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O Projeto de Lei foi juntado às folhas 4/7 e a tramitação da proposição encontra-se à folha 8, registrando que se trata de uma proposição sujeita à apreciação conclusiva pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Cámara dos Deputados. O relator é o Deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro e não há mais prazo para oferta de emendas.
Por coincidência, no dia seguinte à iniciativa ex officio da Diretoria de nossa Casa, o associado Dr. Ernesto Juliani Filho, inscrito na AASP sob o número 76.724, trouxe, por meio do documento número 155/2008, observação acerca do projeto de lei, em que desabafa:
"Legal que a Cámara dos Deputados esteja preocupada com a perda de prazos por parte dos advogados. Entendo que a medida é absolutamente correta. Afinal, perder prazo significa não só o desleixo mais e principalmente, o prejuízo causado às partes em razão dessa desídia.
Entretanto, não consigo entender porque cartórios, juízes e membros do Ministério Público não merecem o mesmo tratamento. Advogo na Comarca de Barretos, Estado de São Paulo. Aqui, o cumprimento de prazos por cartórios, juízes e até representantes do Ministério Público é uma verdadeira piada. Desculpe a expressão. Para se ter uma idéia vou citar apenas um fato que acontece com o subscritor desta. Em fevereiro do ano de 2006 dei entrada no Juízo de Direito da 3ª. Vara Cível da Comarca de Barretos uma precatória expedida pelo Juízo de Direito da Comarca de Mogi Mirim, deste Estado, para realização de uma perícia grafotécnica.
Porém, até a presente data referida Carta Precatória não foi cumprida, apesar dos insistentes pedidos nosso. Que se preocupem com prazos perdidos por advogados, legal. Porém, é necessário que alguma medida drástica seja tomada para que cartórios, juízes e promotores não causem aos nossos clientes os mesmos prejuízos citados."
O expediente me veio no dia 1º de fevereiro de 2008, véspera do início oficial dos festejos de carnaval do ano corrente. E, a fim de que não nos percamos com o prazo que nos foi concedido (dez dias ao relator e cinco para o revisor), nem para que o ilustre Deputado Ernandes Amorim não nos impute a perda de tal prazo, restituo os autos na quarta feira de cinzas, 6 de fevereiro de 2008, com a esperança de que venhamos a apreciá-lo na primeira sessão do ano de 2008.
Assim estão relatados os autos.
Embora não padeça de inconstitucionalidade ou antijuridicidade, o Projeto de Lei em comento traz em si diversos senões a serem ressaltados.
O primeiro é de técnica legislativa. O artigo 1º do Projeto vem assim redigido:
"Art. 1º. Esta lei torna mais rigorosa a punição para o advogado que perde prazo processual, e em virtude disso sucumbe na causa, prejudicando seu mandante".
O dispositivo mais se assemelha a uma ementa da norma do que propriamente a um artigo de lei.
O segundo senão, curiosamente, antecede ao primeiro. Surge do teor da justificativa do Projeto de Lei, o qual afirma não existir punição exemplar para o mau profissional, que age com desídia, desleixo ou incúria, no trato de uma demanda judicial. E há grave equívoco nessa assertiva.
O terceiro aspecto está na indefinição da própria pena prevista, uma vez que o que se pretende é acrescer o parágrafo 4º ao artigo 37 do Estatuto dos Advogados, a Lei 8.906/2007, para a imposição da pena de suspensão, com esse teor:
"§4º aplicar-se-á a pena de suspensão, sem detrimento da responsabilidade civil e penal, ao advogado que perder o prazo processual, causando com isso a sucumbência na causa ao seu cliente. (NR)"
Ressalvada a confessa ignoráncia do Relator acerca da técnica redacional legislativa de matéria penal, parece-me que a pena proposta padece da absoluta ausência de determinação. Não há prazo para a suspensão da atividade profissional, o que poderia suscitar dúvida acerca da perenidade da suspensão - o que desnaturaria a própria condição de suspensão, passando a ser exclusão da advocacia - ou mesmo dos limites mínimo e máximo da imposição da sanção.
Não bastasse a inexistência de limites mínimo e máximo para a fixação da pena, não há no projeto a consideração de que a não utilização do prazo processual nem sempre é a razão determinante para a sucumbência. E essa é a quarta e mais importante motivação para a rejeição à proposta.
é verdade que os prazos processuais são, em regra, de natureza peremptória. A preclusão é ameaça constante. Uma vez vencidos, finda, de modo definitivo, a oportunidade de cumprimento do ato a que o prazo se destinava ver cumprido.
Todavia, valendo-me das lições de Sérgio Novais Dias1, nem sempre a perda de um prazo é
a causa eficiente da derrota judicial.
Há situações em que o advogado - que é condutor técnico do processo - acaba convencido de que a ação proposta está fadada ao insucesso e, por isso, não recorre. Não pode ser obrigado a recorrer e aumentar a litigiosidade judicial em casos cuja instrução lhe foi diametralmente contrária.
Claro que tal decisão implica em assumir o risco de vir a ser responsabilizado posteriormente. Mas isso depende de demonstração clara das reais chances do provimento ao recurso não interposto, caso tivesse sido apresentado.
Portanto, padece o projeto da indispensável aferição de nexo de causalidade entre a perda do prazo e a derrota judicial.
