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Não é á toa que constitucionalistas vêm adotando a teoria mencionada por Jónatas Machado, afirmando que os direitos de personalidade configuram limites constitucionalmente imanentes das liberdades de comunicação, sendo a inversa também verdadeira.11
Relevante ressaltar que, muitas vezes, a relação de tensão havida entre tais direitos (honra e livre expressão) não consegue ser amenizada tão-somente por meio de apelo ao valor da dignidade humana, já que ambos nela se escoram.12
Nesse sentido, vale lembrar a lição do constitucionalista chileno Humberto Nogueira Alcalá, verbis:
Nos caso de colisão do direito á liberdade de opinião e de liberdade de informação com o direito á honra ou o direito á privacidade deve realizar-se a ponderação de direitos, buscando reduzir ao máximo a eventual afetação de cada um já que ambos constituem aspectos derivados da dignidade da pessoa humana, de cada uma e de todas as pessoas.
Entre os direitos fundamentais não se pode falar de hierarquia de direitos como têm feito alguns de nossos tribunais superiores de justiça, senão de equilíbrio, já que tanto a honra, a privacidade, a liberdade de opinião e de informação se encontram no mesmo nível de direitos humanos e fundamentais protegidos pela Constituição.13
O direito á honra, como os demais direitos de personalidade, não é absoluto, nem ilimitado. Prova disto encontramos na legislação penal pátria, pelo qual o limite da honra resta estabelecido, em alguns casos, pela exceptio veritatis, ou seja, a exceção da verdade, por meio da qual o agente deve provar a veracidade do fato que imputou.
Convém lembrar que tanto o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, como a Convenção Americana de Direitos Humanos protegem a pessoa de "ataques ilegais" á sua honra ou reputação. No entanto, conforme bem citado por Humberto Nogueira Alcalá, uma informação que afete a honra de uma pessoa será lícita e legítima, quando se refere a fatos de relevância pública que questionam a honradez de uma figura pública ou, de uma pessoa privada envolvida em tema de relevância pública e quando existe um interesse legítimo dos membros da sociedade em discutir assuntos que incidam diretamente naquela sociedade.14
Para Alcalá, na área pública, a mácula sobre a honradez não se dá pelo simples fato de se expressar livremente, informando a sociedade sobre determinado ato praticado pelo agente, de forma a duvidar-se de sua honra ou probidade, mas "em tales casos las personas afectadas se deshonran em virtud de sus propios actos".15
Expressar-se livremente é, antes de tudo, uma exigência da sociedade democrática, da qual exige-se o pluralismo, a tolerância e a mentalidade ampla.16 Dessa forma é que o sistema interamericano de direitos humanos enfrenta a eventual colisão de direitos fundamentais havida entre o direito á honra e a liberdade de expressão: a liberdade de se criticar o Poder Público de forma ampla e irrestrita é garantida pela liberdade de expressão, ainda que a crítica seja dura e de mal gosto.17
Sobre a matéria, importa ressaltar o assunto com o relevo ofertado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a seguir descrito:
(...) é especialmente no caso da arena política onde a crítica política se realiza freqüentemente mediante juízos de valor e não mediante declarações exclusivamente baseadas em fatos. Pode resultar impossível demonstrar a veracidade das declarações, tendo em vista que os juízos de valor não admitem prova. De maneira que, uma norma que obrigue ao crítico dos funcionários públicos a garantir as afirmações fáticas têm conseqüências pertubadoras para a crítica da conduta governamental. Ditas normas sugerem a possibilidade de que quem critica de boa fé o governo seja sancionado por sua crítica. Ademais, a ameaça de responsabilidade penal para desonrar a reputação de um funcionário público inclusive com expressão de um juízo de valor ou de uma opinião, pode utilizar-se como meio para suprimir a crítica e os adversários políticos. Mais até, ao proteger os funcionários contra expressões difamantes, as leis de desacato estabelecem uma estrutura que, em última instância, protege ao próprio governo das críticas.18
