O presente estudo tem por objeto análise do artigo 615, mais precisamente seu inciso III, do CPC, o qual permite o exeqüente pleitear medidas acautelatórias urgentes. Não há, portanto, como se iniciar essa trajetória sem antes recordarmos um pouco a classificação, ainda que ultrapassada, adotada pelo nosso Código buzaideno das tutelas jurisdicionais. Inicialmente Enrico Tulio Liebman, nos trouxe a idéia bipartida da função jurisdicional, dividida em conhecimento e execução.
A função jurisdicional consta fundamentalmente de duas espécies de atividades, muito diferentes entre si: de um lado, o exame da lide posta em juízo, para o fim de descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso; de outro, as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade de modo a que se realize a coincidência entre a regra e os fatos. Por conseguinte a natureza e os efeitos dos atos relativos diferem profundamente; na cognição a atividade do juiz é prevalentemente de caráter lógico: ele deve estudar o caso, investigar o fato, escolher, interpretar e aplicar as normas legais adequadas, fazendo um trabalho intelectual, que se assemelha, sob certos pontos de vista, ao de um historiador, quando reconstrói e avalia os fatos do passado. O resultado de todas estas atividades é de caráter ideal, porque consiste na enunciação de uma regra jurídica que, reunindo certas condições, se torna imutável (coisa julgada). Na execução ao contrário a atividade do órgão é prevalentemente prática e material, visando produzir na situação de fato as modificações acima aludidas.1 .
Posteriormente passou a se desenvolver outro tipo de tutela, que se diferenciava das tutelas de conhecimento e de execução, era a tutela cautelar, como bem advertiu Teori Zavascki: "a essa classificação bipartide da tutela jurisdicional costuma-se, ainda dentro dos padrões clássicos, acrescentar um tertium genus: a tutela cautelar2 ". Exposta, ainda que sumariamente a classificação dos tipos de tutela, relembraremos algumas características básicas do processo de execução e do processo cautelar para que possamos chegar ao objeto de nosso estudo, ou seja, analisar a amplitude e aplicação das tutelas de urgência acautelatórias no processo de execução.
A função jurisdicional não se limita á emissão de sentença, através do processo de conhecimento. Além de formular concretamente a regra jurídica válida para a espécie, é necessário atuá-la, modificando a situação de fato existente para adaptá-la ao comando emergente da sentença. Na sentença condenatória, alia-se á declaração a sanção: forma-se, então, o título executivo necessário para que esta possa ser concretamente atuada.3
Enquanto o processo de conhecimento tem por finalidade a obtenção de uma sentença que decida o conflito de interesses, a execução tem por finalidade satisfazer o direito que a sentença condenatória haja proclamado pertencer ao demandante vitorioso, caso o condenado não a tenha voluntariamente satisfeito. Ao contrário do processo de conhecimento, que é um processo de sentença, e que a sentença se exaure, o processo de execução tem por fim realizar as "operações práticas" necessárias a tornar efetivo o enunciado da sentença condenatória, de modo que os fatos sejam modificados e se realize a coincidência entre eles e a regra jurídica estabelecida pela sentença.4
Na execução ocorre a transferência patrimonial do devedor para o credor. Nesse sentido, ensina Ovídio Baptista:
O processo de execução cuida de submeter o patrimônio do condenado á sanção executória, de modo que dele se extraiam os bens e valores idôneos a satisfazer o direito do credor.5
A propósito da distinção entre processo de conhecimento e processo de execução, observou a doutrina que, no primeiro, se vai dos fatos ao direito (narra mihi factum dabo tibi ius), enquanto que no segundo se vai do direito (declarado pela sentença) aos fatos (que são modificados pela atividade executiva, para conformar-se ao direito).6
Para a opinião da doutrina majoritária, o processo executivo destina-se a tornar efetivas as sentenças condenatórias. As sentenças mandamentais e executivas lato sensu, embora não deixem de ter natureza condenatória, não dependem de processo autônomo de execução para a sua atuação. Nesse sentido Ada Pellegrini, Cândido Dinamarco e Antônio Cintra.
Somente as sentenças condenatórias (e excluídas destas as mandamentais e as executivas lato sensu) - que aplicam a sanção ao réu, atribuindo ao autor um título executivo - são, portanto, capazes de conduzir a execução em sentido técnico.7
Do mesmo norte Ovídio Baptista:
[.] o processo de execução (obrigacional, do Livro II do Código) tem por fim satisfazer o direito que a sentença condenatória haja proclamado pertencer ao demandante vitorioso, sempre que o condenado não tenha voluntariamente satisfeito, dando cumprimento ao que lhe fora imposto pelo julgado.8
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