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Porém, tanto para os jovens que construíram sólidas bases de amizade no período escolar e nos movimentos juvenis quanto para aqueles que se afastaram do convívio comunitário e desejam manter vínculos, surge um problema para que se desenvolva a sociabilidade juvenil: a falta de opções. A reclamação mais comum é com relação á falta de espaços que possam reunir a juventude judaica carioca no intuito de fortalecer laços de amizade e permitir que moças e rapazes se conheçam para o início de um relacionamento estável, namoro e, quem sabe, casamento. O Clube da Barra, por exemplo, é considerado muito afastado (no final do bairro da Barra da Tijuca) e a sociedade Hebraica (no bairro de Laranjeiras) é classificado como "decadente" e "feio". é neste contexto que entendemos o surgimento da sinagoga Beit Lubavitch como espaço de convivência social para a maioria dos entrevistados.
Esta sinagoga passou a ser um ponto de encontro de amigos. Alé m disso, jantares japoneses - na moda entre esta parcela das camadas médias - preparados segundo os preceitos da religião judaica e servidos exclusivamente para o público juvenil após a cerimônia do shabat , o início do descanso semanal na sexta-feira á noite, servem como chamariz, tendo como objetivo principal o contato entre judeus e judias com vistas ao casamento endogâmico.
A pergunta a ser feita é "por que exatamente a sinagoga Beit Lubavitch, que segue a ortodoxia, se estes jovens não são religiosos?". Alguns pontos devem ser levados em consideração. No que diz respeito á demanda - os jovens -, a primeira observação diz respeito á falta de alternativas do mundo não-religioso na afirmação desta identidade, incapaz de desenvolver atividades no sentido de estabelecer laços de solidariedade interna, principalmente a partir da entrada na faculdade. A segunda é que a identidade judaica destes jovens está baseada mais na subjetividade, no "sentir-se judeu", do que na obediência a um código religioso de conduta. O terceiro ponto é a preponderância da religião na definição de quem é judeu, o que nos ajuda a entender a proximidade deles com a instituição religiosa.
Em relação á oferta - a sinagoga -, observa-se que a ortodoxia parece conferir maior autenticidade ao judaísmo. Nela, os jovens podem sentir-se judeus sem ter que elaborar uma transformação do judaísmo á luz de seu estilo de vida moderno.
é, como dito por um de seus rabinos, o judaísmo que existe "há três mil anos". Um segundo ponto diz respeito ao caráter missionário da seita Habad, da qual a sinagoga Beit Lubavitch faz parte, tendo, por isso, de adaptar-se ás aspirações de seu público-lvo, sua clientela.
A religião passa a ser um dos poucos caminhos legítimos para alcançar este sentimento de pertencer ao grupo. A Beit Lubavitch, especificamente, parece expressar, para muitos dos jovens, aquilo que se chama de "judaísmo verdadeiro", sendo o rabino de chapéu negro e barba seu maior símbolo. Alia-se a este poder
simbólico o fato de a congregação aceitar os jovens como eles são, ou seja, jovens judeus e cariocas. O sushi, o top (peça de roupa sensual, usada pela moças) e a informalidade do serviço religioso são uma adaptação da tradição religiosa aos tempos modernos.
Meu objetivo aqui é analisar este aparente paradoxo, a freqüência de jovens não-religiosos a uma sinagoga que segue uma linha ortodoxa e que, ao menos na teoria, desafiaria o estilo de vida moderno característico desta parcela da juventude carioca. Talvez fosse produtivo estabelecer um diálogo entre duas concepções de mundo distintas, como coloca Dumont (1995): uma individualista, na qual é dado ao "indivíduo humano" o direito de expressar a cada situação uma identidade social, e outra hierárquica, em que sua existência só é possível enquanto membro do grupo. A ida á sinagoga ortodoxa, como veremos, é uma nova forma de expressar a identidade judaica sem abdicar, contudo, da liberdade de se movimentar pelos diversos domínios da vida social.
A sinagoga é uma das instituições mais importantes da vida comunitária judaica, sempre foi um espaço de convivência. Nela, amigos se encontravam (e se encontram) para bater papo e fechar negócios, para discutir o casamento dos filhos e para apresentar problemas pessoais para os rabinos. O surgiment o da sinagoga
confunde-se com a história do povo judeu e de suas tragédias.
Conta a tradição religiosa que Moisés, um homem abençoado por Deus, liderou o povo judeu na fuga da escravidão do Egito. Num certo momento da caminhada pelo deserto, Deus entregou as Tábuas da Lei juntamente com uma série de determinações de caráter moral que, juntas, ficaram conhecidas como Fé Mosaica. A caminhada pelo deserto demorou cerca de 40 anos, "culpa" dos próprios judeus, que se recusaram a lutar com as outras tribos que, na época, habitavam o que hoje é Israel. Todos os anos a saída do Egito é comemorada com uma festa, Pessach, a Festa da Libertação, a Páscoa judaica, quando os judeus comem o pão ázimo e lêem a Hagadá, um relato da jornada empreendida pelos antepassados.
Quando, finalmente, o povo entrou na Terra Prometida e expulsou os "intrusos", instituiu-se a monarquia como forma de governo. O primeiro rei foi Saul, sucedido por David, a quem se deve a consolidação das fronteiras do reino e o estabelecimento de Jerusalém como a sua capital. Após o reinado de David, Salomão assume o trono e constrói o templo de Jerusalém, importando cedro do Líbano e marfim da África (Scliar,1994). Diz-se que, durante o governo de Salomão, o reino de Israel viveu grande prosperidade econômica, e que ele era um homem muito inteligente e justo.
