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Prisão preventiva é aquela que pode ser decretada no curso do inquérito ou do processo, em decorrência de um dos seguintes fundamentos: para assegurar a aplicação da lei criminal, garantia da ordem pública ou em benefício da instrução (CPP, art. 312). Como toda prisão cautelar, exige a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo da demora (periculum in mora) para justificá-la.
O simples fato do réu não comparecer não pode importar em sua prisão sob o pretexto de ser a prisão essencial á instrução, visto que o réu, ainda que esteja presente, pode se negar a depor. Também, não justifica sua prisão para garantia da ordem pública, pois tal espécie só se justifica nos casos em que existir indício de que o acusado praticará novo crime. Ainda que seja grave o fato que ensejou o processo da citação por edital, a gravidade do fato, por si só, não justifica a prisão preventiva. O simples fato da pessoa não comparecer, nem constituir advogado, não é causa de prisão preventiva, uma vez que pode se tratar de pessoa solta sem qualquer compromisso durante o processo. Finalmente, pode ocorrer da pessoa sequer saber da existência do processo instaurado contra si.
3.1 Prazos prescricionais
Tratei do assunto relativo á prescrição no meu livro intitulado Prescrição Penal, onde apresento quadro com os prazos prescricionais, todos constantes do art. 109 do CP.2 No CP, em princípio, a prescrição variará de 2 a 20 anos, mas outros prazos poderão incidir.
Havendo uma causa interruptiva da prescrição, o prazo volta a correr a partir dela, desprezando-se todo período anterior. São várias as causas interruptivas (CP, art. 117). Também, poderá incidir uma causa suspensiva do prazo, pela qual ele ficará dormindo, descansando, e quando retomado, levará em consideração o período anterior.
A suspensão faz com que o prazo prescricional fique parado por certo período. Ao ser retomado, considera-se o tempo anterior. Suas causas estão insertas no art. 116 do CP. De outro modo, o menor de 21 anos na data do fato e o maior de 70 anos na data da sentença, terão a diminuição de metade do tempo.3 Desse modo, a interrupção da prescrição, a suspensão e a idade, dentre outras causas, levarão ao aumento ou diminuição, conforme o caso, do prazo prescricional.
3.2 Jurisprudência consolidada acerca do art. 366 do CPP
A primeira construção acerca do art. 366 do CPP, consolidada na jurisprudência, é aquela que nega a aplicação da nova redação aos fatos pretéritos, o que considero equivocado. Defendo a aplicação da lei nova para beneficiar os acusados em geral que tenham praticados crimes anteriores, suspendendo-se o processo sem suspender a prescrição.4
Por outro lado, a jurisprudência decidiu que, para os crimes posteriores á nova lei, a suspensão da prescrição tomaria por base a pena máxima cominada. Desse modo, caso o denunciado não aparecesse, nem constituísse advogado, o prazo prescricional seria dobrado, ou seja, ficaria suspenso por prazo idêntico ao da prescrição e outro prazo seria aquele em que o processo ficaria suspenso e a prescrição não. Sou contra essa construção porque leva á imprescritibilidade.5
3.3 O equivocado fundamento da nova postura do STF
Agora, definitivamente, o STF criou imprescritibilidade. Sua posição é insustentável. O Prof. Humberto Fernandes me encaminhou artigo nesse sentido,6 com quem concordo. Não posso entender correta a imprescritibilidade, por mais que pareça correto do ponto de vista de política criminal tender a evitar a impunidade.
Em face do novo julgamento, o Juiz não pode arquivar o processo suspenso em decorrência da citação editalícia em que o réu não tenha comparecido para o interrogatório, nem constituído advogado. Não obstante isso, é notório (portanto, prescinde de prova) que o ser humano morre, o que não é compatível com a idéia de um processo eterno.
O mais elementar manual que exponha o fim do Direito, esclarece ter ele a finalidade de propiciar a pacificação social. O STF, atuou, portanto, contra tal teleologia, visto que a imprescritibilidade constitui evidente elemento contra a segurança e a pacificação da sociedade.
Defendo a prescrição em relação a todos os delitos (civis, administrativos, criminais etc.). Em matéria criminal, apresento os seguintes fundamentos em favor da prescrição: a) falta de interesse de agir de quem detém o direito subjetivo de punir, o Estado; b) segurança jurídica; c) desaparecimento dos efeitos do delito e, consequentemente, o esquecimento dos fatos; d) desnecessidade da pena; e) dificuldade para apuração dos fatos.7
4.1 Os casos de imprescritibilidade na CF, isso em várias matérias
No campo administrativo, a CF estabelece, como regra, a prescrição (art. 35, § 5º). No entanto, ela consagra a imprescritibilidade para a pretensão de ressarcimento dos danos decorrentes de atos ilícitos. E em matéria criminal? Deve-se entender que foi consagrada a prescritibilidade das penas, visto que apenas enuncia exceções.
