Da experiência mental sem consciência – Ou o problema mente/corpo para lá da consciência de acesso e da consciência fenomenal

Enviado por André Barata


  1. Experiência mental sem intencionalidade
  2. Consciência sem intencionalidade
  3. Direcções de investigação do problema mente/corpo
  4. Experiência mental sem intencionalidade nem consciência
  5. Uma nova direcção de investigação do problema mente/corpo: naturalizar a experiência mental
  6. A experiência mental não consciente no debate sensorialismo/perceptualismo
  7. Consequências para uma teoria da percepção e da alucinação
  8. Conclusão: por uma experienciologia
  9. Bibliografia

É entre a sensação e a consciência dela que se passam todas as grandes tragédias da minha vida.

Bernardo Soares

Livro do Desassossego

Desde Franz Brentano, quer a fenomenologia quer a filosofia da mente têm procurado esclarecer as relações de implicação entre mente, consciência e intencionalidade.

É a Brentano que se deve a apresentação da propriedade da intencionalidade como critério para demarcar o mental do não mental. Na sua esteira, a fenomenologia de Husserl, enquanto programa para uma ciência das vivências intencionais, assumiu a mesma intencionalidade como propriedade definidora da consciência. Ambas as teses se reportam á intencionalidade; não obstante, não dizem o mesmo. A psicanálise de Freud evidencia-o na sua difícil relação com a fenomenologia - os dois programas são contemporâneos e ambos assumem o critério de Brentano; contudo, enquanto a psicanálise de Freud presumiu um Inconsciente, que tomou como seu objecto de estudo, e que ainda seria mental em virtude da sua natureza intencional, a fenomenologia recusou, particularmente com Sartre, a hipótese do Inconsciente com base na ideia de que a intencionalidade não só seria necessária á consciência mas também exclusiva á consciência. Neste sentido, de acordo com Sartre, afirmar um inconsciente intencional mais não seria do que afirmar um absurdo: um "inconsciente consciente". Daqui seguir-se-iam consequências bem conhecidas do pensamento de Sartre. Por exemplo, a de que supor um inconsciente por detrás da consciência a mais não corresponderia do que a uma forma de "má-fé".

Todas estas relações de implicação

(1) Mente→Intencionalidade

(2) Consciência→Intencionalidade

(3) Intencionalidade→Consciência

são hoje difíceis de manter. Com efeito, a (3) contrapõem-se os programas de naturalização da intencionalidade; a (2) contrapõe-se uma "consciência fenomenal" que não implica intencionalidade, em contraste com uma consciência realmente intencional, "de acesso", segundo Ned Block, ou "psicológica", segundo David Chalmers; a (1) contrapõe-se, exemplarmente, Hilary Putnam com a sua recusa de que as imagens mentais e os pensamentos sejam intrinsecamente intencionais.

Independentemente da riqueza dos resultados que a fenomenologia husserliana e a psicanálise freudiana obtenham, as implicações básicas que os enquadram teoricamente foram abaladas. Mas o meu intuito é ir um pouco mais longe e mostrar que a mente não só não implica intencionalidade como também não implica consciência. Para isso, procurarei dar conta de vários pontos de vista, provindos quer da fenomenologia, quer da filosofia da mente, quer da neurobiologia, que convergem para um reconhecimento de que existe experiência mental sem consciência.

Admitindo este resultado, julgo seguirem-se algumas consequências importantes quanto ao que possa ser o melhor ângulo de abordagem ao problema mente/corpo. Em primeiro lugar, e acompanhando Chalmers, o problema "duro" não residirá ao nível da intencionalidade; no entanto, tão pouco se me afigura que resida ao nível da consciência fenomenal. Dissociar o problema mente/corpo dos problemas da intencionalidade e da consciência, constitui não apenas uma forma de o "amenizar" como ainda a possibilidade de colocar sobre melhores bases quer uma teoria da experiência mental quer uma teoria da consciência.

Experiência mental sem intencionalidade

As experiências de pensamento concebidas por Hilary Putnam em "Brains in a Vat"[1] visam mostrar que as imagens mentais e os pensamentos, do mesmo modo que os objectos físicos, não dispõem de nenhuma intencionalidade intrínseca. Assumindo a correcção do argumento, é naturalmente o próprio critério de Brentano que é atingido.

            Por exemplo, a imagem mental de uma árvore não é mais nem menos intencional do que a imagem material de uma árvore; nem uma nem outra representam mais uma coisa do que qualquer outra coisa. Portanto, não será na intencionalidade que se poderá esperar encontrar um critério seguro para demarcar o mental do não mental. Naturalmente, um sujeito mental humano tenderá sempre a atribuir intencionalidade a uma imagem mental; mas, e é esse o ponto, tal imagem mental não é por si mesma acerca de nada, não possui intrinsecamente nenhuma intencionalidade.[2]


Página seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.