O templo antecedeu a sinagoga. Era o edifício central para o culto divino em Israel até o ano 70 d.C. Situava-se no monte Moriah, em Jerusalém, e consistia de um altar para a Arca Sagrada (dentro da qual se colocam as escrituras sagradas), os vasos sagrados e as oferendas, além de um pátio para os fiéis (Enciclopédia conhecimento judaico, 1967). Os sacerdotes eram os responsáveis pelos sacrifícios, pela supervisão da "pureza higiênica" e pela transmissão; da Fé Mosaica ao povo judeu. A hierarquia colocava o sumo sacerdote no topo, sendo auxiliado por outros considerados sábios e mesmo profetas. Por conflitos internos, o reino foi dividido em dois, o de Judá, ao sul, e o de Israel, ao norte. Cercados pelas grandes potências da época, eles logo sucumbiram ao poderio econômico-militar dessas potências. Foi no domínio babilônio, iniciado no ano 597 a.C., marcado pelo exílio do povo judeu, que aconteceu a destruição do templo erigido nos tempos de Salomão. No ano de 536 a.C., Ciro, rei da Pérsia, que sucedeu os babilônios,
permitiu que o templo fosse novamente construído e consagrado, mas, tempos depois, quando os romanos conquistaram o território, encabeçados por Antíoco, o segundo templo foi semi-destruído, sobrando apenas um muro que circundava o edifício (o Muro das Lamentações). Apesar de alguns grupos guerrilheiros judaicos (dos quais o mais conhecido foi o dos macabeus) tentarem impedir a helenização forçada do povo, pouco depois todas as rebeliões foram sufocadas, Jerusalém foi destruída e a fase diaspórica teve início, por volta do século 1o a.C. Também nesta época a sinagoga ganha grande importância para a vida religiosa e espiritual dos judeus.
A sinagoga pode ser definida como o espaço de orações públicas para os judeus, que ali rezam, estudam e participam de reuniões sociais. Há indícios de que ela existe desde o exílio da Babilônia, quando o templo deixou de ser o local para o culto a Deus. Nela, no entanto, não se realizam sacrifícios animais, apenas "espirituais", por meio da elevação das almas nas orações. Em cada sinagoga há um Armário Sagrado onde estão guardados alguns rolos da Torá, o Pentateuco. A autoridade responsável pelo serviço religioso é o rabino, que, em hebraico, significa "meu mestre". O rabino era um estudioso da lei, uma espécie de professor autorizado pelo Sinédrio, o conselho de 71 eruditos que funcionava como supremo tribunal e desapareceu por volta do século 4o d.C. Ao longo da história judaica, homens de grande sabedoria e líderes espirituais eram chamados de rabinos e, nos tempos modernos, ele serve á congregação da qual faz parte, realizando os sermões e discursos nas cerimônias (como veremos adiante).
A maior ou menor notoriedade e legitimidade de cada rabino vai depender do poder simbólico exercido pela corrente da qual participa. Quanto mais influente ela é na determinação do que é a religião judaica e, mais ainda, do que é a identidade judaica - na medida em que, para os religiosos e mesmo para muitos destes
jovens, o judaísmo está bem próximo de uma definição religiosa -, maiores as chances de a sua sinagoga receber grande quantidade de fiéis nas cerimônias mais cotidianas, como o shabat , o início do descanso semanal ordenado por Deus. A freqüência da maioria dos entrevistados a uma sinagoga cuja corrente é ortodoxa, apesar de não-religiosos, revela um dos paradoxos da constituição desta judeidade juvenil.
Diferentemente do que coloca Lewin (1997), a sinagoga passa a ser um novo espaço de sociabilidade judaica, atraindo, não apenas nas festividades mais tradicionais, tanto jovens religiosos quanto não-religiosos. A análise da preferência por esta ou aquela sinagoga está diretamente relacionada ao modo como eles encaram seu pertencimento á etnia judaica, o que esperam de cada uma das correntes religiosas para o preenchimento do "sentir-se judeu".
Ainda que correndo o risco de diminuir a riqueza das idéias e valores, é possível dividir a religião judaica em três grandes correntes de pensamento.
A primeira delas é a reformista. O judaísmo reformista, surgido na Alemanha como conseqüência das modificações ocorridas no modo de conceber a religião judaica, está diretamente relacionado com o desenvolvimento da racionalidade e da secularização da sociedade, ou seja, o Iluminismo. A Alemanha foi o berço da Haskalá, o Iluminismo Judaico, e a religião vislumbrada pelos judeus alemães era parte do processo de modernização da sociedade. Seu objetivo era adequar o discurso religioso aos valores universalistas que passaram a vigorar na Europa Ocidental. A Tradição foi englobada pela Modernidade. O impacto da cultura ocidental sobre o serviço religioso se expressa, por exemplo, pelo fim de certos "orientalismos" como o canto nasalado e falta de decoro, além do uso da língua vernácula durante a reza, a abolição da circuncisão, do shabat e a oração em hebraico.
Transportado para os Estados Unidos em meados do século 18, o reformismo declinou. O declínio foi devido principalmente á não-adaptação dos imigrantes da Europa Oriental, amparados na tradição rabínica, aos ideais iluministas trazidos pelos judeus alemães. Foi este vácuo que criou as condições necessárias para o surgimento de um judaísmo tipicamente norte-americano, que, depois, espalhouse por outros cantos do mundo, o judaísmo conservador. O conservadorismo faz a ligação entre uma base social de imigrantes que vêm com uma formação religiosa e a sociedade norte-americana liberal e moderna. Esta corrente acreditava que era preciso aliar a razão, base do reformismo, e a tradição, amparada no ritual. Ela fortalecia a religião utilizando argumentos modernos, históricos. Enquanto o reformismo queria se incorporar á Modernidade, o conservadorismo queria incorporar a Modernidade ao judaísmo, o primeiro enfatizando o caráter moderno do judaísmo e o segundo, o caráter judaico da Modernidade. A ética, por exemplo, enquanto uma série de valores universais, chega, para o conservador, por meio da religião judaica.