Diversas têm sido as Cortes Constitucionais que sustentam essa perspectiva de que o debate sobre tema público deverá ser amplo, desinibido, ainda que alcance ataques veementes, cáusticos e desagradavelmente agudos ao governo e seus funcionários e agentes.19
Assim, se estabelecem limites sobre a capacidade do Estado de silenciar seus críticos, sobretudo a imprensa, por meio de procedimentos civis e criminais. A mais importante fonte dessa tese na doutrina constitucional norte-americana operou-se na decisão da Suprema Corte, em 1964, em New York Times v. Sullivan, pelo qual interpretou-se a Primeira Emenda da Constituição Americana (que preconiza a liberdade), conferindo-lhe o significado de que a imprensa não pode ser criminalmente processada por difamar o Estado como entidade abstrata. Aquela Corte limita ainda o poder de servidores públicos receberem indenizações em ações de difamação, eis que tais agentes não podem ser indenizados por afirmações tidas como falsas sobre desempenho de suas atividades, a não ser que provem que aquelas menções foram publicadas com conhecimento ou grave negligência (reckless disregard) sobre sua falsidade.20
Dessa forma se mostra razoável a diminuição da proteção ao direito á honra de uma pessoa pública, sobretudo quando se constata a necessidade de transparência na divulgação de atos praticados por agentes públicos, não constituindo injúria qualquer excesso na publicação e menção daqueles atos. Por esta razão se mostra tão necessária á vivência democrática e pluralista a liberdade de expressão. Nesse sentido, Humberto Nogueira Alcalá afirma que a "faculdade das pessoas de emitir opiniões e realizar uma crítica acerca dos agentes e órgãos estatais (governo, administração, parlamento, tribunais de justiça), é inerente ao regime democrático."21
No entanto, caberá aos juízes, realizar, in casu, a ponderação e analisar os conceitos de relevância pública e veracidade da informação.22 A ausência dessa relevância pública determina a prevalência do direito á honra sobre a liberdade de expressão. é relevante ressaltar que este critério tem sido adotado pelos tribunais internacionais de direitos humanos, tais como a Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
Corroborando tal entendimento, tem sempre declarado o Supremo Tribunal Federal que "a proteção da privacidade e da própria honra não constitui direito absoluto, devendo ceder diante do interesse público, do interesse social" (voto do Min. Carlos Mário Velloso na Petição 577-DF, RTJ 148 (2):367, maio, 1994; e voto do Min. Eros Grau no HC 87.341-3/ PR, fevereiro, 2006).
No histórico julgamento do STF, no Habeas Corpus 82.424/RS, pelo qual discutiu-se o crime de racismo e anti-semitismo, propagado pela publicação de obra literária com referências preconceituosas e discriminatórias, nossa Suprema Corte declarou, verbis:
(...)
As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito á incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica.23
Em sentido subjetivo, deve-se realçar a necessidade de se determinar se o sujeito passivo da informação que macule a honra é pessoa de relevância pública (ou uma figura pública).24 A pessoa pública que adquire notoriedade pelo cargo que ocupa ou pela função que exerce perante o Estado, ou aquela que adquire notoriedade ou projeção por envolver-se com questões estatais, deve se sujeitar a limites mais amplos de críticas á sua honra, assumindo o risco que isso acarreta, do que um particular. Assim, o desenvolvimento da tolerância e pluralismo no regime democrático se diferencia dos regimes autoritários, já que naqueles as pessoas de relevância pública se convertem, conscientemente, em sujeitos passivos da proteção de sua honra em relação ás suas atividades públicas.
Há que se notar que, em comparação ao particular, os agentes do serviço público possuem amplo campo de defesa perante a sociedade, para resguardar a sua honra e rebater as acusações proferidas, sobretudo quanto ao acesso aos meios de comunicação.
