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Assim, com a entrada em vigor da Nova Lei Orgánica da Polícia, discutível se tornou a atuação da Secretaria de Segurança Pública na fiscalização da atividade de vigiláncia particular não por lhe faltar competência, mas pela ausência de Lei que definisse essa ocupação.
Poder-se-ia vislumbrar que admissível era a atividade do Poder Público Estadual, em vista de tratar-se o Decreto 50301/68 de decreto regulamentar autônomo, seguindo lição de Hely Lopes Meirelles (pg. 162): "Decreto independente ou autônomo é o que dispõe sobre matéria ainda não regulada especificamente em lei. A doutrina aceita esses provimentos administrativos praeter legem para suprir a omissão do legislador, desde que não invadam as reservas de lei, isto é, as matérias que só por lei podem ser reguladas. Advirta-se, todavia, que os decretos autônomos ou independentes não substituem definitivamente a lei: suprem, apenas, a sua ausência, naquilo que pode ser provido por ato do Executivo, até que a lei disponha a respeito. Promulgada a lei, fica superado o decreto".
A partir de 1983, hermenêutica como essa tornou-se insustentável. Em 20 de junho entrou em vigor a Lei Federal 7.102, que trouxe inovações sobre o tema:
...
Art.3º - A vigiláncia ostensiva e o transporte de valores serão executados:
(Art.3º, "caput", com redação dada pela Lei nº 9.017, de 30/03/1995).
I - por empresa especializada contratada; ou
II - pelo próprio estabelecimento financeiro, desde que organizado e preparado
para tal fim, com pessoal próprio, aprovado em curso de formação de vigilante
autorizado pelo Ministério da Justiça e cujo sistema de segurança tenha parecer
favorável à sua aprovação emitida pelo Ministério da Justiça.
Parágrafo único. Nos estabelecimentos financeiros estaduais, o serviço de
vigiláncia ostensiva poderá ser desempenhado pelas Polícias Militares, a
critério do Governo da respectiva Unidade da Federação.
(Parágrafo único com redação dada pela Lei 9.017, de 30/03/1995).
...
Art.6º - Além das atribuições previstas no Art.20, compete ao Ministério da
Justiça:
(Art.6º, "caput", com redação dada pela Lei nº 9.017, de 30/03/1995).
I - fiscalizar os estabelecimentos financeiros quanto ao cumprimento desta Lei;
II - encaminhar parecer conclusivo quanto ao prévio cumprimento desta Lei, pelo
estabelecimento financeiro, à autoridade que autoriza o seu funcionamento;
III - aplicar aos estabelecimentos financeiros as penalidades previstas nesta
Lei.
(* A competência estabelecida ao Ministério da Justiça será exercida pelo
Departamento de Polícia Federal, conforme o Art.16 da Lei nº 9.017, de
30/03/1995).
Parágrafo único. Para a execução da competência prevista no inciso I, o
Ministério da Justiça poderá celebrar convênio com as Secretarias de Segurança
Pública dos respectivos Estados e Distrito Federal.
(Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 9.017, de 30/03/1995).
...
Art. 10 - São considerados como segurança privada as atividades desenvolvidas
em prestação de serviços com a finalidade de:
(Art. 10, caput alterado, incisos e parágrafos incluídos pela Lei nº 8.863, de
28/03/1994).
I - proceder à vigiláncia patrimonial das instituições financeiras e de outros
estabelecimentos, públicos ou privados, bem como a segurança de pessoas
físicas;
II - realizar o transporte de valores ou garantir o transporte de qualquer
outro tipo de carga;
§ 1º - Os serviços de vigiláncia e de transporte de valores poderão ser
executados por uma mesma empresa.
§ 2º - As empresas especializadas em prestação de serviços de segurança,
vigiláncia e transporte de valores, constituídas sob a forma de empresas
privadas, além das hipóteses previstas nos incisos do caput deste artigo,
poderão se prestar ao exercício das atividades de segurança privada a pessoas;
a estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços e
residências; a entidades sem fins lucrativos; e órgãos e empresas públicas.
§ 3º - Serão regidas por esta lei, pelos regulamentos dela decorrentes e pelas
disposições da legislação civil, comercial, trabalhista, previdência e penal,
as empresas definidas no parágrafo anterior.
§ 4º - As empresas que tenham objeto econômico diverso da vigiláncia ostensiva
e do transporte de valores, que utilizem pessoal de quadro funcional próprio,
para execução dessas atividades, ficam obrigadas ao cumprimento do disposto
nesta lei e demais legislações pertinentes.
