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"Entendiam alguns que somente a Justiça Criminal poderia dizer se determinado fato constituía ou não crime e que a Administração Pública estava vinculada a esse juízo de valor ao exercitar o seu poder disciplinar. Outros apregoavam a idéia de que a Administração exerce poder autônomo e não poderia ficar inerte diante de irregularidades praticadas por seus funcionários, aguardando a manifestação da Justiça sobre o caráter criminal da conduta, vez que os procedimentos judiciais são lentos por natureza, podendo demorar anos e anos, com a utilização de recursos protelatórios até a última instáncia."
é verdade. Muitas vozes se erguem em sentido contrário a essa dependência, alegando que a morosidade da justiça fará com que o servidor, acusado de crime contra a Administração, continue vinculado ao serviço público ainda por longos anos. Sustentam que é preciso uma resposta rápida à sociedade. E a melhor forma, para isso, é o processo disciplinar, cujo resultado poderá ser visível em curto lapso de tempo.
Não há dúvida que a repercussão de um crime faz com que a autoridade administrativa seja cobrada pela comunidade. A imprensa encarrega-se de dimensionar o fato. A indignação ganha corpo. As pressões surgem de todos os lados. E a solução mais rápida para banir o servidor acusado de crime é, efetivamente, demití-lo logo após o processo disciplinar. Essa fórmula prática, entretanto, vinha esbarrando em uma série de obstáculos. O DASP, na Exposição de Motivos nº 882, de 23/03/43, já sustentava a impossibilidade da demissão do servidor sem, antes, existir condenação judicial. Assim era a sua manifestação:
"O dispositivo, ao falar de crime, não definiu os atos infringentes da lei penal e, por isso, só a esfera judiciária competente é que cabe definir o delito, já que a administração não se acha autorizada a dizer que funcionário cometeu crime."
O mesmo DASP, na Formulação nº 128, enunciou:
"Não pode haver demissão com base no item I, do art. 207, do Estatuto dos Funcionários, se não a precede condenação criminal."
Antes, entretanto, na Formulação nº 71, o DASP teve pronunciamento diferente:
"A administração pode demitir funcionário por corrupção passiva com base, apenas, no inquérito administrativo (sic)."
O Supremo Tribunal Federal, com o advento da Carta de 1988, foi levado a se manifestar em várias ocasiões. Em Mandado de Segurança de nº 21.332-9/DF, em que foi relator o Ministro Néri da Silveira, desacolheu a tese, considerando que
"o processo administrativo não está na dependência da conclusão de processo criminal a que submetido ao servidor, por crime contra a administração pública. Independência das instáncias."
Já no Mandado de Segurança nº 21.310/DF, do qual foi relator o Ministro Marco Aurélio, o entendimento foi o oposto:
"Estando o decreto de demissão alicerçado em tipo penal, imprescindível é que haja provimento condenatório tránsito (sic) em julgado."
Em outro Mandado de Segurança, de nº 322-9/SC, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa, o STF voltou à posição anterior e admitiu a demissão independentemente do pronunciamento judicial:
"A ausência de decisão judicial com tránsito em julgado não torna nulo o ato demissionário, pois a aplicação da pena disciplinar independe da conclusão dos processos civis e penais, eventualmente instaurados em razão dos mesmos fatos."
Como se vê, os entendimentos são conflitantes, tanto junto à Administração, quanto na Suprema Corte do país.
A matéria parecia pacificada, na Administração Pública federal, pelo Parecer nº GQ-124, de 28 de maio de 1997. Esse expediente, adotou o entendimento de que
"a demissão do servidor com base no inciso I do art. 132 da Lei nº 8.112/90, só deve embasar o ato presidencial na existência de decisão judicial transitada em julgado;"
Esse Parecer, aprovado pelo Presidente da República, com força vinculativa foi publicado no Diário Oficial da União nº 101, de 30/05/97, Seção I, páginas 11.182/85.
JOÃO MONTEIRO NETO, no artigo citado, posicionou-se, entretanto, em linha oposta ao Parecer da Advocacia Geral da União:
"A despeito do peso desse pronunciamento, parece-nos, com a devida vênia, que a sua exegese não merece prosperar, vez que o paradigma por ele invocado constitui manifestação isolada, que não tem caráter revisório da jusrispruidência da Corte Constitucional, que posteriormente proclamou, em casos semelhantes, a auto-suficiência da decisão administrativa quando o funcionário incorrer em crime contra a Administração Pública (...)
"Ademais, o acórdão de inspiração do Min. Marco Aurélio vem de antes da edição da Lei nº 9.099/95 que, ao criar os Juizados Especiais Criminais, para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, assim consideradas as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a um ano, dando concretude ao art. 98, inc. I, da Carta Política, mitigou o princípio de que ninguém pode ser considerado culpado sem provimento judicial condenatório transitado em julgado, na medida em que possibilitou a transação penal em face daquelas condutas delitivas, assegurando ao autor do fato a extinção da punibilidade mediante reparação dos danos experimentados pelas vítimas ou aplicação de pena alternativa (prestação de serviços à comunidade e outras), diversa das privativas de liberdade (arts. 62 e 84), ou, ainda, dos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não pela lei, o direito de, por iniciativa do Ministério Público, obter a suspensão do processo, por dois a quatro anos, período dentro do qual deverá se sujeitar a determinadas condições, caso em que, incorrendo a revogação do benefício dentro do prazo de carência, o juiz, igualmente, declarará extinta a punibilidade (art. 89), nada a este respeito permanecendo nos registros criminais.
