Um dos temas mais negligenciados no estudo do Direito Penal é a fixação da pena. A maioria dos estudantes tem profundas dificuldades em assimilar o burocrático sistema de fixação do quantum da pena privativa de liberdade e não é raro encontrarmos advogados, promotores e juízes que cometem erros primários em razão do desconhecimento do procedimento previsto no Código Penal Brasileiro.
A primeira regra fundamental na fixação de uma pena é: para cada réu uma análise; para cada crime uma análise.
Assim, se dois delitos (homicídio e ocultação de cadáver, por exemplo) foram praticados por dois réus em concurso de agentes, o procedimento de fixação da pena será realizado 4 vezes (1º réu - homicídio, 1º réu - ocultação de cadáver, 2º réu - homicídio, 2º réu - ocultação de cadáver).
Ao final da fixação da pena para cada um dos delitos, ela deverá ser unificada de acordo com o tipo de concurso (material, formal ou continuidade delitiva), nos termos dos arts. 69, 70 ou 71 do Código Penal.
O Código Penal Brasileiro adotou em seu art. 68 o chamado critério trifásico de fixação das penas. Assim, a pena será fixada em três fases a saber: uma primeira fase na qual são analisadas as circunstâncias do art. 59 do CP. Ao final da primeira fase é fixada uma pena provisória que é denominada de pena-base.
Em seguida, havendo quaisquer das circunstâncias agravantes ou atenuantes previstas nos arts. 61 e segs. do CP, a pena será aumentada e diminuída, conforme o caso e uma nova pena provisória será fixada.
Por fim, sobre esta nova pena provisória incidirá as chamadas causas de aumento ou diminuição de pena, encontradas tanto na parte geral como na parte especial do código e que se caracterizam por serem expressas por frações (aumenta-se da metade, diminui-se de dois terços, etc). A pena resultante deste processo será a pena final do réu.
1ª fase:
A fixação da pena-base se dá com estrita observância das circunstâncias do art. 59 do código penal. Estas circunstâncias são chamadas circunstâncias judiciais, pois são frutos de uma análise quase sempre bastante subjetiva por parte do magistrado da causa. Tal subjetividade, porém, não se confunde com arbítrio e alguns elementos devem ser muito bem esclarecidos.
Em princípio, vale frisar que a culpabilidade a que se refere o art. 59 do CP, não é aquela que é elemento constitutivo do tipo. Não se trata, pois de uma inexigibilidade de conduta diversa, mas sim do grau de reprovabilidade social da conduta criminosa.
Assim expressões comuns em sentenças condenatórias como "o réu conhecia o caráter ilícito de sua conduta", "era exigido do agente uma conduta diversa", não podem ser justificativas válidas para o aumento da pena, pois constituem circunstâncias comuns a todo e qualquer crime. A culpabilidade a ser analisada na fixação da pena é um plus de reprovação social do delito em análise em relação aos demais crimes da mesma espécie.
Os maus antecedentes, por outro lado, não se confundem com a reincidência. O art. 63 do CP dispõe que: "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no país ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior". Assim, só haverá reincidência quando: 1) houver sentença penal condenatória com trânsito em julgado; 2) o novo crime for praticado após o trânsito em julgado da primeira sentença condenatória.
Os maus antecedentes, por outro lado, não podem ser meras acusações contra o réu (como inquéritos ou processos em andamento), pois o art. 5º, LVII, da Constituição Federal consagrou o princípio da presunção de não culpabilidade ao afirmar que: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
Ora, se meras acusações não podem ser consideradas maus antecedentes e a sentença transitada em julgado gera a reincidência, então o que seriam os maus antecedentes?
Ocorre que, muita vez, a sentença condenatória transitada em julgado é posterior ao segundo crime, ainda que anterior a seu julgamento. Assim, na data do julgamento do segundo crime já há uma sentença penal condenatória transitada em julgado contra o réu, porém não se trata de reincidência, pois o segundo crime foi praticado antes do trânsito em julgado. Neste caso - e somente neste - poder-se-á falar em maus antecedentes.
De uma forma esquemática poderíamos dizer que, sendo C1 o primeiro crime, C2 o segundo, J1 o primeiro julgamento com trânsito em julgado e J2 o segundo:
C1 ---------- J1 ---------- C2 ---------- J2 -> REINCIDÊNCIA
C1 ---------- C2 ---------- J1 ---------- J2 -> MAUS ANTECEDENTES
Em J2 o agente será considerado reincidente no primeiro caso, porém tecnicamente primário e de maus antecedentes no segundo.
É bom frisar que tanto a reincidência quanto os maus antecedentes só podem ser comprovados por certidão emitida pelo escrivão judicial em que conste não só a data da condenação, mas também e principalmente a data do trânsito em julgado e, se for o caso, da extinção da punibilidade.
A ausência da certidão, bem como a certidão apócrifa, impede o aumento da pena tanto pela reincidência quanto pelos maus antecedentes.
A condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, pois o art. 63 do Código Penal é expresso em sua referência a crime.
Vale frisar que, de acordo com o art. 64 do Código Penal, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, não há falar em reincidência.
Prosseguindo na análise do art. 59 do CP, temos a conduta social e a personalidade do agente como elementos a serem levados em conta pelo magistrado.
Trata-se de circunstâncias que somente poderão ser analisadas para diminuir a pena do réu, pois o seu uso para aumentar a pena constitui flagrante violação do princípio constitucional da legalidade consagrado no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
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