O interesse do tema epígrafe, com enfoque á esfera cível, denota um fator determinante para a solução de várias questões supervenientes, capazes de gerar conseqüências absolutamente diversas na aplicação do direito positivo. Num primeiro momento, será analisada a situação jurídica do nascituro e, em seguida, a do embrião humano.
Nascituro é o ente humano concebido e por nascer, "que ainda se encontra no ventre materno"(1). Nada obstante ter reservado o início da personalidade do ente humano ao nascimento com vida, o Código Civil salvaguarda, desde a concepção, os direitos do nascituro (art. 2º).
Algumas teorias, com enfoque ao início da personalidade do ser humano, têm buscado definir a posição jurídica do nascituro. Destacam-se três: a natalista, a concepcionista e da personalidade condicional.
A teoria concepcionista reserva o começo da personalidade ao fenômeno da concepção humana, enxergando no nascituro uma pessoa (2). Teixeira de Freitas perfilhou esse entendimento no seu clássico Esboço e influenciou o direito argentino (3).
Na teoria da personalidade condicional também encontramos o pensamento de que a personalidade jurídica tem início com a concepção, mas, uma condição é imposta: o nascimento com vida, i.e., sustenta-se que o nascituro tem personalidade, sob a condição de que nasça com vida. Essa teoria encontrava-se presente no Projeto do Código Civil de 1916, externando o pensamento de Clóvis Beviláqua(4).
Em rumo absolutamente oposto, a teoria natalista, radicada no sistema romano, assenta o início da personalidade no nascimento com vida. Pois, não confere a condição de pessoa ao nascituro.
No nosso direito positivo, que perfilha a teoria natalista, o nascimento com vida constitui fato jurídico essencial para o surgimento da pessoa, de modo que não atribui personalidade ao nascituro, ou seja, não lhe é conferido status de pessoa.
Porque há vida desde a concepção no ventre materno, é inconcebível a ausência de proteção jurídica ao nascituro, sob pena de enquadrá-lo como coisa, quando não o é. O nascituro possui uma carga genérica própria que o torna um ser, apesar de se encontrar ligado umbilicalmente á gestante.
Com efeito, a posição jurídica do nascituro é especial. Embora não seja pessoa, o legislador criou mecanismos capazes de proteger-lhe a integridade física e psicológica, garantindo-lhe o direito á vida (5) e salvaguardando os direitos eventuais que possam tocar-lhe no futuro, se nascer vivo. Demais, em outras situações o legislador conferiu-lhe a capacidade jurídica (não confundir com personalidade).
Em linhas gerais, o nascituro detém regime de proteção em torno de si, a salvaguarda de direitos compatíveis com a sua posição especial e a capacidade jurídica em determinadas situações.
No tocante á capacidade jurídica, sem embargo de o nascituro não ser pessoa, inegavelmente é sujeito de direito; detém, assim, capacidade jurídica, mas não personalidade.
A doutrina tradicional costuma equiparar os conceitos de capacidade jurídica e personalidade jurídica, de pessoa e de sujeito de direito, mas, a fim de atender á lógica do nosso sistema jurídico, há necessidade de revisão de tais conceitos, segundo propõe com muita propriedade o Professor Marcos Bernardes de Mello, porquanto não se pode limitar a capacidade jurídica ás pessoas, quando, na realidade, há mais entes capazes de direito (=sujeitos de direito) que pessoas (6).
Sujeito de direito (sujeito juridicamente considerado) é o ente a quem o ordenamento atribui capacidade jurídica e que, por isso, detém titularidade de direito ou dever. Pessoa, por sua vez, é o ente físico ou moral apto para contrair direitos e deveres. Toda pessoa é sujeito de direito, mas nem todo sujeito de direito é pessoa. é inegável que a ordem jurídica reconhecer a titularidade de determinados direitos materiais ou processual a certos entes sem, com isso, lhes atribuir a condição de pessoa (v.g., espólio, heranças jacentes e vacantes, sociedades irregulares).
A criação de mecanismos de proteção á vida e de salvaguarda de direitos ao nascituro, ao contrário do que muitos pensam, não pressupõe lhe seja atribuída a condição de pessoa, tampouco se deve cogitar da existência de direitos sem sujeitos, como forma de justificar as relações envolvendo o nascituro, pois este é sujeito de direito nas situações previstas.
Ou por outra: a proteção ao ente humano desde a concepção detém modernamente um caráter social e humanitário, devendo, para tanto, abstrair-se a discussão em torno da atribuição de personalidade. Ora, a proteção á vida e á integridade física atinge até os animais, que sequer são sujeitos de direito.
Pois bem. A proteção do nascituro revela-se no Direito Penal, quando tipifica como crime o abortamento (arts. 124 a 126) - observada a ausência de punibilidade nas hipóteses de aborto necessário ou de gravidez resultante de estupro -, bem como em regras destinadas a beneficiar a gestante, conferindo-lhe, por exemplo, estabilidade no emprego, salário-maternidade e prioridade no atendimento.
A salvaguarda de direitos, por sua vez, representa a postergação da definição das relações jurídicas, em que ora o nascituro figurará como sujeito alternativo; ora o nascimento com vida se constituirá fator de eficácia ou ineficácia.
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