- Os juizados especiais no plano legislativo
- Questionamentos sobre a aplicação da lei n° 10.259/01 no âmbito estadual
- Notas de rodapé convetidas em notas de fim
No âmbito do Direito Penal há duas correntes diametralmente opostas: o
movimento da Lei e Ordem e o do Direito Penal Mínimo. Enquanto que naquele
prega-se o aumento da criminalização e penalizações mais rígidas, neste a
descriminação e a despenalização são preocupações constantes, apresentadas como
uma forma mais coerente e eficaz de se promover Justiça.
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Dentre as leis que acolheram a tese do Direito Penal Mínimo estão a Lei n°
9.099/95 (Juizados Especiais Estaduais) e a Lei n° 10.259/01 (Juizados
Especiais Federais).
A Lei n° 9.099/95 veio em atendimento ao mandamento constitucional, previsto no
artigo 98, inciso I, da Lei Maior, que determina à União, no Distrito Federal e
nos Territórios, e aos Estados a criação dos
Juizados
Especiais, "competentes para a conciliação, o julgamento e a
execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor
potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos,
nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por
turmas de juízes de primeiro grau".
Na seara penal, os Juizados Especiais Criminais representam a implantação de um
procedimento criminal diferenciado em nosso ordenamento jurídico. Regido pelos
princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e
celeridade, o novo rito estabelecido busca, sempre que possível, a conciliação
ou a transação, visando à reparação dos danos sofridos pela vítima e aplicação
de sanção não privativa de liberdade (art. 2°, Lei n° 9.099/95).
Em síntese, os institutos da
composição
civil e da
transação penal,
previstos na citada Lei, impelem as partes envolvidas na lide a uma solução
acordada, sem o rigor do formalismo excessivo, objetivando o restabelecimento
da paz social a partir da rápida solução dos conflitos de interesses.
Especificamente no âmbito do Direito Processual Penal, as benesses conferidas
ao infrator são grandiosas, prevendo-se, inclusive, mitigação do princípio da
obrigatoriedade. A composição, quando aplicada, tem por conseqüência a renúncia
ao direito de queixa ou representação, e, por isso, não gera efeitos penais. Na
transação, em que pese a existência de sentença homologatória que atesta uma
sanção voluntariamente aceita pelo agente, não há reconhecimento de
culpabilidade e sequer figura em certidão de antecedentes criminais, salvo para
os fins constantes no artigo 76, §4°,
in
fine, da Lei n° 9.099/95.
Por essas razões, afirma José Eduardo de Melo Sotero que, "inarredável, pois, a
conclusão de que esses institutos conferem ao réu situação jurídica mais
favorável, pelo que alcançam fatos anteriores à vigência, por força da
retroatividade da lei penal mais benigna, uma vez que a imperativa observância
de tal axioma não pode ser resumida à extinção (
abolitio criminis) ou abrandamento de preceitos cominatórios
e/ou sancionatórios".
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é mister observar-se, entretanto, que a aplicação da Lei n° 9.099/95 somente é
possível para as
infrações de menor
potencial ofensivo, cuja definição - não exposta na Constituição
Federal - foi delegada ao legislador infraconstitucional. Destarte, o artigo 61
da citada lei apresentou o primeiro conceito de infrações penais de menor
potencial ofensivo, assim inicialmente consideradas as "contravenções penais e
os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, excetuados os
casos em que a lei preveja procedimento especial", restando pacificado o
entendimento de que todas as contravenções penais, mesmo possuindo rito
especial, seriam infrações penais de menor potencial ofensivo.
Ressalta-se, todavia, que, num primeiro momento, a Carta Política determinou a
criação dos Juizados Especiais somente nos Estados e no Distrito Federal, com a
competência para julgamento, portanto, da Justiça Estadual. Apenas em 1.999,
com a aprovação da Emenda Constitucional n° 22, de 18 de março de 1.999, é que
foi introduzido no artigo 98 da Lei Maior seu parágrafo único, possibilitando à
lei federal dispor sobre a criação de Juizados Especiais no âmbito da Justiça
Federal.
Desta vez, a ordem constitucional foi concretizada a partir da publicação da
Lei n° 10.259, de 12 de julho de 2001, a qual, em seus artigos 1° e 2° dispõe: "São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça
Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na
Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995." (art. 1°) e "compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça
Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo" (art. 2°).
Ocorre que a Lei n° 10.259/01 trouxe, no parágrafo acrescido ao seu artigo 2°,
um novo conceito para as infrações penais de menor potencial ofensivo, assim
consideradas, hoje, aquelas referentes aos "crimes que a lei comine pena máxima
não superior a dois anos, ou multa".
Percebe-se o aumento em relação à pena máxima considerada para as infrações de
menor potencial ofensivo e a ausência de qualquer disposição acerca de
contravenções e delitos com ritos especiais. Outrossim, o legislador foi omisso
em disciplinar sobre a possível extensão deste conceito para o âmbito estadual,
inquietando a comunidade jurídica e fazendo brotar inúmeros questionamentos e,
por conseguinte, entendimentos diversos sobre o tema.
Perturbam-se os estudiosos do direito com os efeitos jurídicos decorrentes dos
novos dispositivos trazidos à baila pela lei que regulamenta os Juizados
Especiais Federais. Questiona-se se o artigo 61 da Lei n° 9.099/95 teria sido
ab-rogado pelo artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01, visto que este deu
nova definição às infrações de menor potencial ofensivo.
Há quem sustente a manutenção de dois conceitos distintos para infração penal
de menor potencial, um a ser aplicado na Justiça Estadual, outro na Justiça
Federal. Outros entendem que o artigo 61 da Lei n° 9.099/05 não mais tem
aplicação em nosso meio, devendo ser considerado apenas a definição enunciada
no artigo 2°, parágrafo único, da Lei n° 10.259/01. Outros ainda defendem um
conceito híbrido, composto parte pela lei mais nova, parte pela lei primeira. O
cerne da questão, todavia, é sempre o mesmo: após o ingresso no mundo jurídico
da Lei dos Juizados Especiais Federais, qual conceito de infração penal de
menor potencial ofensivo deve ser utilizado na Justiça Estadual?
Uma corrente minoritária da doutrina e da jurisprudência entende que a
Constituição Federal distinguiu as Justiças Estadual e Federal, para fins de
instituição dos Juizados Especiais, e, por isso, os sistemas criados pelo
legislador infraconstitucional (Lei n° 9.099/95 e Lei n° 10.259/01) são
distintos, autônomos, com regras próprias e requisitos específicos.
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Os defensores da tese restritiva sustentam que o conceito de infrações de menor
potencial ofensivo trazido pela Lei n° 10.259/01 deve apenas ser utilizado para
os crimes de competência da Justiça Federal. Para eles, a intenção do
legislador em restringir o novo conceito estaria demonstrada na expressão "para
os efeitos desta Lei", contida no parágrafo único do artigo 2° da Lei n°
10.259/01,
4 e em seu artigo 20,
5 onde, afirmam, consta
vedação expressa de aplicação da Lei n° 10.259/01 no juízo estadual.
Ao tratar sobre o tema, Paulo Martini assevera que, in verbis: