NOTA: este trabalho é conforme à data em que foi publicado originalmente.
A Constituição Federal insculpe que todos os indivíduos tem o imprescindível direito e a responsabilidade pela Segurança Pública impondo, contudo, ao Estado o dever de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio, o que deverá ser realizado pelos seus órgãos policiais.
Entretanto, nota-se que o sistema brasileiro de Segurança Pública não se tem mostrado suficiente para garantir a incolumidade dos cidadãos, tampouco do patrimônio de sua população. Dentro deste panorama de inquestionável e evolutiva deficiência estrutural, tem havido delegação de serviços típicos de Segurança Pública a terceiros. Poder-se-á perquirir da legitimidade desta delegação, visto serem os serviços desta natureza e espécie essenciais e necessários, impossíveis de metamorfose a serviços de utilidade pública com correlata delegação a particulares. Indagar-se-á, como corolário indisputável, se os serviços policiais que visam a mantença da Segurança Pública interna do Estado são ou não privativos dos entes políticos estatais. Mas o objetivo destas linhas abstrai-se da natureza jurídica do serviço policial, pretendendo proceder a análise apenas da figura dos "vigias noturnos" no Estado de São Paulo, e sua inserção, ou não, nos moldes de "segurança privada", com conseqüente fiscalização dos atos desses personagens pelo Poder Público, tal qual admite a vigente legislação sobre o tema.
Na conjuntura da Segurança Pública proliferam empresas e serviços individuais de segurança privada. Não raro indivíduos, que em sua maioria são apenas desempregados dessa era de globalização, se oferecem como "guardas-noturnos" para promover vigília das ruas à guisa de evitação de delitos como dano, furtos ou roubos. Não é incomum aparecer algum notívago a pé, de bicicleta ou até mesmo de motocicleta apitando pela rua e, algum tempo depois, visitar as residências dizendo que é vigia daquela quadra, solicitando contribuições para que continue exercendo vigiláncia pelo local. Alguns deles até apresentam crachás de identificação, dizendo que sua atividade é respaldada nas leis e sua conduta é fiscalizada pela Secretaria de Segurança Estadual, através das Delegacias de Polícia, onde tem algum tipo de cadastro como "vigia".
Se você é cidadão do Estado de São Paulo, saiba que, pela Legislação vigente, esta atividade refoge do ámbito fiscalizatório da Secretaria de Segurança Pública. Os "vigias", em São Paulo, nunca tiveram lei específica, sendo regulamentos apenas por Decreto.
O Decreto Estadual nº 50.301 de 2 de setembro de 1.968 (e suas alterações posteriores Decretos 51.422/69 e 37/72) regulamentou o artigo 32 da Lei Orgánica da Polícia, Lei 10.123, de 27 de maio de 1.968, anterior à Lei Orgánica vigente (Lei Complementar Estadual nº 207 de 5 de janeiro de 1.979).
O Decreto visava ao estabelecimento de normas de organização e funcionamento das Guardas Municipais e das Guardas Noturnas, bem como para as atividades de vigilantes particulares e de transporte de valores. Atualmente, as Guardas Municipais tem status constitucional, as Guardas Noturnas não existem mais e o transporte de valores está inteiramente disciplinado por legislação federal (Leis 7.102/83, com as alterações das leis 8.863/94 e 9.017/95). Resta uma análise sobre os vigilantes particulares.
O Decreto não definiu precisamente o que sejam vigilantes particulares, definindo que sua atividade poderia ser prestada individualmente ou reunidos em corporação (art. 4º). O art. 6º determinava que o controle da atividade competia ao Delegado de Polícia, e o art. 10 dispunha sobre as condições para exercer a atividade de vigilante particular, v.g., idade mínima de 18 anos. O § 1º do art. 10 e o art. 12 autorizavam o uso de arma, desde que recebida prévia instrução sobre o armamento (art. 9º).
A Lei Complementar Estadual 207/79, que revogou a Lei Orgánica anterior, dispôs em seu artigo 8º que "as guardas municipais, guardas noturnas e os serviços de segurança e vigiláncia, autorizados por lei, ficam sujeitos à orientação, controle e fiscalização da Secretaria de Segurança Pública, na forma da regulamentação específica".
Afora os Decretos Estaduais, não havia outro tipo de normatividade disciplinando a atividade de vigilante particular. Em função disso, exigindo a Lei 207/79 a autorização de lei para o exercício da atividade, sem ela - Lei - não havia a necessária legitimidade do serviço. A fiscalização do Estado já estava definida, já havia a regulamentação (Dec.50.301/68 e demais citados), mas não havia a Lei disciplinando seu exercício. Vigiam os Decretos-lei nº 1.034 de 21 de outubro de 1.969 e 1.103 de 6 de abril de 1.970 (revogados expressamente pela Lei 7.102/83), que não dispunham, especificamente, sobre a aludida ocupação. Disciplinavam, apenas, a segurança das Instituições bancárias. No art. 2º, I, do Decreto-lei 1.034/69 estava prevista a vigiláncia ostensiva, realizada por serviço de guarda composto de elementos sem antecedentes criminais, e no art. 4º que "os estabelecimentos de crédito manterão a seu serviço, admitidos diretamente ou contratados por intermédio de empresas especializadas, os elementos necessários à sua vigiláncia, podendo organizar serviço especial para esse fim, mediante aprovação do Ministro da Justiça, ou, quando se tratar de serviço local, do Secretário de Segurança ou Chefe de Polícia". E no § 1º que "a Polícia de cada Estado deverá ministrar instruções especiais aos elementos de segurança dos estabelecimentos de crédito e elaborar recomendações para sua atuação conjugada com a dos órgãos policiais locais". Observe-se bem: admitidos diretamente (seriam, portanto, funcionários do Banco) ou contratados por intermédio de empresas especializadas (não exerceriam a atividade uti singuli, mas eram funcionários de uma empresa contratada pela Instituição financeira).
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