No extremo oposto destas duas correntes que dialogavam com a Modernidade surgiu, em meados do século 18, provavelmente na Ucrânia, um movimento que pretendia acabar com as influências iluministas naquela parte da Europa. Este movimento se chamou hassidismo (em hebraico, "devoção") e se propunha a defender as estruturas tradicionais da comunidade judaica. Enfatizavam-se a alegria e a emoção na aliança com Deus, valores bem aceitos por uma população no geral miserável e privada de educação formal. As diversas seitas que compunham a corrente lutavam pela expansão de sua influência, mas o fracasso se devia ao caráter local e particularista da maioria. Uma delas, entretanto, sobreviveu. Chama-se Habad.
Como todo grupo fundamentalista, o Habad, 3 fundado na cidade de Lubavitch (Rússia), no ano de 1813, acredita ter a chave para o entendimento das coisas "como elas são" e não como elas "aparentam ser". Além disso, os seguidores acreditam na vinda do Messias e, diferentemente do que propunham os fundadores do hassidismo, dão grande importância á leitura dos textos sagrados (a Torá). A missão dos estudantes das ieshivot (plural de ieshivá, "escola talmúdica") da seita era difundir aquilo que chamavam de "sementes divinas" do hassidismo, quer dizer, os ensinamentos dos sábios,seguindo três princípios: o presente antecipa a vinda do Messias, que virá com a dispersão das sementes divinas, e esta semeadura é a função tanto dos rabinos quanto dos discípulos, os "soldados". A seita Habad foi a responsável pela introdução da noção de "missão" judaica pela dispersão das sementes divinas para a vinda do Messias. O movimento se expandiu, assim, para além das fronteiras da comunidade, estando presente hoje nos quatro cantos do planeta, seja no Brasil, na Austrália, na África do Sul ou nos Estados Unidos. O uso intecambiável dos termos Lubavitch e Habad para falar do movimento revela a tensão entre o particular e o universal.
A diversidade interna da religião judaica se espalhou. No Rio de Janeiro, por exemplo, há representantes das três correntes descritas acima. Tomando as sinagogas citadas nas entrevistas, temos a da ARI (Associação Religiosa Israelita), localizada no bairro de Botafogo, representando o judaísmo reformista; a CJB (Congregação Judaica do Brasil), na Barra da Tijuca, representando o judaísmo conservador; a Beit Lubavitch, no Leblon, representando o judaísmo ortodoxo.
Muitos dos jovens entrevistados freqüentam a Beit Lubavitch, da corrente ortodoxa Habad. À primeira vista é um paradoxo jovens não-religiosos, que não cumprem os preceitos da religião e, por isso mesmo, retardam a vinda do Messias, freqüentarem uma congregação cujos seguidores modelam sua visão de mundo e seu comportamento social exatamente nas idéias de "missão" e "redenção". é na relação entre o mundo hassídico, ortodoxo, e o mundo não-religioso, entre Tradição e Modernidade, e na compreensão do que é a identidade judaica hoje para estes jovens que entendemos o aparente paradoxo. Na verdade, descobre-se que os ortodoxos utilizam as lacunas deixadas tanto pela sociedade moderna ocidental, representada pelo crescente individualismo, quanto pela própria comunidade judaica, incapaz de fornecer alternativas á identidade judaica religiosa,
para reforçar a tradição e penetrar nos círculos não-religiosos por meio da tecnologia (internet, correio, telefone, fax etc) fornecida, ironicamente, pela Modernidade. Esta dinâmica do movimento, percebida na cerimônia do shabat, supre as necessidades de uma certa identidade judaica juvenil na atualidade.
O aparente paradoxo também se explica pelo fato de a seita Habad, por ser missionária, ter de, necessariamente, fazer compromissos com a "pureza" da tradição. As estratégias utilizadas pela congregação para atrair o maior número possível de jovens (não só, mas principalmente) torna menos rígidas as barreiras que separam os "de dentro" dos "de fora". O que ocorre é uma troca simbólica. Os
jovens reconhecem na sinagoga ortodoxa o "judaísmo autêntico" por meio de uma ligação simbólica com seus ancestrais, um sentido de continuidade do passado, sem que isto ameace sua integração na vida moderna. A sinagoga pode ser encarada até como mais uma atividade de lazer, um símbolo religioso secularizado.
Pelo lado dos rabinos, há a percepção de que os jovens judeus cariocas não querem seguir a teologia tradicional, mas o simples fato de comparecerem ao serviço religioso do shabat já é um símbolo de pertencimento ao povo judeu. Ambos os lados fazem concessões quanto ao modo de encarar o pertencimento ao grupo, nenhum dos dois está colocado além do debate entre Tradição e
Modernidade.
O processo de identificação com o grupo étnico judaico envolve, nos diferentes momentos históricos, uma série de formas culturais características: a literatura, a música folclórica, a culinária, a dança, a religião, a língua. Vimos que a sinagoga sempre foi, em toda a história do povo judeu, um ponto de encontro para o estudo, as orações e o bate-papo entre amigos. Apesar de não-religiosos, estes jovens judeus cariocas encontraram nela um novo espaço de sociabilidade. Sua trajetória ajuda a explicar o porquê da sua centralidade para o estabelecimento de relações sociais.