"Neste contexto, qualquer funcionário público que pratique, por exemplo, peculato culposo, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, prevaricação, condescendência criminosa e outros, a que a lei comina pena privativa de liberdade de até um ano, poderá, nos termos da Lei nº 9.099/95, não sofrer a constrição de uma sentença penal condenatória, vez que referidas condutas estão entre aquelas de menor potencial ofensivo, alcançando os seus autores os favores da lei.
(...)
"Dessa maneira, se o funcionário incidir em quaisquer daquelas condutas e mesmo
que todas as provas conspirem contra a sua pessoa, poderá ele, ainda assim, não
ser condenado, em face da aplicação dos novos institutos criados pela Lei nº
9.099/95."
A preocupação do autor, portanto, está em, sendo privilegiado o entendimento de que a pena administrativa esteja condicionada à condenação criminal, os funcionários que praticarem os crimes supra referidos não sejam alcançados pela demissão, uma vez que não receberão sentença criminal. Isso, por conseqüência, vem em desarmonia com o espírito do melhor direito e com o festejado princípio da supremacia do interesse público. Melhor, agora, pode ser a compreensão de que a independência das instáncias é, com efeito, a solução adequada, deixando à autoridade administrativa a competência para apreciar os casos que estejam sob a tutela do seu poder disciplinar.
Esta, sublinhe-se, passou a ser a posição da Advocacia-Geral da União. Após o mencionado Parecer GQ-124, de 1997, que tanta polêmica suscitou, a AGU voltou a tratar do assunto no Parecer GQ-164, de 24.09.98, no Parecer GQ-165, de 1.10.98, e no Parecer GM-003, de 10.04.2000. Todos os Pareceres enfrentaram a questão da independência das instáncias.
Em Ofício Circular n 001/AGU/SG-CS/2001, de 20.02.2001, o Advogado-Geral da União, professor Gilmar Ferreira Mendes, assim estabeleceu aos consultores jurídicos da esfera federal:
"Referida matéria, além de tratada e pacificada (em Pareceres da AGU), e assente em segura doutrina, constantemente é alvo de decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, nas quais reiterada a independência de ditas instáncias, não restando, assim, margem para dúvidas."
E conclui o Oficio:
"Havendo, conforme afirmado supra, independência das instáncias, não se há de invocar equivocado entendimento, in casu, de que, estando a matéria sub judice, não poderá ser decidida na esfera administrativa."
Adotamos essa posição, como sendo a do melhor direito e a adequada ao interesse público. Conclusivamente, a Administração pode dar curso a processo disciplinar, sem aguardar manifestação do Poder Judiciário. Descabe, portanto, como regra, o sobrestamento do processo.
Há situações excepcionais nas quais, curiosamente, o sobrestamento atende ao interesse público. Isso acontece, por exemplo, quando há risco de o servidor ser reintegrado anos depois, recebendo pequena fortuna da conta do contribuinte.
é preciso, por outro lado, especial cautela. Afinal, se na esfera criminal ocorrer em sentença a negativa do fato ou a negativa da autoria, haverá reflexo no ámbito administrativo. Como o tránsito em julgado dessas decisões ocorre, em média, em nove anos, haverá sempre o risco de o servidor retornar, com ordem de reintegração, obtendo todas as vantagens que deixou de perceber ao longo dos anos em que esteve demitido. Não é de se desconsiderar, assim, em situações especiais, o sobrestamento fundamentado no resguardo do interesse público, uma vez que este poderá ser atingido em resultado de futura decisão judicial. Isso, sublinhe-se, apenas naqueles casos onde o fato disciplinar é exclusivamente capitulado como crime e quando os elementos de prova da Administração não são absolutamente seguros. Nesta hipótese, vemos como faculdade para a Administração - nunca como dever - o sobrestamento, que neste caso, ganha caráter cautelar.
Sublinhe-se que o Direito Europeu consagra com destaque o princípio da precaução, muito comum nos domínios da saúde e do meio ambiente. Pode, entretanto, ser transportado para o processo disciplinar, compreendido como cautela naqueles casos em que há probabilidades de risco. O interesse público nem sempre está na rapidez do resultado. A pressa, já se disse, é inimiga da perfeição.
O ideal é que cada Governador e Prefeito - como fez o Governo Federal - estabeleça critérios locais. O instrumento é o Despacho Normativo.
Com as considerações supra, entendemos que cada ente da Federação deve pacificar a matéria por intermédio de um DESPACHO NORMATIVO. Assim, a autoridade máxima (Governador ou Prefeito) adota, no ámbito da sua competência, a fórmula que parecer adequada aos interesses legítimos do Estado ou do Município. Este será o instrumento no qual os operadores do processo disciplinar irão se basear com objetividade. Na nossa visão, será acertado o modelo adotado pelo Governo Federal, sem, entretanto, deixar de considerar situações especiais e apontadas com clareza, para que não sirvam para alimentar novas dúvidas e patrocinar a impunidade. Sempre, bem entenda-se, como faculdade, que pode ser delegada à autoridade instauradora, para que, no juízo de conveniência e oportunidade, em cada caso, verifique onde repousa o interesse maior. Nessa linha, vale como exemplo o Despacho Normativo do Governador do Estado de São Paulo, datado de 12.06.79, proferido depois de suscitada a questão pela Subchefia de Assistência Técnica da Casa Civil.
Autor:
Léo da Silva Alves
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