Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
Cabe ressaltar, de plano,
que o conceito aqui abarcado não se preocupa, sob qualquer aspecto, com o
inadimplemento do indivíduo revestido da capacidade empresária, até porque, o
interesse desenvolvido pelo referido indivíduo, perde de imediato, seu caráter
individualista para consagrar-se ao direito coletivo, na exata medida que
envolve interesses diversos, inclusive atingindo - guardadas as devidas
proporções - certo grau de interesse público, observada a característica
principal da atividade empresária é a produção de bens e serviços que serão
consumidos por vários, e por que não todos, os indivíduos da sociedade.
Nesta mesma vertente, convém
evidenciar, que a falência é um instituto que vai diretamente de encontro ao
estado patrimonial, interessando os efeitos que a mesma produz junto ao
conjunto de bens econômicos envolvidos da operação empresária, razão pela qual
deve ela concretizar-se em verdadeiro processo executivo, com aduz o iminente
doutrinador SAMPAIO DE LACERDA (2), para o qual "a falência se caracteriza
como um processo de execução coletiva, decretado, judicialmente, dos bens do
vendedor comerciante ao qual concorrem todos os credores para o fim de
arrecadar a patrimônio disponível, verificar os créditos, liquidar o ativo,
saldar o passivo, em rateio, observadas as preferências legais".
Sob esse enfoque cristaliza-se
o caráter dúplice da falência, não apenas enquanto instituto econômico e
jurídico, mas também, sob o aspecto jurídico, de natureza material e processual
ao mesmo tempo. Material porque é a insolvência que se constitui em pressuposto
que concede validade e eficácia ao instituto e não menos que impor um regime
jurídico decorrente do procedimento necessário para a solução do estado
falêncial com vistas a sanar os efeitos dele decorrentes.
Ainda na análise do
Decreto-Lei 7661/45 temos o outro instituto que o integrava, qual seja, o da
concordata, pelo qual, por meio de pedido judicial, podia o empresário, em
dificuldades financeiras, requerer a remissão parcial de suas dívidas e a
dilação de prazo de vencimento de suas obrigações, afetando apenas os créditos
de natureza quirografária, excetuando-se os demais, em especial aqueles
decorrentes de garantias reais e trabalhistas.
Tal instituto deixava a
desejar na medida em que inexigia a participação efetiva dos credores que
ficavam sujeitos a uma decisão judicial de mão única, sem direito a
interferência, mesmo que de natureza meramente declaratória de vontade e,
ainda, revestida de fim em si mesmo, sob a qual todos ficariam sujeitados de
forma inderrogável ou mesmo impessoal ao decisório prolatado em sede judicial,
espraiando efeitos e jungindo-se de caráter constitutivo de direitos e
obrigações.
O conjunto acima analisado,
por fim, recebendo as feições de texto legal a todos aplicáveis, constituía-se,
então, no mecanismo mais moderno - a época de sua edição - para sanar e ao
mesmo tempo sanear a atividade empresarial, bem como propiciar o necessário
equilíbrio que a atividade econômica - meio no qual a atividade empresária
encontrava-se imiscuída - carecia para desenvolver-se de maneira adequada.
Veja-se aqui, apenas como
pano de fundo, o caráter histórico da medida, posto que o país encontrava-se em
pleno processo de desenvolvimento, razão pela qual, exigia uma legislação que
assegurasse que tal desenvolvimento não incorreria em efeitos danosos e
indesejáveis ao meio social e econômico. época de pós-guerra mundial,
reconstrução de países e de economias desvalidas por anos seguidos de perdas e
sofrimentos, situava-se o país em condição exigível pelas demais nações de
desenvolver-se para acompanhar a reconstrução e dela obter frutos que lhe
dispusessem um novo enquadramento no cenário internacional, inclusive quanto a
política do progresso para todos que tornou-se o verdadeiro mote que iria
alimentar as expectativas dos anos seguintes. O empreendimento
profissionalizado exercido por indivíduos aptos e capazes, unido ao capital
externo e interno facilmente capitalizáveis para toda a sorte de investimentos
promissores e com a necessária capacitação do meio econômico, eram os
instrumentos mais que necessários e suficientes para gerar a predisposição
esperada pelas autoridades governamentais, a fim de funcionar como motor de
partida para o crescimento econômico que estaria se delineando no horizonte
futuro da humanidade.
Não devemos nos esquecer
que, aliado a esse cenário tínhamos ainda o sopro favorável dos bons ventos da
democracia que surgira triunfante frente aos sistemas totalitários que haviam
manchado o mundo com sua mão de sangue e com seus pés de ferro e, da mesma
forma, desaparecido frente a vontade, ao suor e ao sangue daqueles que haviam
dado suas vidas, suas juventudes e seus anseios para ver libertada dos grilhões
as gerações que ainda estavam por vir.
Mutatis mutandis, temos o
Decreto-Lei 7661/45 como um dos instrumentos que compunham o arcabouço
jurídico-estrutural capaz de sustentar o desenvolvimento econômico, mesmo se
considerado que o cenário histórico ainda não cogitava em termos de
globalização e desenvolvimento econômico sustentável ou ainda de direitos e
deveres de empresários e consumidores, bem como o papel não-intervencionista do
estado, submetido que se estava a euforia resultante do fim da guerra e início
de uma nova era de prosperidade e segurança.