§ 5º - (Vetado)
§ 6º - (Vetado)
...
Art. 15 - Vigilante, para os efeitos desta lei, é o empregado contratado para a
execução das atividades definidas nos incisos I e II do caput e parágrafos 2º,
3º e 4º do art.10.
(Art. 15 com redação dada pela Lei nº 8.863, de 28/03/1994).
...
Art. 17 - O exercício da profissão de vigilante requer prévio registro na
Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho, que se fará após a
apresentação dos documentos comprobatórios das situações enumeradas no artigo
anterior.
Parágrafo único. Ao vigilante será fornecida Carteira de Trabalho e Previdência
Social, em que será especificada a atividade do seu portador.
...
Art.20 - Cabe ao Ministério da Justiça, por intermédio do seu órgão competente
ou mediante convênio com as Secretarias de Segurança Pública dos Estados e
Distrito Federal:
(Art.20, "caput", com redação dada pela Lei nº 9.017, de 30/03/1995).
I - conceder autorização para o funcionamento:
a) das empresas especializadas em serviços de vigiláncia;
b) das empresas especializadas em transporte de valores; e
c) dos cursos de formação de vigilantes.
II - fiscalizar as empresas e os cursos mencionados no inciso anterior;
III - aplicar às empresas e aos cursos a que se refere o inciso I deste artigo
as penalidades previstas no Art.23 desta Lei;
IV - aprovar uniforme;
V - fixar o currículo dos cursos de formação de vigilantes;
VI - fixar o número de vigilantes das empresas especializadas em cada Unidade
da Federação;
VII - fixar a natureza e a quantidade de armas de propriedade das empresas
especializadas e dos estabelecimentos financeiros;
VIII - autorizar a aquisição e a posse de armas e munições; e
IX - fiscalizar e controlar o armamento e a munição utilizados.
X - rever anualmente a autorização de funcionamento das empresas elencadas no
inciso I deste artigo. (Inciso X acrescido pela Lei nº 8.863, de 28/03/1994).
Parágrafo único. As competências previstas nos incisos I e V deste artigo não
serão objeto de convênio.
(Parágrafo único com redação dada pela Lei nº 9.017, de 30/03/1995).
...
Assim, a legislação federal disciplinou inteiramente a matéria, nada sobejando, no que atine ao tema, aos Estados Federados.
Para maior aclaramento, algumas disposições do Decreto Estadual nº 50.301/68:
Artigo 8º. Os elementos das Guardas Municipais, das Guardas Noturnas e os vigilantes particulares deverão usar, quando em serviço, uniformes aprovados pela Secretaria de Segurança Pública, ouvida a assessoria Técnico-Policial.
§ 1º. Os uniformes e distintivos não poderão assemelhar-se ou confundir-se com
os fardamentos e insígnias das Forças Armadas ou das corporações policiais.
§ 2º...
...
Art.9º. As guardas e os vigilantes particulares serão administrados por suas
diretorias ou empregadores, mas ficarão sujeitos à orientação e controle
policiais do Delegado de Polícia da Circunscrição ou do Município e seus
elementos receberão Instrução sobre armamento e técnica de policiamento
ostensivo e atividades de tránsito, respectivamente, da Força Pública e da
Guarda Civil, quando necessário.
Parágrafo único...
...
Art.10. São condições mínimas para integrar as Guardas Municipais, Guardas
Noturnas ou ser vigilante particular:
I - ser maior de 18 anos;
II - não ter antecedente criminal, comprovado pelo Serviço de Identificação do
Estado;
III - ter boa conduta atestada por autoridade policial ou judiciária;
IV - ser alfabetizado.
§ 1º...
§ 2º...
§ 3º...
Artigo 11. Todos os elementos das Guardas e os vigilantes particulares deverão
registrar-se na Delegacia da Circunscrição ou do Município, satisfazendo as
exigências do artigo 10.
Parágrafo único. Satisfeitas as exigências deste artigo, os candidatos às guardas receberão autorização para admissão na corporação e os vigilantes uma credencial individual para o desempenho de suas funções. Essas autorizações e credenciais serão padronizadas para todo o Estado, e deverão ser portadas pelos destinatários, para exibição às autoridades constituídas.
Artigo 12. Os elementos das Guardas e os vigilantes particulares poderão portar armas compatíveis com as suas funções, devidamente registradas na Delegacia do Distrito ou do Município. As armas portadas irregularmente deverão ser sumariamente apreendidas, sujeitando-se o contraventor a processo....
