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6. Do otimismo excessivo, da percepção de invulnerabilidade, da percepção delirante de auto-suficiência, decorre o risco de abusar de medicamentos sintomáticos, por exemplo, para insônia, sem entretanto reconhecer a necessidade e procurar tratamento psiquiátrico apropriado. Os sintomas atribuídos pela imprensa ao rabino Henry Sobel seriam, teoricamente, compatíveis com a descrição aqui elencada, e teria de ser forçosamente suficiente para que qualquer juiz responsável desistisse de fazer, ele mesmo, juízo técnico especializado sobre as condições juspsiquiátricas de um tal réu.
7. O relato de abuso de medicamentos hipnóticos, tal como extensamente sugerido pela imprensa, no caso jornalístico do rabino Henri Sobel, é compatível com a hipótese técnica acima descrita. Este ato poderia, isoladamente, explicar integralmente a conduta de aparência criminosa do rabino, assim como bem poderia agravar uma tendência a estes atos determinados pelo quadro maníaco em si. Assim, tanto a insônia, como um problema isolado, como o uso, abusivo ou não, de benzodiazepínicos, têm sido implicados em comportamentos ilegais, impulsivos e até violentos.6,7,8
8. Benzodiazepínicos, assim como o álcool, tiveram já amplamente demonstrados seus efeito rebaixadores dos freios morais, razão pelo seu uso - e abuso - como substâncias destinadas á facilitação do contato social. O uso por razões até legítimas - insônia - poderá, mesmo sem abuso, determinar em indivíduos eventuais - e, no caso de abuso, na maioria dos indivíduos - uma intensa mudança em seu comportamento moral, uma "embriaguez", de gravidade proporcional á dose, caracterizado pela perda das capacidades adequadas de entendimento e auto-determinação, mesmo que sem incoordenação, com sintomas exclusivos na esfera do comportamento.9 Não se confunda, aí com o indivíduo que, decidido á prática ilícita, embriaga-se, com bebidas ou com remédios, para melhor levar a cabo seu intento - situação esta que caracteriza o "Actio Libera in Causa", na qual a responsabilidade não se dissipa, posto que a decisão e o início da cadeia de atos que resultaram no ilícito precedeu á embriaguez. São muito bem demonstradas as capacidades muito aumentadas de infligir dor e dano, em laboratório, por rebaixamento das capacidades auto-críticas de agentes intoxicados com benzodiazepínicos, sobre pretensos sujeitos de pesquisa - na verdade, atores treinados para mimetizar a dor e o dano.
9. Se de um lado não é extensa a literatura sobre o risco criminogênico determinado pelos benzodiazepínicos, isso não se poderá dizer em relação aos quadros maníacos. Ambos, entretanto, só se poderão enunciar especifica e indutivamente, caso-a-caso, jamais por dedução, como aliás parece ser a tônica global da construção jurisprudencial do ilustríssimo juiz Luiz Fernando Boller.
10. Além disso, a pura e simples internação psiquiátrica de um agente, em seguida a um ato de tipo criminoso, deverá ser considerado, em prol do réu, indício significativo o suficiente de que poderá estar o réu acometido de doença mental grave, que poderá tornar explicável o que seria, em qualquer caso, injustificável. Ou seja, um tal fato deve ser, em todos os aspectos, mais do que suficiente para que a honra seja destinada pelo juizo a um perito psiquiátrico qualificado, para que este municie técnica e apropriadamente o julgamento com suas impressões balizadas. Isto porquê uma internação psiquiátrica em instituição minimamente séria não ocorrerá apenas pela vontade do paciente, mas sim, sempre, no mínimo, associadamente com a impressão de um psiquiatra qualificado de que um grave transtorno mental encontra-se de fato em curso.
11. Nestas condições, num paciente, psiquiatricamente internado, tal como, mas não só, o rabino Henri Sobel, não só lhe assiste o imediato direito da dúvida de que seus atos sejam tão somente psiquiatricamente explicáveis; assiste-lhe também, e primordialmente, o direito de ser protegido da exposição indevida, durante sua recuperação, seja frente a familiares ou amigos não diretamente envolvidos em sua recuperação, seja, muito menos ainda, em entrevistas de cunho jornalístico. Um paciente, como ele, com um transtorno psiquiátrico que demanda internação, deve ser cabalmente poupado de tentar administrar, por meio de entrevistas, a sutilíssima teia de representações sociais, o conjunto de interesses políticos em jogo, os interesses que seu antigo cargo o convocavam a representar, sob pena da ineficácia e asgravamento dos danos morais para ele e para seus representados.
Afora estas considerações de menor importância, não vejo como não expressar minha comovida admiração para com o Ilustríssimo Juiz de Direito da Comarca de Jaguarão, Santa Catarina, Dr. Luiz Fernando Boller, por seu intento, em todas as dimensões ousado, de valorizar e transpor todas as fronteiras transdisciplinares, indispensáveis para que a administração do direito não se reduza ao exercício estéril de um diálogo cego entre doutrinas e virtualidades, mas sim, para que a administração do direito se amplie na efetiva construção de uma sociedade dotada de eficácia, e de indivíduos dotados de dignidade.
Referências Bibliográficas
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Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/24268>.
Acesso em: 12 abr. 2007
2. FRIDMAN S, MORAES TM. Medicina e Direito: Introdução ao projeto
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Taborda, Chalub & Abdalla-Filho: Psiquiatria Forense, Porto Alegre:
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Autor:
Sander Fridman
psiquiatrialegal[arroba]yahoo.com.br
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