Resumo. O presente artigo tem por escopo analisar a evolução histórica da sentença, remontando aos períodos romanos e gregos. Analisa as várias definições doutrinárias de sentença e procura demonstrar a que melhor corresponde á sistemática processual vigente. Por fim investiga a classificação das sentenças elegendo-se como parâmetro o tipo de tutela jurisdicional pleiteado.
O estudo da sentença remonta, principalmente, ao Direito Romano e ao Direito Alemão. À época do Direito Romano concebia-se a sentença (sententia) como ato que, acolhendo, ou não, a demanda deduzida em juízo, colocasse fim á litigiosidade existente em torno do bem da vida almejado pelos contendores2. A sententia romana pressupunha, portanto, a solução do litígio material. Qualquer ato praticado no transcorrer do processo e que fosse emitido pelo juiz recebia a alcunha de interlocutiones (aduzam-se como exemplos: a determinação da citação do réu; a decisão que rejeita a apelação). Não se falava, dessa forma, em sentença interlocutória porque essas palavras, consideradas isoladamente (sententia; interlocutoriae), significavam atos distintos. Enfim, sententia contrapunha-se a interlocutoriae3.
Essa não é, entretanto, a única distinção entre esses atos jurisdicionais no processo romano. Tem-se que salientar, ademais, que somente as sententiae eram sujeitas ao recurso de apelação, isto porque transitavam em julgado. As interlocutiones, por outro lado, não estando acobertadas pela coisa julgada, não eram sequer recorríveis. Além do fato de não transitar em julgado, as interlocutiones, no Direito Romano, tinham como característica o fato de não acarretarem prejuízos ás partes. Ausente o prejuízo não havia porque tornar o ato recorrível.
Acresçam-se a essa distinção que caracterizava o processo romano duas outras notas importantíssimas:
A) tratava-se de um processo preponderantemente oral, significando que o juiz era orientado (por meio dos éditos) a colher todas as provas pessoalmente, mesmo porque, prova coletada sem a participação direta do juiz recebia, quando de sua valoração para a formação da convicção do julgador, menor importância. Essa situação reflete-se, claramente, no édito de Adriano, mencionado por Chiovenda: "(...): 'Alia este auctoritas' diz ele, 'praesentium testium, alia testimoniorum (atas) quae recitari solent' (fr. 3, § 3.º, Dig. de test.): o valor das testemunhas que depõem em pessoa é muito diferente do valor das atas que se costumam ler."4 Em função da oralidade exsurgiram outros subprincípios, a saber: subprincípio da imediação (segundo o qual o juiz que julgasse o processo deveria ser o mesmo que o acompanhasse desde o seu nascedouro); subprincípio da publicidade (todos os atos praticados no processo deveriam se dar com a participação das partes); princípio da concentração;
B) ainda no tocante ás provas algumas considerações precisam ser feitas. No processo romano a sententiae era declaratória, isto é, a função do juiz era, analisando as provas produzidas no processo e valorando-as conforme sua consciência,5 a de subsumir a situação fática apresentada em juízo a uma das fórmulas editadas pelo pretor. Assim, conquanto se tratasse de um ato vinculado ás fórmulas já existentes, ao juiz era resguardada a faculdade de "encaixar" a situação fática na fórmula que melhor se lhe adaptasse.
Enfim, apesar de o juiz se assemelhar, nessa época, nos dizeres de Montesquieu, á boca que pronuncia as palavras da lei, resguardou-se-lhe uma esfera de discricionariedade quando da colheita e valoração das provas produzidas, fato que se refletia nas sentenças.
Importa, neste momento, fazer uma ressalva.
Conquanto se tenha mencionado nos parágrafos acima que a discricionariedade do juiz romano se materializava quando da valoração das provas produzidas, não se pode afirmar, só por este fato, que a sentença romana era um ato volitivo e intelectivo, contrapondo-se, dessa forma, ao fato de ser a sentença um ato com cunho declaratório, onde, por coerência, a sentença deveria ser um ato intelectivo.
Assim sendo, e reforce-se, por coerência, a sententia romana era somente um ato de inteligência e não de vontade. Isso porque o juiz apenas aplicava a fórmula ditada pelo pretor sem poder influir no conteúdo da mesma, que já era definido. Portanto, a vontade do juiz se manifestava apenas sobre a valoração das provas. Por meio deste ato ele poderia tão somente decidir qual fórmula melhor se aplicaria ao caso concreto. Assim, a vontade do juiz era pré-sentencial, porque sua vontade não se estendia até a elaboração da sentença. Pode-se esquematizar essa situação da seguinte forma
Vislumbra-se pela ilustração que duas fórmulas eram passíveis de aplicação (X e Y), sendo que seus conteúdos já estavam fixados. Valorando as provas o juiz optou por aplicar a fórmula Y em detrimento da fórmula X. A vontade do julgador se manifestou apenas no momento da escolha da fórmula a aplicar. Isso não se transmuda em uma fórmula (sentença) volitiva e intelectiva, mesmo porque o julgador poderia entender que nenhuma das fórmulas refletia, subjetivamente, a justiça (o fato de ele, intimamente, pensar diversamente do que está consignado na sententia não o autorizava a alterar-lhe o conteúdo, isto porque a sentença espelhava a vontade do príncipe ou soberano ou rei, nunca a vontade do julgador).
No Direito Grego, por sua vez, a sentença associava-se, nos primórdios, a um veredicto. O juiz concentrava, em si, a realização da justiça. Recorrer ao juiz era a forma para se solucionar o litígio com justiça (Justiça que, para os gregos, era o meio termo). Essa supervalorização da pessoa do juiz é retratada por Aristóteles, em sua obra ética a Nicômaco:
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