Observe-se que a legislação federal dispõe exatamente o que seja vigilante (art.15), e que o exercício desta atividade só poderá ser realizado quando vinculado a uma empresa que atue no setor. No art. 10, define o que é segurança privada, a cargo exclusivo de empresas legalmente constituídas para esse fim e, em seu § 2º, é expressa em disciplinar que essa atividade compreende a segurança de residências.
Vigilante é o mesmo termo utilizado pelo Decreto Estadual 50301/68, cuja aplicação é incompatível com a normatividade federal. Veja-se que a lei regulamenta o uso de uniformes, a idade mínima agora é de 21 anos, há o registro nas Delegacias Regionais do Trabalho (que pelo decreto era nas Delegacias de Polícia). As armas serão da empresa e o vigilante deve utilizá-la apenas em serviço. O decreto dispunha também sobre a utilização de arma e que deveria haver curso ministrado no ámbito das Delegacias de Polícia. Pela legislação federal, à Polícia Federal incumbe ministrar esses cursos. A competência definida pela nova ordem é do Ministério da Justiça, que excepcionalmente poderá celebrar convênio para que as Secretarias de Segurança estaduais tenha alguma incumbência nesse setor.
Portanto, a figura do vigilante particular disciplinada pelo Decreto Estadual em comento é incompatível com a nova disciplina jurídica federal, de modo que a partir de 1983 toda competência sobre o tema ficou a cargo da União.
Poderia se admitir apenas ad argumentandum tantum que haveria possibilidade de disciplina estadual por parte dos vigias não armados - que em nenhum momento foram contemplados por qualquer texto legal, sequer decreto, realizando-se, portanto, uma exegese extremamente ampliativa - nos termos dos decretos regulamentares autônomos. No entretanto, com a entrada em vigor da nova Constituição, a partir de 5 de outubro de 1988, tal se tornou injurídico, sob qualquer prisma que se queira analisar a questão. Mesmo porque dispõe seu texto ser garantia fundamental que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art.5º, II). Nessa mesma linha de raciocínio vozes doutrinárias de peso se fazem ouvir:
"Preferimos excluir do conceito essa referência porque, não sendo complementar à lei, não se pode dizer que o decreto autônomo ou independente se baseie no poder regulamentar, já que este supõe a existência de uma lei a ser regulamentada. Seria, pois, o decreto autônomo manifestação do poder normativo do Poder Executivo e não do poder regulamentar".
Aliás, na vigência da atual Constituição, não há mais espaço para decretos autônomos; a Constituição de 1967, no artigo 81, V, atribuía ao Presidente da República competência para "dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal", única hipótese de decreto dessa natureza agasalhada expressamente para "dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei". Além disso, o artigo 25 das Disposições Transitórias revogou, a partir de 180 dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuem ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a ação normativa. Paralelamente, o artigo 61, § 1º, faz depender de lei de iniciativa do Presidente da República "a criação, estruturação e atribuições dos Ministérios e órgãos da administração pública". (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, pg. 71).
"... O sistema constitucional brasileiro não admite o chamado regulamento independente ou autônomo, fora o regulamento de organização que a doutrina, às vezes, também considera um tipo autônomo; agora, em face do inc. VI do art. 84, não pode ser considerado autônomo, porque se prevê que seja expedido, "na forma da lei", fica, pois, sujeito a uma reserva relativa de lei.
O princípio é o de que o poder regulamentar consiste num poder administrativo no exercício de função normativa subordinada, qualquer que seja seu objeto. Significa dizer que se trata de poder limitado. Não é poder legislativo; não pode, pois, criar normatividade que inove a ordem jurídica. Seus limites naturais situam-se no ámbito da competência executiva e administrativa, onde se insere. Ultrapassar esses limites importa em abuso de poder, em usurpação de competência, tornando-se írrito o regulamento dele proveniente. A lição de Oswaldo Bandeira de Mello (pg. 319) é lapidar quanto a isto: o "regulamento tem limites decorrentes do direito positivo. Deve respeitar os textos constitucionais, a lei regulamentada, e a legislação em geral, e as fontes subsidiárias a que ela se reporta.