Se até a entrada na faculdade a vida social dos entrevistados gravitava em torno de instituições judaicas, como a escola judaica e os movimentos juvenis, a partir de então a quantidade de atividades para a faixa etária pós-escola, universitária, diminui consideravelmente. A sinagoga, que nunca deixou de ser um ponto de referência para a identidade judaica, volta a ser uma fonte de sociabilidade e identificação com o judaísmo para muitos jovens que a freqüentavam apenas nas festas tradicionais (Rosh Hashaná, Ano-novo, e Yom Kipur, Dia do Perdão) e nas cerimônias de bar-mitzvá. Ela passa a fornecer o sentido de continuidade com o passado, os elementos que permitem estabelecer as fronteiras entre o "nós" e o "eles".
A importância da religião na definição do judaísmo e do que é ser judeu para eles caminha junto com o caráter subjetivo e sentimental tomado pela idéia de pertencimento ao grupo.4 Reunir-se na sinagoga, com outras pessoas iguais a si mesmo, e participar coletivamente das orações, dá uma sensação de conforto espiritual, mesmo que por uma ou duas horas, uma sensação de sentir-se "em casa" (DaMatta, 1979). Na "rua", ao contrário, onde o indivíduo está permanentemente lutando pelo progresso material, "passando por cima" dos outros e seu valor é quantificado pelo que tem e não pelo que é, o jovem se sente desamparado. Na sinagoga, ele encontra uma série de produtos simbólicos, apropriados de acordo com a necessidade do momento: respeito, compreensão, solidariedade e um sentido para sua vida, além das prédicas da autoridade religiosa da congregação, o rabino.
Eu saio leve da sinagoga, é o único momento da semana que eu me desligo, desligo o celular, desligo mentalmente de tudo, realmente deleto tudo que aconteceu na semana, relaxo totalmente. Se eu não vou, sinto falta, acho que a pureza das pessoas que tão lá, pensando no bem naquele momento, ninguém quer o mal de ninguém, ninguém tá pensando em trabalho, em dinheiro, com pressa de sair... tá ali pra relaxar. Pra mim, hoje, é fundamental. Eu vou porque eu respeito, acho muito legal, até porque, hoje em dia, é uma maneira de eu me manter ligado á comunidade, ao judaísmo. A única coisa que me liga ao judaísmo, hoje, é a sinagoga. (R., estudante de administração)
O pessoal gosta, se sente bem de ouvir o rabino falar, o pessoal reza, todo mundo com o sidur [livro de rezas] na mão. A Lubavitch é muito bonita, todo mundo canta junto, o Shemá Israel [Escuta, Israel] é voz forte " (D., promoter)
Partindo do princípio de que a religião é um "sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas, proibidas" e um fenômeno coletivo, dado que reúne "numa mesma comunidade moral todos aqueles que a elas aderem" (DÜRKHEIM, 1996), a escolha da sinagoga (a comunidade moral) será precedida pela definição do que é, para estes jovens, o fenômeno religioso. Para os jovens freqüentadores da Beit Lubavitch, a religião mais verdadeira é aquela que dá continuidade ás práticas dos antepassados, á Tradição, opinião compartilhada pelos rabinos ortodoxos.
Muitos jovens gostam de ir para uma sinagoga tradicional, muitos jovens não gostam de mudanças. Mesmo que eles não pratiquem, mas pode ser que eles saibam que, se é pra ir, vamos num lugar que é a mesma linha há três mil anos. Se é pra não ir, tem muitos lugares pra ir. Se é pra ir, eu vou num lugar que realmente, minha avó, minha bisavó... uma linha tradicional. (G, rabino da Lubavitch)
O judaísmo, equivalente á religião, considerado legítimo ou "verdadeiro", fornece os elementos da Tradição a serem utilizados nesta ligação. Em primeiro lugar, o ritual representa aquele judaísmo que era praticado nos pequenos vilarejos da Europa Oriental. O jovem sente-se "em Lodz de 1912", como dito por uma entrevistada.
Em segundo lugar, a forma como é conduzido o ritual é mais ou menos legítima de acordo com o reconhecimento daquele que o leva adiante. Admite-se que há uma maneira mais verdadeira de se interpretar o texto sagrado, ritualizando-o, a chamada "verdade formular" (GIDDENS, 1997). Os rabinos da Lubavitch parecem simbolizar o legítimo representante da religião judaica. São eles que detêm, com suas longas barbas negras, o chapéu negro e as capotas negras de "três mil anos atrás", a autoridade para definir o que é certo e o que é errado. A existência desta "verdade formular" confere estabilidade ao ritual, imprescindível na busca do referencial identitário, e é o que leva muitos jovens á sinagoga [para] ouvirem o que o rabino tem a dizer. Reconhece-se, na sua figura, a sabedoria e a inteligência necessárias para guiar suas vidas da maneira menos rígida possível.
A função simbólica da Tradição, expressa no ritual, fornece um senso de continuidade, de solidariedade entre a geração passada e a presente. O problema colocado pelo judaísmo conservador, concorrente do ortodoxo no mercado de fiéis, está na sua expressão simbólica, sua eficácia parece estar ligada a uma "economia da mediação" (DOUGLAS, 1970) na qual o rabino deve ter barba e vestir o terno negro. O sistema simbólico que organiza a experiência humana, em nível individual, também se faz presente nos rituais públicos, como o shabat, organizando a sociedade. Assim, temos a Beit Lubavitch como simbolo da fronteira entre a religião judaica "verdadeira" e a "desviante".