Neste sentido, apresentamos a clara manifestação do Tribunal Constitucional Espanhol, no caso em que a liberdade de expressão operacionalizada pelo jornalista José Maria García se opôs ao direito á honra do Presidente da Federação Espanhola de Futebol:
A crítica de uma conduta que se estima comprovada de um personagem público pode certamente resultar penosa - e ás vezes extremamente penosa - para este, mas em um sistema inspirado nos valores democráticos, a sujeição a essa crítica é parte inseparável de todo cargo de relevância pública. E neste contexto, é claro que se trata - independentemente da justiça das apreciações realizadas - de avaliações de uma atuação concreta, e não de meros insultos ou desqualificações de sua função pública ditadas por um ânimo vexatório ou a inimizade pura e simples. 25
Mencionamos ainda o mesmo Tribunal Constitucional Espanhol, em sua Sentença 107/88, que versa sobre o tema em comento da seguinte forma:
"(...) o valor preponderante das liberdades públicas do art. 20 da Constituição somente pode ser protegido pelas matérias a que se referem e pelas pessoas que neles intervêm e contribuam, em conseqüência, a formação da opinião pública, alcançando, então, seu máximo nível de eficácia justificadora frente ao direito á honra, o qual se debilita, proporcionalmente, como limite externo das liberdades de expressão e informação, enquanto seus titulares são pessoas públicas, exercendo funções públicas ou resultam implicadas em assuntos de relevância pública, obrigadas por ele a suportar um certo risco de que seus direitos subjetivos da personalidade resultem afetados por opiniões ou informações de interesse geral, pois assim requer o pluralismo político, a tolerância e o espírito de abertura, sem os quais não existe sociedade democrática. Pelo contrário, a eficácia justificadora de ditas liberdades perde sua razão de ser no suposto de que se exercitem em relação a condutas privadas carentes de interesse público, e cuja difusão e ajuizamento público são desnecessários (...)"26
Dessa forma, para que a liberdade de expressão prevaleça sobre o direito á honra, em caso de colisão entre esses dois direitos, devemos considerar se o ato informado tenha relevância pública para a formação da opinião daquela respectiva sociedade ou se a pessoa afetada pela informação publicada era realmente pessoa que estaria sujeita á transparência e publicidade de seus atos e conseqüentemente, ao escrutínio público. Somente diante de tal análise poderemos ofertar maior ou menor amplitude do direito á honra sobre o direito á liberdade de expressão ou, ao contrário, sobrepujar a livre expressão, tornando tênue o direito á honra.
=> Notas de rodapé convertidas
1 BITTAR, Carlos Alberto apud FARIAS, Edilsom Pereira de.Colisão de Direitos - A Honra, A Intimidade, A Vida Privada e A Imagem Versus A Liberdade de Expressão e Informação.2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2000. p. 134.
Op. Cit. 132.
2 MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de Expressão - Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social. 1ª ed. Coimbra, Portugal: Coimbra Editora, 2002. p. 750.
3 SILVA, Plácido e. Vocabulário Jurídico. 17ª ed. Rio de Janeiro, 2000, p. 400.
4 CUPIS, Adriano apud FARIAS, Edilsom Pereira Farias. Op. p. 134.
5 CAVERO, José Martinez de Píson apud FARIAS, Edilsom Pereira de. Op. Cit.136.
6 MENDES, Gilmar Ferreira. Colisão de Direitos Fundamentais: Liberdade de Expressão e de Comunicação e direito á honra e á Imagem. in Revista de Informação Legislativa, v. 31, nº 122, p. 297-301, abril/junho - 1994.
7 MACHADO, Jónatas E. M. Op. Cit. p. 751.
8 Idem, Ibidem.
9 Idem, Ibidem.
10 FISS, Owen M. A Ironia da Liberdade de Expressão 0 Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública. - tradução de Gustavo Binenbojm e Caio Mário da Silva Pereira Neto - 1ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 49.
11 MACHADO, Jónatas, E. M. Op. Cit. p. 751.
12 MACHADO, Jónatas E. M. Op. Cit. p. 749.
13 Livre Tradução do texto: "En los casos de colisión del derecho a la libertad de opinión y de libertad de información con el derecho a la honra o el derecho a la privacidad debe realizarse la ponderación de derechos, buscando reducir al máximo la eventual afectación de cada uno ya que ambos constituyen aspectos derivados de la dignidade de la persona humana, de cada uma y de todas las personas.
Entre derechos fundamentales no se puede hablar de jerarquía de derechos, como lo han hecho algunos de nuestros tribunales superiores de justicia, sino de equilíbrio, ya que tanto la honra, la privacidad, la libertad de opinión y de información, se encontran em el mismo nível de derechos humanos y fundamentales protegidos por la Constitución." por ALCALÁ, Humberto Nogueira. Pautas Teóricas y Juriprudenciales para Superar las Tensiones entre los Derechos a la Libertad de Opnión e Información y los Derechos a la Honra y la Vida Privada in CARBONELL, Miguel (compilador) Problemas Contemporâneos de La Libertad de Expresión. 1ª ed. México: Editorial Porrúa, 2004. p. 161.
14 ALCALÁ, Humberto Nogueira. Pautas Teóricas y Juriprudenciales para Superar las Tensiones entre los Derechos a la Libertad de Opnión e Información y los Derechos a la Honra y la Vida Privada in CARBONELL, Miguel (compilador) Problemas Contemporâneos de La Libertad de Expresión. 1ª ed. México: Editorial Porrúa, 2004. p. 161.