"Ademais, sujeita-se a comportas teóricas. Assim, não cria, nem modifica e sequer extingue direitos e obrigações, senão nos termos da lei, isso porque o inovar originariamente na ordem jurídica consiste em matéria reservada à lei. Igualmente, não adia a execução da lei e, menos ainda, a suspende, salvo disposição expressa dela, ante o alcance irrecusável da lei para ele. Afinal, não pode ser emendado senão conforme a lei, em virtude da proeminência desta sobre ele".
...
O regulamento autônomo, no
sentido em que é admitido no Direito Constitucional e na doutrina estrangeiros,
não encontra guarida na Constituição. Dá ela fundamento ao regulamento de
organização e funcionamento da administração federal (art. 84, VI), não, porém,
como regulamento autônomo, pois o vincula à forma
da lei. Demais de ter que atender a forma da lei, em cada caso, só é
admissível nos casos em que a Constituição não tenha reservado à lei a
específica organização de determinada instituição". ... (José Afonso da Silva,
pgs. 372 - 373).
Em vista disso, vigilante é um empregado de uma empresa privada de promove segurança patrimonial, nos termos do art. 15 da Lei Federal 7.102/83. Tem treinamento específico para exercer seu ofício com arma de fogo, armamento que não é dele próprio, mas da empresa, cujo porte só pode acontecer quando estiver estritamente em serviço.
Aos demais, intitulados "guardas noturnos autônomos", "vigias eventuais", ou congêneres, não há amparo no atual sistema de segurança privada. Esses serviços estarão sob o regime de leis específicas do trabalho, como do trabalho autônomo ou do trabalho eventual. Escapam, via de regra, à CLT, que disciplina apenas os empregados.
Sabendo-se que para se excluir a autonomia se leva em conta a relação de subordinação, a autonomia pretendida é de configuração duvidosa; haveria uma relação de subordinação pelo menos no que concerne ao horário de trabalho e ao local do serviço a executar, e, inevitavelmente, fiscalização do serviço prestado.
No que se refere ao trabalho eventual, aí sim, poderá o serviço ser caracterizado como tal. No trabalho eventual também há a relação de subordinação, mas o serviço é prestado ocasionalmente, de forma a não haver fixação a uma única fonte de trabalho. Observe-se que um trabalhador eventual pode transforma-se automaticamente em não eventual, portanto, em empregado. Basta que em vez de trabalhar de vez em quando passe a fazê-lo seguidamente para a mesma fonte de trabalho, caso em que surgirá um ajuste, até mesmo tácito, ou uma relação de emprego.
De acordo com nossas proposições iniciais, que visavam ao vínculo que se poderia estabelecer com aquele indivíduo que se predispõe a executar a vigília do patrimônio do cidadão, a pé, de bicicleta ou motorizado, em verdade, se estaria ajustando um trabalhador doméstico. O serviço não seria esporádico, descaracterizando atividade de trabalhador eventual, e, em função de estar-se executando um serviço de natureza contínua e de finalidade não lucrativa, à pessoa ou à família, no ámbito residencial, caracterizado está o trabalho doméstico. Nessa mesma senda também trilha a Justiça do trabalho:
30030942 - VIGIA DE RESIDÊNCIAS - RELAÇÃO DE EMPREGO - O trabalho do guarda noturno que presta serviços a vários moradores de rua residencial reveste-se de natureza doméstica. (TST - RR 326953/1996 - 5ª T. - Rel. P/o Ac. Min. Darcy Carlos Mahle - DJU 17.12.1999 - p. 379)
933131 - CONCEITO - Vigia de residências. Tido como empregado doméstico, não tem direito ao FGTS, a horas extras e ao adicional noturno. (TRT 2ª R. - Ac. 02980178599 - 9ª T. - Rel. Juiz Ildeu Lara De Albuquerque - DOESP 28.04.1998).
Portanto, se porventura algum cidadão contratar alguém para que exerça funções de vigiláncia em sua residência ou em sua rua, teremos um contrato realizado entre particulares, no ámbito da legislação trabalhista, fugindo do ámbito fiscalizatório da Segurança Pública Estadual. A esse prestador de serviços também não se poderá qualificar como vigilante, que, como exposto, tem regulação por lei e de cuja atividade só se pode explorar por intermédio de empresas devidamente constituídas.
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Michel Temer, Elementos de Direito
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Oswaldo Bandeira de Mello, Princípios Gerais
de Direito Administrativo, vol. 1, 1969, Forense Ed.
Régis Fernandes de Oliveira e Estão Horvath, Manual
de Direito Financeiro, 2ª ed., RT Ed.
Autor:
Luís Carlos de Almeida Hora
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