Há uma espécie de "complexo rabínico" (LéVI-STRAUSS, 1970) na manutenção desta identidade, possível apenas na relação entre o rabino e o público que comparece ao ritual. O primeiro inicia as canções em hebraico, sendo imediatamente reconhecido como o modo legítimo de agir, então o segundo passa a acompanhá-lo harmonicamente e um sentimento de bem-estar toma conta de todos, porque é um fenômeno coletivo. O compartilhamento cultural, por meio do ritual, induz certas motivações (GEERTZ, 1989), o tal "sentir-se bem" durante o shabat. O caráter subjetivo deste judaísmo juvenil de hoje tem sua maior expressão exatamente na parte musical, em que é mais importante apreciar a melodia e a companhia de dezenas de outras vozes em conjunto do que compreender o que se está dizendo - segundo os entrevistados. A leitura em hebraico e o modo de cantar de "tempos imemoriais" faz a ligação entre o passado e o presente, ao passo que o português seria a deturpação da "verdadeira" religião.
Há uma diferença na forma de conceber a participação de homens e mulheres na cerimônia, envolvendo, de um lado, a ortodoxia da Beit Lubavitch, e, de outro, o caráter mais "liberal" ou "moderno" das sinagogas ARI ou CJB, principalmente a segunda, personificada na figura do rabino Nilton Bonder. Vale a pena citar, para efeito de comparação, o depoimento de um jovem que prefere esta outra sinagoga.
A gente vai no Bonder, que não é tão religioso, mas eu gosto do jeito dele. Posso sentar do lado da minha mãe. [...] Eu gosto do que o rabino fala, todo mundo fala que ele é inteligente e realmente é, fala muito bem. Comecei a ir quando a gente foi fazer a Festa do Sol Nascente no Clube da Barra, que a gente foi divulgar no Bonder e eu adorei, na outra sexta-feira eu voltei e, a partir daí... (R., estudante de administração)
Além da tomada de decisão mais firme dos que escolhem uma das três sinagogas, há aqueles que se vêem presos no dilema apresentado no início: Modernidade ou Tradição ? Nestes casos, não há consenso sobre qual judaísmo é o ideal - o ortodoxo, o conservador ou o liberal. Não se está disposto a abandonar a Tradição e sua simbologia nem a negar que as relações sociais no mundo moderno se modificaram (a relação entre homem e mulher, por exemplo). O problema maior parece ser até onde a Tradição pode ser revista, modernizada, reinventada.
Eu acho que a religião é essa religiosa mesmo, eu acho que tem que ser isso mesmo, porque era assim e não tem que mudar. Mas, ao mesmo tempo, se for assim, pode ser que acabe, então teve que ter mudanças porque se fosse só aquilo... De repente eu já taria só com gói, não taria nem mais aí se não fosse um Bonder da vida. Acho muito importante todos eles que trazem a comunidade, então o que o Bonder faz é judaísmo, só que eu não faço nada. Nem o que o Bonder faz eu faço, eu só vou lá e falo "amém". A Lubavitch seria mais parecida com o que era antigamente. (B., estudante de medicina)
A Beit Lubavitch não é a única representante da corrente ortodoxa no Rio de Janeiro, nem a mais antiga, porém há certos diferenciais que colocam-na como a preferida. Antes de mais nada, o fato de localizar-se num ponto de fácil acesso, visto que muitos moram no próprio bairro do Leblon ou nos limítrofes: junta-se o útil ao agradável, a praticidade e rapidez de chegar ao local e a possibilidade de sentir-se num ambiente amigo.
Sexta-feira ainda não é exatamente noite. De sete ás oito, você se sente bem no lugar, é até um ponto de encontro de jovens da comunidade, que você não perde nada, é só uma hora. A Lubavitch, por ser mais perto de casa, por não precisar pegar carro, procurar vaga, normalmente sinagoga não tem estacionamento, dá pra ir a pé. Não foi por busca espiritual, não tava sentindo falta de rezar, foi porque inauguraram a sinagoga, eu fiquei curioso de conhecer, a maioria dos meus amigos tava freqüentando, e eu não via motivo, se eu não tava fazendo nada nesse horário, pra eu não ir. (R., estudante de administração)
Em segundo lugar, a reza está em harmonia com o "social", encontrar os amigos, que muitos jovens admitem fazer quando vão á cerimônia do shabat ás sextas-feiras. Seguindo o raciocínio do rabino chefe da congregação, diria que tanto a parte material quanto a espiritual se satisfazem quando o jovem, cujo corpo seria dividido nas metades "de cima" (o intelecto) e "de baixo" (instintos), comparece.
Agora, adoro esse negócio... Hoje, a Beit Lubavitch tem muito jovem e isso é muito bom, faz você ir, é um fato positivo. Por exemplo, antigamente, quando eu ia, encontrava duas ou três pessoas e quando não iam era um saco. Quando acabava a reza, eu voltava pra casa. Não que eu não goste... acho que a reza faz bem pra caramba, você sentar lá, ouvir a reza... eu saio de lá muito feliz. Mas você sai de lá e acabou ? Hoje em dia, na Lubavitch, você encontra com todo mundo, isso é legal, combina de sair, sempre tô saindo depois com o pessoal de lá mesmo. é uma parada legal, é um fator a mais, digamos assim. (D., estudante de direito)
Em terceiro lugar, o tratamento dispensado pelos rabinos da congregação a todos os jovens, recebendo-os com um sorriso no rosto e desejando-lhes shabat shalom ("shabat em paz"), passando calor humano e perguntando como é que vão as coisas, é uma forma sedutora de recrutamento. O cumprimento elimina, ou atenua, a imagem da ortodoxia, segundo a qual o rabino deve se portar de
maneira sisuda e os freqüentadores devem se concentrar apenas na leitura do sidur e na união com Deus. Eliminar a tensão, deixá-los á vontade é propaganda positiva da sinagoga.
