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Desta forma, devemos agora não só acompanhar a investigação nos outros shoppings, bem como aguardar provável recurso ao judiciário do Iguatemi, contestando a decisão da autarquia.
A palavra segurança resume a ánsia do investidor em franquias. Ele está atrás da segurança econômica que investir em determinado negócio já consolidado no mercado pode lhe dar.
Nesse passo, a melhor doutrina, na pena de Jorge Pereira Andrade , define franquia da seguinte forma: "é um conceito pelo qual uma empresa industrial, comercial ou de serviços, detentora de uma atividade mercadológica vitoriosa, com marca notória ou nome comercial idem (franqueadora), permite a uma pessoa física ou jurídica (franqueada), por tempo e área geográfica exclusivos e determinados, seu uso, para venda ou fabricação de seus produtos e/ou serviços mediante uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre movimento de vendas oferecendo para isto todo o seu know-how administrativo, de marketing e publicidade, exigindo em contrapartida um absoluto atendimento a suas regras e normas, permitindo ou não a subfranquia". (grifo nosso)
A franquia, como todo o negócio, possui pontos positivos e negativos que valem ser destacados para estudo da cláusula de territorialidade, para entender, principalmente, o que esta cláusula visa a proteger. São pontos positivos para o franqueado: associa-se a uma marca consolidada, desenvolve um conceito de sucesso, corre menos risco, tem acesso à profissionalização do negócio, pertence a um todo coletivo, obtém melhor relação investimento/retorno, conta com a cobertura de uma corporação consolidada. Por outro lado: menor grau de liberdade, empreendimento ligado a um parceiro remoto, necessidade de assimilar um conceito estabelecido de negócio, risco associado ao desempenho do franqueador.
Neste sentido, óbvio é que a escolha da marca a que o empreendedor será associado/franqueado, bem como a localização no novo empreendimento depende de uma análise conjunta de franqueado e franqueador, pelo menos na última assertiva.
é corrente que no contrato de franquia, o franqueador seja remunerado, como nos shoppings centers, com porcentagem do faturamento da loja, embora distintas as contrapartidas. Parece óbvio, então, que dois franqueados, um do lado do outro, não é do interesse do franqueador que terá nessas duas lojas a diminuição do faturamento e a concorrência desnecessária entre dois franqueados.
Nesta linha de raciocínio, Frans Martins coloca que são cláusulas essenciais aos contratos de franquia o prazo de contrato, delimitação do território e da localização, as taxas de franquia, as quotas de venda, o direito de o franqueado vender a franquia e cancelamento ou extinção do contrato.
Ora, nada mais lógico. O investidor ao se interessar por ramo comercial novo precisa conhecer alguns requisitos tais como quanto ele deverá aplicar, onde será seu estabelecimento e suas probabilidade de êxito.
Que nenhum negócio tenha sucesso garantido, não é novidade. Mas, ao se investir em uma franquia, como já dito, os riscos são menores e o poder da marca combinado com o know-how do franqueador devem refletir uma boa entrada no mundo dos negócios.
A partir destas pequenas considerações, trataremos agora de uma das bases do contrato de franquia: a cláusula de territorialidade. A que distáncia um franqueado deve ficar do outro?
A exclusividade em determinadas regiões tem seu fundamento, segundo Adalberto Simão Filho : "a exclusividade territorial é de profundo interesse do franqueado porque delimitará o campo de sua ação e limitará o acesso de outros integrantes da rede à zona concedida. Protege-se, desta forma, a possibilidade de uma concorrência danosa sobre o franqueado e racionaliza o processo distributivo, evitando-se a saturação de pontos de mercado, quando bem aplicada".
Conforme se observa, a cláusula de raio ou de exclusividade visa garantir uma interdependência entre as franquias, preservando a capacidade de atrair o público consumidor ao seu estabelecimento.
Não é segredo que a localização do estabelecimento comercial influi no fluxo de público do empreendimento e é por isto que ter como seu vizinho e, pior, sua concorrente, franqueada de mesma cadeia, não fará nada bem para o sucesso do negócio.
