Rudolph
von Ihering é considerado, com justiça, um extraordinário jurisconsulto,
rivalizando certamente, dentro do âmbito filosófico do século XIX, com Savigny.
Dele disse Edmond Picard, autor de "O Direito Puro", Senador, professor da
Universidade de Bruxelas e representante da Ordem dos Advogados na Corte de
Cassação da Bélgica, que Ihering, extraordinário jurisconsulto, o maior do
século XIX, vãmente posou de romanista e que malgrado suas obras consagradas ao
estudo aprofundado do Direito Romano ("O Espírito do Direito Romano"), na
realidade seu gênio jurídico tirou-o dos limites demasiadamente estreitos desse
estudo, para levá-lo a proclamar algumas das verdades jurídicas mais significativas
e mais profundas.
Assim, toda sua vida Ihering trabalhou no desenvolvimento de sua tese básica,
constante de um dos capítulos do "Espírito do Direito Romano", na qual
Ihering, afastando-se das teorias geralmente admitidas, desde Hegel, segundo as
quais a substância do Direito consiste na vontade, estabeleceu que os direitos
nada mais são do que decorrentes de uma noção de utilidade ou de interesse
juridicamente protegido. Daí, Ihering partiu para uma tese nova, mais
abrangente, pertinente á finalidade da ordem jurídica, aplicando ao Direito a
teoria da evolução.
Ihering trabalhou toda sua vida nessa obra, inacabada, na tentativa de provar
que o objetivo cria todo o direito e que não existe um só princípio jurídico
que não deva sua origem a um objetivo, isto é, a um motivo prático.
Mas é com "A Luta pelo Direito", no original "Der Zweck im
Recht", considerada por Laveleye a "Bíblia da Humanidade
Civilizada", que Ihering desenvolve uma das teses fundamentais do
positivismo jurídico e insculpe definitivamente seu nome dentre aqueles que
mais contribuíram para a construção do arcabouço jusfilosófico moderno.
"A Luta pelo Direito", antes de ser revista e publicada, foi
originariamente resultado de uma conferência proferida por Rudolph von Ihering,
na primavera do ano de 1.882, na Sociedade Jurídica de Viena.
O próprio autor não a considerava uma tese de pura teoria jurídica, mas uma
tese de moral prática, destinada principalmente a despertar nos espíritos essa
disposição moral que deve constituir a força suprema do Direito: a manifestação
corajosa e firme do sentimento jurídico (prefácio, escrito em 24.12.1888).
Acreditava Ihering que o sucesso de sua tese, com as sucessivas reedições de
seu trabalho, era devido á convicção dominante no grande público da exatidão da
idéia fundamental, que era para ele tão incontestavelmente justa e irrefutável,
que consideraria perdido o tempo que porventura gastasse a defendê-la contra
aqueles que a combatem.
Ihering não considerava nova sua tese. Cita, por isso, Kant: "Aquele que
anda de rastos como um verme nunca deverá queixar-se de que foi calcado aos
pés", para finalizar considerando que essa idéia, cerne de seu trabalho,
está escrita e enunciada de mil maneiras no coração de todos os indivíduos e de
todos os povos enérgicos e que seu único mérito pessoal consiste em tê-la
estabelecido sistematicamente e desenvolvido com rigorosa exatidão.
Finalmente, antes de iniciar o desenvolvimento de sua tese, Ihering faz um
duplo pedido a seus leitores: o primeiro, no sentido de que não procurem
desnaturar suas idéias, para criticá-las, porque seu trabalho não significa a
defesa da discórdia, dos pleitos, do espírito questionador e demandista, mas
apenas repele a indigna tolerância da injustiça, que é o efeito da covardia, da
indolência, do amor ao descanso; o segundo, o de que ou o leitor concorde com
suas idéias, ou não se limite tão-somente a desaprovar e negar sem ter uma
opinião própria, que possa resolver o dilema de qual deve ser a atitude de
alguém que tenha seu direito calcado aos pés. Afirma assim Ihering que aquele
que puder opor á sua resposta uma outra solução defensável, isto é, conciliável
com a manutenção da ordem jurídica e com a idéia da personalidade, tê-lo-á
batido.
Hoje podemos afirmar que esse duplo pedido foi certamente diversas vezes
desatendido, mas é também certo que dificilmente outra solução poderá ser mais
apropriada que a brilhantemente exposta pelo ilustre jurisconsulto germânico.
Para Ihering, a paz é o fim que o Direito tem em vista e a luta é o meio de que
se serve para o conseguir. A vida do Direito é uma luta: luta dos povos, do
Estado, das classes de indivíduos.
Todos os direitos da humanidade foram conquistados através da luta e todas as
regras básicas de qualquer ordenamento jurídico, diz o autor, devem ter sido,
na sua origem, arrancadas áqueles que a elas se opunham e todo o direito, quer
o de um povo, quer o de qualquer particular, faz presumir que se esteja
decidido a mantê-lo com firmeza (ou será perdido).
Essa a idéia central da monografia que ora examinamos e que o Autor desenvolve
com invulgar brilhantismo e com a copiosa construção de exemplos, tirados ás
vezes da vida real e outros da literatura (Shakespeare, v.g.).
O Direito não é pura teoria, mas também não é a força bruta e por isso a
Justiça sustenta numa das mãos a balança em que pesa o direito e na outra a
espada de que se serve para defendê-lo. A espada sem a balança será a força
bruta, a dissolução do ordenamento jurídico do Estado pelo regime arbitrário cuja
palavra seja a própria norma jurídica; a balança sem a espada será a impotência
do Direito, a falência das instituições jurídicas, posto que a norma
abstratamente considerada, sem suporte no aparelhamento coercitivo do Estado,
não poderá ser aplicada e assim também não constitui uma norma jurídica.
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