O art. 5º da CF arrola direitos e garantias individuais fundamentais. De maneira diversa, seus incisos XLII e XLIV trazem restrições aos referidos direitos, os quais merecem interpretação restritiva. Preceitos do art. 5º que merecem interpretação extensiva são aqueles que trazem direitos e garantias individuais fundamentais (§ 2º). Desse modo, entendo que somente o racismo e a ação de grupos armados contra o estado democrático de direito são imprescritíveis.
O racismo, com penas cominadas que podem ser consideradas brandas,8 não poderia ser imprescritível. Somente os crimes atrozes, cruéis, aqueles que jamais serão esquecidos pela sociedade, devem ser imprescritíveis. Se o racismo comina penas tão pequenas, seus crimes não poderiam ser considerados imprescritíveis.
4.2 Interpretação do art. 5º da CF
Pretender ver imprescritibilidade como possível para todos os crimes importará em inverter toda hermenêutica constitucional possível de ser apreendida. Também, é pretender caminhar em sentido contrário ao mundo moderno, visto que "Quanto á imprescritibilidade de qualquer tipo de crime, quase todas as legislações modernas a repelem".9
Canotilho apresenta uma visão de que a interpretação da Constituição deve ser autêntica, que não admite outras espécies, mas apresenta outra que admite a interpretação decorrente de seus princípios.10 No entanto, a própria CF determina a adoção de seus princípios para se verificar direitos e garantias individuais fundamentais (art. 5º, § 2º). Isso é importante e autoriza verificar a possibilidade de inserção de direitos, ou seja, a interpretação, quanto á inclusão de direitos, deve ser extensiva. Ao contrário, quanto ás restrições a direito, também, a interpretação deve ser restritiva.
Celso de A. Melo adota uma posição que admite a interpretação das normas constitucionais visando a assegurar direitos.11 Gilmar Mendes, á luz da limitação do conteúdo do direito, tomando por referência o direito de propriedade, informa que as limitações ao direito fundamental devem observar o princípio da proporcionalidade, que exige que as restrições sejam adequadas necessárias e proporcionais.12
Para Luís Barroso, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público, informados pela justiça. "é razoável o que seja conforme a razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia".13
Conforme ensina Paulo Bonavides, a interpretação conforme a Constituição não constitui propriamente um princípio de interpretação da Constituição, mas de um princípio de interpretação da lei ordinária de acordo com a Constituição.14
Segundo tal princípio, uma lei infraconstitucional é, em princípio, constitucional, sendo que, na dúvida, deve-se optar pela sua constitucionalidade, gerando dois riscos, um positivo e um negativo. Este se manifesta pelo perigo de se concretizar tolerância excessiva, considerando-se constitucional uma norma infraconstitucional violadora da Constituição. Seu o positivo se refere ao respeito da independência dos Poderes, evitando que o Judiciário se imiscua exageradamente em assuntos legislativos.15
Logo que a Lei nº 9.271, de 17.4.1996, foi publicada combati a idéia construída no sentido de ser ela inconstitucional, visto que entendi não ter ela criado imprescritibilidade para todos os crimes, sustentando que o simples fato de não ter sido previsto o prazo da suspensão da prescrição, em decorrência da suspensão do processo, não significava que o prazo poderia ser eterno, competiria á doutrina e á jurisprudência dizer qual seria referido prazo.16
Posiciono-me no sentido de que o prazo em que o processo estará suspenso sem que se suspenda a prescrição tomará por base a pena máxima cominada para o crime (art. 109 do CP). No entanto, quanto ao prazo em que o processo estiver suspenso e, também a prescrição, isso por força do art. 366 do CPP, defendo que a o prazo da suspensão da prescrição, considerando os prazos do art. 109 do CP, deve ser verificada tomando por base a pena mínima cominada para o crime.
A jurisprudência e a doutrina se consolidaram no sentido de que o prazo máximo da suspensão da prescrição, em decorrência do art. 366 do CPP, tomaria por base a pena máxima cominada para o crime. Desse modo, no caso de réu que não fosse encontrado, apenas se dobraria o prazo prescricional. Agora, com a nova posição, o STF consagra a idéia de que o elastecimento do prazo prescricional, por si só, não gera imprescritibilidade.17
José Júlio Lozano Júnior defende a posição adotada na decisão que critico neste artigo.18 Ele diz que o art. 366 não estabelece imprescritibilidade porque tem termo inicial - a data do interrogatório em que o réu acusado por edital não comparece, nem constitui advogado para tal - e, também, termo final, que é a data da prisão ou do comparecimento do réu.19 Porém, data venia, o termo final da suspensão está sujeito a uma condição incerta, qual seja, o comparecimento ou a prisão do réu.
