I
Repetem-se ações judiciais para a discussão de responsabilidade decorrente do exercício de profissão liberal, pertinentes a doações de sangue, em que doadores pretendem-se surpresos, estarrecidos com o que denominam "erro" dos laboratórios, que porventura apresentem um primeiro resultado indicando a possibilidade de contaminação.
Alegam-se aterrorizados (por isso pedem grandes indenizações1 ) até que mediante um segundo exame, é o que costumam descrever, "descobrem" não serem portadores de males, nessas peças processuais, sempre descritos como mortíferos e vexatórios.
Tenta-se aqui expor o tema, sob o enfoque de que é absurdo imputar responsabilidade quando não haja culpa e tudo se conduza com regularidade de conduta, configurando-se o cumprimento de dever. Se esta exposição for feliz, a névoa folclórica que anuvia o tema será afastada2 .
O "ato ilícito" tem como elementos essenciais e imprescindíveis para sua configuração, a presença de: a) fato lesivo, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência; b) ocorrência de um dano; c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente.
Portanto, desde que a obrigação de indenizar é conseqüência jurídica do ato ilícito, que deverá estar devidamente comprovado e configurado, desde que a culpa profissional deve ser provada de forma incontestável (a culpa médica jamais poderá ser presumida, relembre-se), desde que a comprovação da culpa cabe exclusivamente ao Autor da ação (na exatidão do artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil), há de ser pesquisada a presença desses elementos em cada postulação.
A necessidade da comprovação inconteste da culpa profissional dos médicos é matéria uniforme em nossos Tribunais: "A responsabilidade civil dos médicos somente decorre de culpa provada, constituindo espécie particular de culpa. Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutores em Medicina em virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após as provas regulamentares."3
Portanto, a responsabilidade civil do prestador de serviços médicos somente decorre da culpa provada. Não se pode pleitear indenização, sob alegação da existência de dano causado por profissional devidamente habilitado, com base em hipóteses ou presunções.
Não se aplica em demandas promovidas por aqueles que buscam indenização diante de médicos, a responsabilidade objetiva do prestador de serviços (§ 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor4 ). É esse o norte, inclusive quanto a hospitais, da jurisprudência.5
De fato, o erro médico porventura imputado, deve ter sua ocorrência e extensão, provadas por quem acusa, pois o disposto no artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, de nenhuma forma afastou-se das normas processuais atinentes ao ônus da prova, remanescendo do Autor o ônus quanto ao fato constitutivo de seu direito6 .
Aí, portanto, um primeiro aspecto a ser cuidado nessas ações.
Sob um segundo prisma, observa-se que a obrigação em tela (coletar material, analisa-lo e processa-lo para futura transfusão é obviamente, ato médico), é entendida como sendo de meio e não de resultado. Realmente, já se decidiu que: A responsabilidade do médico é contratual, mas baseada fundamentalmente na culpa. A obrigação não é de resultado, mas de meios, ou de prudência e diligência"7 . Ora, o desempenho ora em foco, parece palmar, é atividade sujeita aos percalços - vários até previstos pela ciência - que impedem a promessa de um resultado imune a variações.
Vai dessa premissa, cumprir em cada caso averiguar-se se ocorreu erro de técnica (observada a limitação do Tribunal em aprecia-lo, pois vários procedimentos médicos levantam dúvidas e debates, sendo por vezes impossível ao jurista, avaliar a correção deste ou daquele ato médico). E, se a técnica foi perfeitamente seguida, mesmo se ocorrer alguma falha desculpável, não haverá como imputar dever de indenizar ao banco de sangue.
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