é por isto que a cláusula de exclusividade deve respeitar o estudo geográfico de mercado relevante e seu poder , ou seja, qual é o público alvo do negócio e qual a possibilidade real de estes visitarem e usarem o negócio.
No caso do Iguatemi, por exemplo, a SDE em seu parecer observou os seguintes tópicos para a definição do mercado relevante geográfico: "Nesse sentido, para a definição do mercado relevante geográfico deste processo, é necessário delimitar a área máxima em que os consumidores (lojistas/compradores) do Shopping Center Iguatemi estariam dispostos a se locomover na hipótese de um abuso da posição dominante. Isso permitiria conhecer todos os shopping centers (de alto padrão) que concorrem com o Iguatemi". E concluiu que: "dessa forma, define-se, como o mercado relevante deste processo, os shopping centers de alto padrão estabelecidos na zona oeste, norte da zona sul e oeste da zona central da cidade de São Paulo, os quais apresentam um nível de diferenciação correspondente ao do shopping Iguatemi: Eldorado, Morumbi, Jardim Sul, Villa Lobos e Higienópolis (além obviamente do próprio Iguatemi)".
Nessa linha de raciocínio é que devem ser entendidos o mercado relevante e a cláusula de exclusividade em contratos de franquia . Necessariamente, deve ser feito pelo franqueador (sim, é dele a responsabilidade pelo modelo de negócio e como ele vai se expandir) um estudo econômico do ponto de vista do franqueado, analisando-se os benefícios de serem instalados dois ou mais estabelecimentos em locais não muito distantes, sob pena de canibalismo.
Assim, somente poderá ser permitida cláusula de raio que respeite seu fim essencial: proteger o franqueado contra a predação de um "amigo concorrente".
Como já dito a cláusula de raio é importante instituto para preservar a franquia e vem sendo debatida e aceita nos tribunais brasileiros. Neste sentido, analisaremos duas decisões no presente artigo.
A primeira, extraída do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, demonstra a necessidade de a cláusula em questão ser expressa no Contrato de Franquia, ou seja, ela não pode ser tácita ou implícita, porém, existindo, deve ser cumprida:
"Em primeiro lugar, a alegada EXCLUSIVIDADE territorial não restou provada nos autos. O CONTRATO firmado pelas partes não estabeleceu esse direito à fraqueada e, especificamente em relação aos dealers, bem de ver que o CONTRATO em tela foi firmado em 31/05/1999 (f.111/130), e o dos dealers foi em 20/04/1999 (conforme laudo pericial à f. 412).
Assim, não vislumbro a alegada concorrência desleal nem qualquer omissão lesiva aos negócios da apelante, haja vista que a apelada não se colocou impedida de encetar outros negócios em razão do CONTRATO de dealers, ainda que a atuação destes se desse na mesma região." (Grifo nosso) (Relator Luciano Pinto; Apelação Civil nº. 1.0024.01.586811-0/001; TJMG; data do julgamento: 23/03/2006; data da publicação: 20/04/2006).
Já o segundo julgado relata e demonstra a necessidade do franqueador cumprir a cláusula de territorialidade e, em caso de descumprimento, o dever de indenizar a franqueada:
"O primeiro e principal ponto de se reconhecer, à evidência, a violação contratual por parte da Ré é quanto a indispensável necessidade da franqueadora ter preservado a territorialidade e exclusivamente das Autoras mormente quando vários gastos e investimentos ocorreram pelas Suplicantes para fins de execução do contrato, padronização de pontos de vendas e o mais conexo, como apontado na vestibular.
Restou incontroverso, tanto que nem a Ré nega tais fatos, que, mesmo havendo contrato com as autoras ultimou por concretizar vendas porta-a-porta, além de autorizar a negociação de seus produtos pelas cadeias de loja Sloper.
Em momento algum ficou comprovado nos autos, que havia para tanto uma autorização expressa das franqueadoras e/ou eventual mudança no sistema contratual e, cediço que tais procedimentos são incompatíveis com o contrato sub exame, como se fez registrar, pelas considerações doutrinárias acima transcritas.