15 Idem, Op. Cit. p. 163.
16 Idem, Ibidem.
17 Idem, Ibidem.
18 Livre tradução do texto: "Es especialmente em el caso de la arena política em donde la crítica política se realiza frecuentemente mediante juicios de valor y no mediante declaraciones exclusivamente basadas em hechos. Puede resultar imposible demostrar la veracidad de las declaraciones dado que los juicios de valor no admiten prueba. De manera que uma norma que obligue al crítico de los funcionários públicos a garantizar las afirmaciones fácticas tienen consecuencias pertubadoras para la crítica de la conducta gubernamental. Dichas normas plantean la posibilidad de que quien critica de buena fé al gobierno sea sancionado por su crítica. Además, la amenaza de responsabilidade penal para deshonrar la reputación de um funcionario público inclusive como expresión de um juicio de valor o uma opinión, puede utilizarse como médio para suprimir la crítica y los adversários políticos. Más aun, al proteger a los funcionários contra expresiones difamantes, las leyes de desacato estabelecen uma estructura que, em última instancia, protege al próprio gobierno de las criticas." in Informe de La Comisión Interamericana sobre Desacato por ALCALÁ, Humberto Nogueira. Pautas Teóricas y Juriprudenciales para Superar las Tensiones entre los Derechos a la Libertad de Opnión e Información y los Derechos a la Honra y la Vida Privada in CARBONELL, Miguel (compilador) Problemas Contemporâneos de La Libertad de Expresión. 1ª ed. México: Editorial Porrúa, 2004. p. 164.
19 ALCALÁ, Humberto Nogueira, Op. Cit. 164.
20 FISS, Owen M., Op. Cit. p. 100.
21 Livre tradução do texto: "La facultad de las personas de emitir opiniones y realizar uma crítica acerba de los agentes y órganos estatales (gobierno, administración, parlamento, tribunales de justicia), es inherente al régimen democrático." ALCALÁ, Humberto Nogueira. Op. Cit. p. 165.
22 Assim estabelece o Tribunal Supremo de Justiça de Venezuela, sentença 1013 de 12.06.2001 citada por ALCALÁ, Humberto Nogueira. Op. Cit. p. 166.
23 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . Crime de Racismo e Anti-Semitismo - Um Julgamento Histórico do STF (Habeas Corpus nº 82.424/RS) Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 9.
24 ALCALÁ, Humberto Nogueira. Op. Cit. p. 168.
25 Livre tradução do texto: "La crítica de uma conducta que se estima comprobada de un personaje público puede ciertamente resultar penosa - y a veces extremadamente penosa - para este, pero en un sistema inspirado en los valores democráticos, la sujeción a esa crítica es parte inseparable de todo cargo de relevância pública. En este contexto, es claro que se trata - independentemente de la justicia de las apreciaciones realizadas - de evaluaciones de una actuación concreta, y no de meros insultos o desqualificaciones de su función pública dictadas por un ánimo vejatorio o la enemistad pura y simple", Sentencia Tribunal Constitucional Español, STCE 105/90. Fundamento Jurídico 8. in ALCALÁ, Humberto Nogueira. Op. Cit. 169-170.
26 Livre tradução do texto: "(...) el valor preponderante de las libertades públicas del art. 20 de la constitución (...) solamente puede ser protegido por las matérias a que se refieren y por las personas que en ellos intervienen y contribuyan, en consecuencia, a la formación de la opinión pública, alcanzando entonces su máximo nível de eficácia justificadora frente al derecho al honor, el cual se debilita, proporcionalmente, como limite externo de las libertades de expressión e información, en cuanto sus titulares son personas públicas, ejercen funciones públicas o resultan implicadas en asuntos de relevância pública, obligadas por ello a soportar un cierto riesgo de que sus derechos subjetivos de la personalidad resulten afectadas por opiniones o informaciones de interés general, pues así lo requiere el pluralismo político, la tolerância y el espíritu de apertura, sin los cuales no existe sociedad democrática. (...) Por el contrario, la eficácia justificadora de dichas libertades pierde su razón de ser el supuesto de que se ejerciten em relación com conductas privadas carentes de interés público y cuya difusión y enjuiciamiento público son innecesarios (...) - STCE 107/88, FJ. 2) in ALCALÁ, Humberto Nogueira. Op. Cit. p. 172.
Autor:
Andréa Neves Gonzaga Marques
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