Encontra-se em fase de consulta pública, no Senado Federal, o novíssimo Projeto de Lei do Senado (PLS) n.º 150/2006, apresentado pela Senadora Serys Slhessarenko, trazendo disposições específicas sobre a repressão ao Crime Organizado, bem como regras atinentes á instrução criminal, delação premiada, acesso a dados, entre outras providências, inclusive com a definição do termo "crime organizado" para fins penais.
Em que pese a louvável iniciativa do legislador ordinário em abordar assunto de tal relevância, entendemos necessário tecer algumas considerações e propor sugestões visando tornar a lei mais combativa e eficiente, especialmente quanto á definição e tipificação do crime organizado e ás disposições tendentes a regular a coleta de provas para a demonstração da atividade delituosa.
Como bem ressalta a exposição de motivos do projeto, é árdua a tarefa de se definir a expressão "crime organizado". Poucas foram as legislações que ousaram fazê-lo para fins penais, considerando a dificuldade, senão impossibilidade, de se englobar em um conceito jurídico-penal todos os casos, formas e nuances com que a atividade se apresenta na realidade fática. O risco da existência de "claros" no conceito adotado permitiria posteriores alegações de atipicidade das condutas dos agentes envolvidos.
Isso porque ainda não há unanimidade na definição de quais requisitos diferenciariam um dado grupo organizado, voltado a uma ou mais atividades criminosas, que poderia configurar uma simples quadrilha, de um outro grupo criminoso com as mesmas características, mas que se encaixaria no pretenso conceito de crime organizado.
A estabilidade da organização, a quantidade numérica e permanência de seus integrantes, a divisão de tarefas e a estruturação da "entidade", a especialidade criminosa e a corrupção de agentes públicos, são características citadas como recorrentes nas organizações criminosas. Ainda assim, tais requisitos podem ou não ser identificados na atuação dos grupos criminosos, ou mesmo se apresentar de modo insuficientemente claro para permitir que se afirme, com precisão, que se está diante do fenômeno da criminalidade organizada.
Apesar disso, e buscando uniformizar as ações preventivas e repressivas dos países que vêm enfrentando os malefícios trazidos pela atividade do crime organizado, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, para aplicação em âmbito mundial, a "Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional", também conhecida como "Convenção de Palermo", que foi ratificada pelo Brasil e inserida no ordenamento jurídico pátrio através do Decreto n.º 5.015 de 12 de março de 2004.
A Convenção buscou não só definir o conceito de crime organizado ("grupo criminoso organizado", em tradução oficial), como também relacionou os crimes afetos á criminalidade organizada, estabelecendo normas para cooperação internacional e previsões legais a serem adotadas pelos países signatários.
Vê-se que ao ser inserida em nosso ordenamento jurídico, a Convenção passou a ter força de lei ordinária e ser de observância obrigatória, mormente para efeitos internacionais, razão pela qual as propostas de criação de leis afetas ao tema no país deveriam guardar harmonia com o que dispõe o instrumento multilateral.
A questão é que, de antemão, constata-se a existência de pelo menos três disposições do projeto de lei n.º 150/2006 que vão de encontro ás normas previstas na Convenção de Palermo1 :
a) a que trata da definição de crime organizado, inclusive em relação á
quantidade de pessoas;
b) a que trata dos tipos de crimes cometidos pelos agentes associados para se
caracterizar a organização criminosa;
c) a que trata da impossibilidade de utilização da infiltração policial entre
as técnicas especiais de investigação.
Em rápida leitura de alguns dos artigos da Convenção, temos que:
"Artigo
2
Terminologia
Para efeitos da presente Convenção, entende-se por:
a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;
b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;
c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;" (...)
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