A decisão do STF desafia o princípio da proporcionalidade, sendo oportuna a lição do Prof. Humberto Fernandes:
"Outro princípio a ser analisado na presente decisão questão é o princípio da proporcionalidade, atendido, pois segundo a orientação anterior sobre o artigo 366 do CPP o prazo a que estaria sujeita a suspensão da prescrição dependeria do crime cometido, variando de 02 a 20 anos nos termos do artigo 109 do CP. Da forma como decidido pelo STF, a indeterminação do prazo da suspensão da prescrição gerará desproprocionalidade entre os delitos, o que não pode ser desconsiderado. No mesmo sentido assevera Antônio Scarance Fernandes: ´como a suspensão pode ocorrer em relação a qualquer infração, todo ilícito penal poderia estar marcado pela imprescritibildidade´."20
Não é proporcional manter a imprescritibilidade de um crime cuja pena máxima cominada seja de 6 meses, ou ainda, pretender prender o infrator da norma criminal depois de 40 anos do fato sem que ele tenha praticado qualquer outro ilícito. Agora, com a construção em comento, o STF consegue equiparar o prazo prescricional de um crime apenável no máximo com 6 meses a outro apenável com no máximo com 30 anos, não distinguindo o prazo da suspensão.
Caso o réu não se apresente, qual será o termo final da suspensão? O Juiz jamais poderá arquivar o processo? A construção equivocada do STF data do ano de 2.007, gerando a seguinte pergunta: não haverá limite para o processo ficar ativo? Constitui interpretação conforme a Constituição estabelecer tratamento igualitário para delitos com gravidades diversas?
Ao meu sentir, a postura do STF viola o princípio da proporcionalidade, constituindo inaceitável imprescritibilidade na lei. A existência de condição incerta só poderá contribuir para a insegurança jurídica, autorizando a criação de constrangimento eterno áquele ameaçado de uma sanção. O pior é que não define quando os processos poderão ser definitivamente arquivados, só acumulando processos inúteis e gerando sofrimentos desnessários. O direito, que se destina á pacificação social, passa a atuar em sentido contrário.
Pergunto-me: quando poderei esperar uma decisão razoável do STF? O princípio da racionalidade, da razoabilidade ou da proibição de excesso exige respeitar a isonomia. Pessoas iguais devem ser tratadas igualmente, enquanto as desiguais devem ser tratadas diferentemente. Ao equiparar o tratamento a ser dispensado a quem pratica crime apenado com pena branda a outro com pena significativamente grave, o STF violou a CF, que agasalha a isonomia. Por meio de tal construção, um processo poderá ficar suspenso 50 anos, não interessando se o crime que é objeto de apuração tem pena máxima cominada de 1 ano ou de 30 anos, o que me parece absurdo.
NOTAS DE RODAPé
1 STF. 1ª Turma. RE 460.971/RS. Min. Sepúlveda Pertence, sessão de 13.2.2007.
2 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2.003. p. 85.
3 O art. 115 do CP estabelece a idade de 70 anos para a redução do prazo da prescrição. A evolução histórica da relevância da idade para o direito criminal demonstra ser crescente sua importância. Hoje, todo sistema jurídico dá importância ao idoso (maior de 60 anos), sendo que a Lei nº 10.741, de 1.10.2003, alterou vários artigos do CP para aumentar a pena daquele que pratica crime contra maior de 60 anos. Modificado todo sistema jurídico, deve-se entender tacitamente revogado o dispositivo equivocadamente mantido. Destarte, sustento a redução do prazo prescricional em razão da idade para o maior de 60 anos de idade.
4 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2.003. p. 126/127.
5 Ibidem. p. 123.
6 Pelo que sei, até o presente momento, o artigo não foi publicado. Sua construção teórica, mormente no tocante ao princípio da proporcionalidade, é muito boa.
7 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2.003. p. 82/83.
8 A Lei nº 7.716, de 5.1.1989, alterada para maior rigor pela Lei nº 9.459, de 13.5.1997, comina 5 anos de prisão como pena máxima.
9 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários á constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1.988. v. 1, p. 483.
10 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2.000. p. 1.159/1.164.
11 MELLO, Celso de Albuquerque. O § 2º do art. 5º da Constituição Federal. In TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 12.
12 MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2.004. p. 20.
13 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2.003. p. 224.
14 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1.998. p. 474.
15 Ibidem. p. 475/376.
16 MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo: Atlas, 1997. p. 24/26.
17 Já se posicionava nesse sentido: PORTO, Antônio Rodrigues. Da prescrição penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1.998. p. 80.
18 A palavra crítica não é utilizada no sentido pejorativo, mas naquele que traduz a idéia kantiana, em que crítica é perscrutar, buscar conhecer, investigar etc.
19 LOZANO JÚNIOR, José Júlio. Prescrição penal. São Paulo: Saraiva, 2.002. p. 149-152.
20 Refiro-me ao artigo, não publicado, de autoria de Humberto Fernandes, já citado neste texto.
Autor:
Sidio Rosa de Mesquita Júnior
sidiojunior[arroba]terra.com.br
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