O verdadeiro efeito
"ressaca" dos anos oitenta e noventa, mostrou que a euforia desde
muito já havia se ido e com ela todas as expectativas de perfeito equilíbrio
tanto do sistema econômico como também do sistema político. O horizonte, no
entanto, não era negro ou delineado de tempestades e desespero, posto que, na
verdade, o que se conseguia distinguir era um desequilíbrio também necessário
para que a humanidade desse mais um passo rumo a sua evolução.
Vieram, então, a globalização,
a formação dos blocos econômicos e a dissipação do sistema bipolarizado de
poder composto pelo imperialismo disfarçado dos Estados Unidos de um lado e da
ameaça vermelha do socialismo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas de
outro, dando lugar a blocos de países com interesses comuns, tanto na área de
livre comércio como na área de política econômica. Os grandes conglomerados
fabris verticalizados deram lugar aos grupos econômicos empresariais
horizontalizados e constituídos de capital oriundo de todas as partes do mundo,
capital esse também chamado de volátil ou ainda de mercenário, uma vez que a
bandeira que empunhava não era a da nação mas sim a de seus próprios
interesses, migrando para outras bandas sempre que a situação deixava de ser interessante
ou ainda tornava-se ameaçadora de suas perspectivas.
Desenhava-se aqui a regra do
zero absoluto, pela qual todos os empresários estariam sujeitos ao estado de
crise que, funcionando como verdadeiro efeito dominó gerava efeitos a todos
aqueles que compusessem o sistema produtivo, fazendo-os retornar a situação
inicial (zero absoluto), onde todos perdiam suas prerrogativas, oportunidades e
privilégios conquistados a duras penas, submetendo-se a necessidade de captar
recursos de capital junto a um mercado volátil e também sujeito as
instabilidades concernentes a intervenção do Estado no domínio econômico de
forma imperiosa e ausente de bons critérios de igualdade e de oportunidade.
Desse exato modo tinha-se,
agora, uma situação em que empresários de menor porte encontravam-se plenamente
sujeitos ao não muito doce sabor das ondas deste capital acima descrito,
impondo-lhe um estado de plena constante vigilância, quando se tratava de
empreendedor voluntarioso, e de suspeita de atividade quando o empresário
preferisse optar pelo meio mais fácil de fugir de seus compromissos assumidos,
qual seja, o da quebra do empreendimento.
Neste diapasão, o
Decreto-Lei 7661/45 mostrava-se insuficiente e desatualizado, permitindo ações
evasivas dos empresários e incertezas até mesmo doentias dos investidores e
consumidores que compunham o balao de ensaios do mercado e da atividade
econômica. A situação do país, enquanto economia emergente, dava sinais de sua
fragilidade e incapacidade de recuperar-se das instabilidades que o momento
internacional lhe impunham, tornando ineficaz qualquer ação governamental que
não redundasse em intervenção plena e simples no sistema econômico, cujos
resultados não eram - via de regra - aqueles esperados pelo conjunto da
sociedade.
O texto constitucional,
promulgado no ano de 1988, trouxe em seu bojo uma clara delineação de quais
eram os rumos que a população ansiava em ver realizados tanto a curto como
médio e longo prazo: estabilidade social, equilíbrio empresarial aliados á um
desenvolvimento econômico sustentável capaz de suprir suas próprias
necessidades de recursos, em especial aqueles de ordem financeira (capital).
Esta visão encontrava-se expressa no corpo do texto conforme se vislumbra no
inciso II do artigo 3° da Constituição Federal, pois desenvolvimento nacional
revela-se como desenvolvimento econômico sustentável.
Todavia, cabe evidenciar que
o inscrito acima não era o único a consagrar tais anseios, pois o legislador
constituinte almejou muito mais do que uma manifestação genérica, reservando ao
título VII da Constituição Federal, em especial no seu artigo 170, a
consagração da livre-iniciativa, livre-concorrência e pleno emprego,
pressupostos basilares da economia de mercado associado com o caráter
assecuratório de que tais pressupostos deveriam ser observados tantos nas
relações internas quanto nas externas, uma vez que este princípios também eram
objeto de sagração mundial.
Na esteira da Constituição
Federal sobrevieram diversas legislações que tinham por objetivo primordial
tornar exeqüíveis alguns dos dispositivos nela elencados de forma não
auto-aplicável, como a lei n°: 8.078/90, nominada como Código de Defesa do
Consumidor e outras mais, relativas a agências reguladoras, código de águas, e
tantas ainda que encontram-se em fase de análise pelo poder legislativo com o
intuito de tornar o texto constitucional plenamente eficaz em sua totalidade.
Acompanhando a espinha
dorsal da Magna Carta, sobreveio recentemente a lei 11.101/2005, que se
encontra em período de "vacatio legis", cujo vigor pleno dar-se-á
brevemente, substituindo em sua integralidade o Decreto-Lei n°: 7661/45 e com a
proposta de reorganizar e modernizar a relação entre empresários, investidores,
consumidores e fornecedores e permitindo que surja no cenário nacional uma nova
figura: a figura da recuperação empresarial por via judicial ou extrajudicial,
e com ela a emanação plena para o mundo jurídico de dois princípios
constitucionais expressos de forma implícita no texto original e que, até
então, reservavam-se prerrogativas de verdadeiros princípios originários do
novo cenário mundial de neoliberalismo e não intervencionismo do Estado
respectivamente.
Autor:
Antonio de Jesus Trovão
Página anterior | Voltar ao início do trabalho | Página seguinte |
|
|