Bem elucida a R. Sentença, à fl. 1858, segundo parágrafo, in litteris:
"Do inadimplemento contratual surgiram conseqüências danosas para as autoras, que confiaram na segurança apresentada pela ré, quando da contratação, crédulas que teriam o respaldo do grupo de Eike Batista,bem como a divulgação da marca por Luma de Oliveira, conhecida atriz e modelo. Cônscias dos riscos do negócio nunca imaginariam que a franqueadora poderia agir em desconformidade com as cláusulas contratuais, o que foi preponderante para encerramento das atividades da autora"
Aplicável, assim o art.1092 Parágrafo único do CC, que autoriza a condenação nas perdas e danos e, "per viam cosequentiae", não há como se admitir a reconvenção com cobrança de multa contratual quando a inadimplência e da Ré Reconvinde.
Reconhecido, pois, o direito indenizatório das autoras, resta estabelecer sua quantificação"(grifo nosso) (Relator: Reinaldo Pinto Alberto Filho; Apelação nº. 22477/02; 4ª Cámara Civil; julgamento em 11/03/2003).
Resta, portanto, comprovada a validade da cláusula de raio, bem como a necessidade de se respeitá-la, sob pena de qualquer dos contratantes ingressar com ação indenizatória no judiciário.
Por fim, importante comentário deve ser feito: não há nos tribunais brasileiros muitas decisões sobre a cláusula de raio ou outro litígio decorrente dos contratos de franquia. Disto, de duas uma: ou a cláusula de territorialidade poucas vezes é desrespeitada pelo franqueador ou pela franqueado; ou há, nos contratos de franquia, a inserção de cláusula arbitral para a solução dos litígios decorrentes do contrato.
A prática vem demonstrando que a segunda hipótese é a mais plausível. Cada vez mais, em diferentes tipos contratuais, observa-se a inclusão do pacto arbitral ou outro meio alternativo de solução de conflitos para, via de regra, agilizar a solução da pendência e entregar a ela a especialidade do(s) árbitro(s) no assunto discutido, com decisões mais justas e técnicas.
Igualmente, o procedimento arbitral, em geral, é sigiloso, impossibilitando o acesso aos autos e, conseqüentemente, ao objeto discutido, e quais vêm sendo as decisões sobre a cláusula de raio.
De todo o exposto, percebemos que a cláusula de territorialidade não vai de encontro à lei nº. 8.884/94, principalmente seus artigos 20 e 21, nos contratos de franquia.
Ela, ao contrário, objetiva preservar o franqueado e garante, conseqüentemente, lucros a ambos os lados da relação contratual.
é também necessário frisar que tanto a SDE quanto a procuradoria do CADE concordaram, no caso do Iguatemi, que não havia qualquer restrição à concorrência ou a livre iniciativa já que, no caso dos shoppings, deve ser preservado o tenant mix e o investimento feito pelos empreendedores no sentido de atraírem público e lojas.
Analogamente, o mesmo pode ser dito para as franquias. O franqueado não deve ser prejudicado pela abertura de mais franquias, após determinada a sua região de atuação, sob pena de se aniquilar um dos princípios básicos da franquia, qual seja: a segurança do negócio.
Observe-se que o CADE não seguiu a decisão dos órgãos acima, pois englobou em sua análise do caso a questão da cláusula de exclusividade posta pelo Iguatemi, que não só se confundia com a cláusula de raio, bem como à luz da razão depredava o princípio da eficiência e eficácia da firma comercial.
Nessa linha de raciocínio, o parecer do CADE:
"A restrição à liberdade de concorrência dentro do espaço horizontal atingido pelo raio poderia ser mitigada pela competição fora do raio, caso essa última não fosse alvo das cláusulas de exclusividade"
Porém, fácil perceber que nos casos de franquia estamos diante somente da cláusula de raio/territorial que é, conforme exposto, imprescindível para o sucesso econômico do negócio e não da cláusula de exclusividade.
Não haverá, portanto, infração à ordem econômica ou à livre iniciativa a estipulação de cláusula de raio nos contratos de franquia, garantindo o mercado relevante e segurança nos investimento feito pelo franqueado.
Autor:
Daniel Bushatsky
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