O fenômeno lingüístico, por ser um elemento cultural característico de qualquer grupo humano, permitiu a elaboração de estudos a partir desta prática tão peculiar a nós: a arte de simbolizar. Assim, lingüistas, antropólogos, sociólogos, historiadores, dedicados a uma problemática comum, esforçam-se para sistematizar estudos que envolvem sociedade, cultura e linguagem. Nesse sentido, a Sociolingüística
revela o papel ativo da língua na formação do grupo social e das identidades individuais. Ela indica também de que forma os fenômenos lingüísticos são realidades sociais, o resultado de mudanças sociais que ambos refletem e moldam. (Joyce, 1993:209)
Essas observações preliminares direcionam o caminho deste ensaio. Pretendemos, a partir dos estudos da Sociolingüística, mostrar os vínculos que as variedades lingüísticas devem ter com o ensino da língua materna. Assim, no primeiro momento, abordaremos a diversidade lingüística, mais precisamente, os tipos de variação que a linguagem sofre. Ou seja, sob o ponto de vista sincrônico, as variações geográficas, social e estilística; e, posteriormente, a variação diacrônica que caracteriza o fenômeno da mudança.
Apresentaremos, finalmente, o modo como a escola vem trabalhando com o ensino da língua e algumas propostas que o estudo das variações lingüísticas oferece para uma mudança nessa prática escolar. Dessa maneira, abordaremos, embora de maneira sucinta, alguns comportamentos diante da modalidade de expressão oral e, por fim, o papel que a escola pode assumir mediante o reconhecimento da característica plural da linguagem.
A heterogeneidade lingüística tem sido um tema de contínua preocupação para muitos lingüistas, especialmente em um país de grande extensão territorial como o Brasil. Não queremos dizer com isso que os limites geográficos estão, de maneira estanque, relacionados à questão da diversidade dos usos de uma língua, ou seja, que o espaço geográfico determina a variação e vice-versa. A atitude a adotar, preliminarmente, é separar os tipos de variação e, a partir daí, abordá-los, embora saibamos que estes estão imbricados, e sua divisão serve apenas como apoio didático.
Nesse sentido, podemos encontrar, sob a ótica sincrônica, três tipos de variação: geográfica, social e estilística; apesar de esta última ser decorrente da variação social, neste ensaio vamos considerá-la como um terceiro tipo.
A primeira variação diz respeito aos usuários da língua e à dimensão territorial da qual fazem parte. Assim, podemos perceber, dentro desse aspecto, se há mudanças de ordem estrutural, como fonética, morfológica e sintática, além da escolha lexical, o que não significa que estas estejam associadas somente a esse tipo de variação, uma vez que se trata de fatores internos da língua. Tais elementos podem ser encontrados fazendo-se uma comparação entre falantes de regiões distintas: o português de Portugal e do Brasil, os falantes brasileiros do sudeste, do sul, nordeste, os falantes dos meios rural e urbano etc. é o que observa Calvet
... pode-se perceber numa língua, continuamente, a coexistência de formas diferentes de um mesmo significado. Essas variáveis podem ser geográficas: a mesma língua pode ser pronunciada diferentemente, ou ter um léxico diferenciado em diferentes pontos do território. (2002:89)
Em relação ao segundo tipo de variação, isto é, a social, cabe-nos observar os vínculos que a língua possui com a estratificação social. Esse tipo "relaciona-se a um conjunto de fatores que têm a ver com a organização sociocultural da comunidade de fala" (Alkmim, 2003:35). Assim, os estudiosos que optam por essa variação fazem suas pesquisas observando, primordialmente, os fatores da idade, do sexo e da classe social. Há quem considere que esse último tipo de variação é o mais polarizado no Brasil. Teyssier afirma que "as diferenças na maneira de falar são maiores, num determinado lugar, entre um homem culto e o vizinho analfabeto que entre dois brasileiros do mesmo nível cultural originários de duas regiões distantes uma da outra". (1997:98).
Há um terceiro tipo de variação, a estilística, sobre a qual faremos uma explanação maior. Esta compreende o contexto social, a situação em que os interlocutores estão envolvidos. Decorre daí o fato de podermos falar da relação entre uma variedade considerada padrão e o vernáculo de uma determinada língua. Há aí uma nítida separação de usos, uma vez que, a título de exemplo, o desempenho lingüístico entre vizinhos difere-se em muitos aspectos de uma conferência, de discursos televisionados.
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