Os rabinos daqui são jovens, simpáticos, procuram falar com o jovem, chegar até o jovem, não esperam o jovem chegar até eles para falarem shabat shalom. (G., rabino da Lubavitch)
Seu objetivo é claro: evitar que jovens judeus, de ambos os sexos, assimilem-se ao mundo não-judeu por meio dos casamentos exogâmicos ou mistos. Para que este processo se interrompa, as estratégias utilizadas devem estar de acordo com as necessidades e estilos de vida do público-alvo, esta parcela da juventude judaica carioca. Assim, determinados comportamentos exigidos áqueles que seguem a teologia ortodoxa são minimizados quando se trata de nãoreligiosos.
Uma primeira diferença se refere á assiduidade com que se vai á sinagoga, já que a recepção calorosa a qualquer um deles independe da freqüência, se todas as sextas-feiras ou uma vez ao mês.
Todos são recebidos independente de que família você é, se você tem dinheiro ou não tem dinheiro, se você é religioso ou não-religioso, se você vai na sinagoga uma vez por ano ou três vezes por ano, ou uma vez a cada dez anos, não faz a mínima diferença [...]. Uma sinagoga que tá aberta, que tem o interesse de aproximar, que todos possam vir, entender e participar é uma coisa que a Lubavitch tá fazendo no mundo inteiro há 50 anos. (C, rabino da Lubavitch)
Uma segunda concessão feita no sentido de aproximá-los da congregação é a permissão para usarem vestimentas convencionais, na moda entre esta parcela da juventude carioca que compartilha os mesmos valores de classe média, diferentemente das roupas negras e das longas barbas dos homens ortodoxos, e dos longos vestidos e coques das mulheres ortodoxas. A filosofia da congregação é a de que se deve aceitar as pessoas como elas são, independente da corrente de pensamento seguida, contanto que as pessoas que se dispõem a comparecer ás cerimônias respeitem o modo de agir dos ortodoxos. Tornando mais flexível o tipo de judeu que é bem-vindo no shabat, a sinagoga, por meio dos seus rabinos, atrai muitos jovens não-religiosos que procuram a religião esporadicamente para afirmarem sua identidade judaica. Ambos os lados fazem concessões, tentando tirar o máximo de proveito sem agredirem moralmente um ao outro.
Eles são religiosos, são ortodoxos, mas não são aqueles ortodoxos que não aceitam... pelo contrário, eles chamam quem não é, a maioria que tá lá... são muito poucos. Eles são abertos para quem não é, eles acham melhor as pessoas irem... tá de carro,5 vindo do trabalho, mas vem. (I., estudante de arquitetura)
A sinagoga está aberta para todos, nós estamos interessados que todos os judeus possam vir e participar da sinagoga, independente de ele não estar seguindo a mesma linha [...]. Eles se sentem num ambiente em que eles podem se sentir á vontade, ninguém força eles a colocar chapéu e barba pra sentar na sinagoga e, dessa forma, se aproximam. (C, rabino da Lubavitch)
O "fenômeno Lubavitch" está diretamente ligado ao caráter subjetivo, provisório e baseado em múltiplos referenciais que esta identidade judaica juvenil revela (sendo mesmo uma de suas conseqüências). Comparecer ao serviço religioso das sextas-feiras e consumir comida kosher são práticas inseridas numa programação muito mais ampla, que inclui desde a academia de musculação passando pela praia. Por alguns momentos, num dia da semana, este jovem lembra-se que faz parte de uma coletividade particular sem, contudo, atrapalhar as outras atividades que fazem parte de seu cotidiano. Como cada uma das outras, a ida á sinagoga também está condicionada ao tempo gasto, á relação custobenefício, áquela preocupação de "quanto tempo é necessário para renovar os laços de solidariedade com o meu grupo?".
De repente, a Lubavitch chamou um grupo de judeus que tava um pouco afastado, ótimo, é no Leblon, é um pessoal que vai á praia, que sai á noite e vai na Lubavittch. Muitas vezes, o que elestão tentando criar é um grupo e um vínculo, até porque eles sabem que, no Rio de Janeiro, 2% da comunidade judaica, se isso, é ortodoxa. [...] Até porque a juventude é o futuro da comunidade. (B., estudante de jornalismo)
O jewish way of life, pra mim, é o meu. Às vezes, ir á sinagoga; ás vezes ou regularmente, ir á Hebraica, pensar no futuro próximo com a minha namorada que eu quero casar com ela, quero ter filhos, quero passar a continuidade, quero fazer trabalho comunitário quando der. (M., estudante de jornalismo)
Este grupo não se encaixa, grosso modo, em nenhuma das três correntes descritas acima, realiza uma constante bricolage de elementos próprios de cada uma delas. No caso da Lubavitch, especificamente, os jovens não compartilham da noção de redenção messiânica, característica da ortodoxia, mas também rejeitam qualquer iniciativa de repensar a identidade judaica á luz dos valores universalistas modernos, elaborando um discurso reflexivo e objetivo. O judaísmo deste grupo perdeu sua aura moderna, retornando á situação pré- moderna em que o discurso era menos baseado numa "razão" universalista do que na subjetividade. A identidade destes jovens necessita de respostas rápidas para seus múltiplos referenciais, para sua necessidade de vínculo a algum grupo num mundo cada vez mais individualista, fragmentado. A Lubavitch oferece uma solução para todas as questões que os afligem, sem obrigá-los a tornarem-se religiosos, mas com a esperança de que isto venha a acontecer algum dia.
