Ed. FEB, Bsb-DF
Autor:
Prof. Dr. Cândido Furtado Maia Neto
Professor Pesquisador e de Pós-Graduação (Especialização e Mestrado). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pós Doutor em Direito. Mestre em Ciências Penais e Criminológicas. Expert em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas - Missão MINUGUA 1995-96). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu-PR. Membro do Movimento Nacional prol Ministério Público Democrático (MPD). Secretário de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Assessor do Procurador-Geral de Justiça do Estado do Paraná, na área criminal (1992/93). Membro da Association Internacionale de Droit Pénal (AIDP). Conferencista internacional e autor de várias obras jurídicas publicadas no Brasil e no exterior. E-mail: candidomaia[arroba]uol.com.br
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