A crise do judaísmo moderno (GRIN, 1997), baseado nas "diferentes estratégias de assimilação desenvolvidas através de justificativas coerentes com as idéias iluministas e suas premissas universais; pela adequação do judaísmo aos diversos movimentos político-ideológicos da modernidade tais como: liberalismo, socialismo e nacionalismo; pela definição plural da identidade judaica; pelo crescente enfraquecimento do judaísmo rabínico; pela tensão entre os pólos tradição/modernidade, etnicidade/cidadania nacional, público/privado, sentimento/razão e pelo caráter autojustificatório associando judaísmo á ética humanitária e á justiça", fortaleceu sua vertente mais subjetivista. A valorização do emocional em detrimento do raciona l fortaleceu a religiosidade mais tradicionalista, como a Lubavitch, que enfatiza mais o fato de o jovem sentir-se bem durante a cerimônia do que propriamente a aceitação de suas premissas teológicas.
A demanda desta identidade jovem judaica exige que a satisfação individual, ao se encaixar na coletividade, seja eficiente sem tornar-se dependente de formas permanentes e hierárquicas de identificação, tolhendo a liberdade de escolha e o fluxo entre os diversos domínios da vida social. Esta identidade é menos substantiva e mais calcada no simbolismo do ritual.
Se o judaísmo é identificado com a religião, a sinagoga, que é o espaço onde a crença toma corpo por meio do ritual, vai funcionar como catalisadora da sensação de pertencimento. é fundamental que a sinagoga faça com que o jovem sinta-se bem durante sua permanência e isto é conseguido, por exemplo, com o conforto das poltronas, pelo sistema de ar condicionado, pela moderna arquitetura do edifício, pela simpatia dos rabinos, pelo sentimento de que aquele é o judaísmo "verdadeiro". O conforto material faz parte, então, das exigências de uma juventude de classe média, que compartilha um certo estilo de vida e uma concepção de mundo cujo maior exemplo foi uma das sextas-feiras em que o sistema de refrigeração da sinagoga quebrou, levando uma enorme quantidade de jovens para o lado de fora. A cerimônia, inclusive, estava ainda na metade.
A religião judaica compatível com seu estilo de vida e fragmentação de identidades deve fornecer inúmeros atributos passíveis de escolha, de acordo com a situação, associando o mundo secular da juventude carioca ao mundo religioso da sinagoga. Talvez as críticas severas dirigidas ao rabino Nilton Bonder, representante da corrente conservadora no Rio de Janeiro, devam-se ao fato de a maioria destes jovens não estar disposta a formular, de modo discursivo, sua identidade judaica. Aqueles que aderem a esta outra concepção do judaísmo devem aprofundar-se nas problemáticas levantadas pelas mudanças trazidas pela Modernidade, como a permissão dada ás mulheres de "subir á Torá" (fazer a leitura de trechos do Pentateuco). Tendo em vista esta demanda, a Habad conseguiu preencher a lacuna deixada tanto por reformistas quanto por conservadores, estabeleceu um diálogo entre a vida urbana desta juventude judaica carioca com as carências produzidas por este mesmo estilo de vida moderno e individualista.
é preciso compreender até que ponto os jovens estão dispostos a incorporar a Tradição a suas vidas, e a partir de que momento ela passa a ser um empecilho ao seu estilo de vida moderno. Chegar na hora que bem entende; vestir-se "á paisana", sem as exigências impostas aos ortodoxos; e deixar de praticar determinações divinas, como consumir comida kosher, não são consideradas transgressões imperdoáveis pelos rabinos da Beit Lubavitch. Na verdade, segundo seu ponto de vista, deve-se sempre olhar pelo lado positivo, ilustrado pelas inúmeras fábulas típicas do movimento hassídico, tendo em conta que "o que vale é a intenção". Além disso, tem-se a esperança de que a percepção de que aquele judaísmo é o verdadeiro possa atrair jovens para as fileiras de seguidores da ideologia fundamentalista messiânica da Habad. Fazer teshuvá, ou "retornar" ao judaísmo, por meio de seus ensinamentos, é o objetivo máximo da congregação, mesmo que se chegue nos últimos cinco minutos da cerimônia, já que o processo de redenção é lento, porém progressivo. Até mesmo a separação dos sexos deixa de ser um empecilho ao jovem, se este elemento da Tradição não estiver em contradição com o que ele espera da sinagoga.
Se, por exemplo, meu pai fosse, eu gostaria de estar junto dele. Só que meu pai não vai. Então pra mim não faz diferença, porque eu vou com a minha avó. Eu gosto de estar com a pessoa que eu fui. Eu não iria na Lubavitch pra ficar sozinha. Se for pra sair de casa e chegar 20, 30 minutos atrasada, eu não vou. (S., estudante de desenho industrial)
Por outro lado, a proibição de sentar-se junto com a namorada ou com a mãe pode incomodar de modo tão profundo que a Tradição passa a ser rejeitada em favor de uma corrente que forneça um outro significado legítimo á judeidade. Esta tensão entre a Tradição e a Modernidade demonstra o valor que a ortodoxia goza neste meio juvenil que não parece disposto a incorporá -lo nas suas vidas. A sinagoga ortodoxa e seu representante, o rabino de barba e chapéu, são importantes como referência a um passado, mas não deve ser parte de seu presente, seu cotidiano. Esta identidade juvenil acha, na sinagoga ortodoxa, um referencial coletivo, um sentimento de pertencimento, de estabilidade. Nela, responde-se ás perguntas "quem sou eu ?", "de onde venho ?", "para onde vou ?".
Cada sinagoga da Habad está aberta a qualquer judeu, envolvendo-se em trabalhos sociais, seja na preocupação com os problemas individuais de cada freqüentador e o conseqüente envolvimento na sua resolução ou no calor humano passado na recepção a cada sexta-feira. Esta economia da troca simbólica está inserida na concepção de "missão" descrita acima: o objetivo é alcançar a redenção pelo resgate da identidade judaica de cada judeu desgarrado do rebanho. Há duas lógicas agindo ao mesmo tempo, a chamada "compartimentalização" (FRIEDMAN, 1994), uma interna e outra externa. A externa envolve o convencimento, numa linguagem condizente com o estilo de vida moderno, de que aquele é o judaísmo a ser seguido e ele dará a segurança ontológica necessária para continuar vivendo em paz; a interna diz que a "missão" é purificar a alma judaica imersa no ambiente não-judaico.
Os rabinos da congregação têm consciência de que a falta de regularidade na freqüência á cerimônia do shabat está relacionada ao caráter provisório e á importância dada á parte subjetiva do culto, á representação tida por legítima.
Contudo, tentam incutir a idéia de que é necessário absorver o verdadeiro significado daquilo que está sendo feito naquele momento e de todos os preceitos divinos. Numa das prédicas, um dos rabinos da congregação, logo que se colocou de frente para o público, disse que "enxergar o invisível é alcançar o impossível".
Esta frase é uma citação, segundo ele, do Rebe de Lubavitch, o sétimo da dinastia. Fez uma crítica áqueles que só vêem a aparência e se esquecem que todo judeu tem uma essência (palavras dele) que lhe diz "você é judeu". Disse, ainda, que o cumprimento de uma mitzvá (preceitos divinos), por mais esporádico que seja, deve ser lido pelo lado positivo (como vimos acimma, em relação á ideologia daHabad), mas que é de fundamental importância entender o que cada um destes atos significa - em termos religiosos, obviamente. é a disponibilidade de cada
jovem que irá dizer se a intenção deste rabino, e de todos os outros da congregação, terá uma resposta positiva ou negativa.
Apesar afirmarem que não modificam a religião, deixando a cargo dos freqüentadores da cerimônia do shabat a escolha do que será incorporado á sua judeidade, a atração exercida pelos rabinos se deve exatamente á adaptação da ortodoxia ao estilo de vida moderno. Não se importar que se chegue á sinagoga de carro ou com calças coladas ao corpo, realçando a sensualidade feminina, por exemplo, faz parte do processo de negociação de identidades, tanto da sinagoga quanto desta parcela de jovens judeus da Zona Sul. O direito que é dado a cada um de escolher aquilo que será levado para casa dentre os inúmeros símbolos presentes no ritual é conseqüência de uma nova forma de afirmar a identidade étnica judaica.
A Modernidade trouxe a noção de indivíduo, segundo a qual cada ser humano é responsável por seus atos e seus desejos individuais tem prioridade sobre os desejos da coletividade. O indivíduo tem o direito de escolha, tem a liberdade de tomar o caminho que achar melhor para sua vida, seja no lado profissional ou pessoal, na medida em que seu mundo está pautado pelo princípio da igualdade.
Contudo, como parte da sociedade, este indivíduo sente necessidade de relacionarse com outros indivíduos, criar laços de solidariedade e afetividade, compartilhar valores, experiências e símbolos. Assim, transforma-se numa pessoa, um membro do grupo, sente-se bem nele, pois tem o suporte emocional dos outros. Integrados na sociedade moderna, estes jovens cariocas, individualizados no seu cotidiano, encontram, na sinagoga, uma contrapartida. Por algum tempo, renovam os laços de pertencimento ao grupo e "recarregam as baterias" para mais uma semana de estudos e trabalho, até a próxima sexta-feira.
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NOTAS
2 Esta é uma versão modificada do segundo capítulo de minha dissertação de mestrado intitulada Sociabilidade e aliança entre jovens judeus no Rio de Janeiro, orientada pelos professores Peter Fry e Bila Sorj e defendida junto ao PPGSA/IFCS/UFRJ em março de 2002.
3 A raiz da palavra é formada pelas letras h, b e d. H significa "sabedoria"; b, "compreensão" e d, "discernimento".
4 A partir de uma pesquisa realizada com alunos do ensino médio do colégio judaico Eliezer Steinbarg, no Rio de Janeiro, Grinberg (1997) afirma que, também entre jovens de 15 e 16 anos, a condição judaica passa mais pelo sentimento do que propriamente por uma compreensão racionalizante dos rituais, por exemplo. Diz ela: "As pessoas demonstram dar mais importância á identificação emocional, não considerando preponderante o conhecimento acerca da religião ou da história, nem mesmo a observância de práticas religiosas. Ter uma vaga idéia de o que são as festas [...] seria o suficiente para sentir-se judeu, como disseram muitos." (grifo meu)
5 Conta a tradição religiosa que, durante o período em que os judeus permaneceram no deserto, 40 anos, foi construído um tabernáculo. Para tal tarefa foram realizados 39 trabalhos que, durante o shabat, o descanso semanal, devem ser abolidos. Um deles é fazer fogo, daí a proibição de andar de carro pois, ao se ligar a ignição, é produzida uma faísca. Não há relação com o esforço físico, trabalho
braçal.
Autor:
Marcelo Gruman
marcelogruman[arroba]funarte.gov.br
Antropólogo, Doutor em Antropologia Social (PPGAS/MN/UFRJ), Administrador Cultural/FUNARTE
Mestre em sociologia pelo PPGSA/IFCS/UFRJ.
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