Tratar de perda de chance não é a mesma situação da perda de obrigação legal. A justificativa do projeto, assim como a entrevista concedida pelo ilustre deputado deixam clara a equivocada premissa da qual parte: a de que, se satisfeitos todos os prazos, o resultado seria diferente e que todos, ao contratarem profissionais advogados, devem ter expectativa de vitória judicial.
1 DIAS, Sérgio Novais, Responsabilidade Civil do Advogado - Perda de uma chance, LTr: São Paulo, 1999
Outro aspecto não analisado está na existência de pressupostos objetivos e subjetivos, intrínsecos e extrínsecos para o cumprimento de prazos.
Se aprovada a norma, a tendência que se estabelecerá é a de dilatação da marcha processual em todos os casos, pois os advogados serão induzidos à interposição de recursos, inclusive os de natureza extraordinária, num movimento contrário ao de pacificação dos conflitos.
Por outro lado, analisados os pressupostos objetivos dos recursos, em inúmeros casos, há a necessidade de cumprimento de atos preparatórios que incumbem à parte. Pagamento de custas, depósitos garantidores, entre outros exemplos, bem dão conta de que nem sempre a não satisfação de um prazo processual é ato que decorre de incúria ou de desleixo do advogado. Este não pode ser obrigado a financiar a causa alheia.
E o projeto, aprovado tal como se encontra, seguramente poderia albergar um cliente solerte que, verbalmente, autorizaria a não interposição de um recurso, para posteriormente tentar imputar responsabilidade ao seu ex-advogado.
Portanto, nem sempre a perda de um prazo - que é a perda de uma oportunidade processual ou de uma chance de vitória - implica em dano, seja patrimonial ou extrapatrimonial. E, mesmo quando implique, nem sempre deságua na responsabilidade do advogado, seja civil, seja criminal, seja administrativa, no plano ético.
O projeto, assim, tenta dar visos de objetividade ao que só é aferível, necessariamente, mediante a análise subjetiva das razões que conduziram ao não cumprimento de um prazo.
De outro lado, não é verdadeira a afirmação de que não existe previsão legal para sancionar o advogado que deixa de cumprir um prazo legal, injustificadamente. O Estatuto de nossa profissão estipula, com precisão, no artigo 32:
"Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa."
O inciso IX do artigo 34 da Lei 8.906, de 19 de julho de 1994, é de clareza solar:
"Art. 34. Constitui infração disciplinar:"
…
"IX - prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio."
…
"XII - recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de
impossibilidade da Defensoria Pública;"
…
Note-se que sanção decorrente da recusa ao cumprimento de dever de assistência jurídica é até mesmo imposta em casos em que o advogado é nomeado para tanto, sem ter sido sujeito de livre escolha pelo seu cliente.
Esses tipos são passíveis de penas que vão de censura a exclusão dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo a reiteração ou não da prática de tais faltas.
Portanto, não é verdadeira a afirmação de que não existe uma punição exemplar (vide o que consta de folha 5, em negrito, na justificação do Projeto de Lei) para os casos de desídia, desleixo ou incúria no trato de uma demanda judicial.
A previsão existe e não prejudica, ainda, desde que aferido o nexo de causalidade entre culpa e dano, patrimonial ou extrapatrimonial, as responsabilidades civil e penal do advogado.
Como suma, portanto, o Projeto de Lei merece, por parte de nossa Associação, uma atenção no sentido de que não venha a ser aprovado. Padece de atecnia. Ausência de fixação de limites mínimo e máximo da suspensão preconizada. Falta de identificação de nexo de causalidade e relação de causa e efeito entre o descumprimento do prazo assinalado e o prejuízo efetivo experimentado pela parte. Desconsideração das inúmeras razões pelas quais um prazo pode eventualmente deixar de ser cumprido, sem que se tenha nessa circunstáncia qualquer possibilidade de imputá-la ao advogado.
Por fim, é falsa a premissa de que não há previsão de punição ao advogado desidioso, no campo ético disciplinar. Há, sim, e a norma é suficiente para incutir no profissional o devido receio de condenação específica.
Não obstante, então, a inexistência de inconstitucionalidade ou ilicitude na iniciativa, opino pela sua rejeição pelo nosso órgão de classe, em função de sua inconveniência e inoportunidade, conforme já exposto.
Da manifestação de folha 9, extraem-se uma sugestão e uma queixa específica.
A sugestão está em exigir de servidores dos cartórios, juízes e membros do Ministério Público igual rigidez no cumprimento de seus respectivos prazos.
Em que pese o enorme respeito à opinião do colega, parto do princípio de que não é estabelecendo um regime de persecução entre os partícipes dos processos judiciais que se alcançará a tão almejada celeridade processual.
Já há normas que prevêem prazos judiciais a serem cumpridos por todos os atores da cena judicial. Falta-lhes efetividade e não existência. Nesse sentido, pode-se debitar à ausência de uma fiscalização mais diuturna das partes e dos demais partícipes dos feitos a delonga processual.
O exemplo que nos foi dado, de uma carta precatória para realização de perícia grafotécnica, emanada do Juízo de Direito da Comarca de Mogi Mirim, e que se encontra desde fevereiro de 2006 sem qualquer providência, é eloqüente, mas não autoriza a criação de normas que veiculem maiores sanções.
Devemos manifestar solidariedade e, eventualmente, até mesmo cobrar solução e iniciativa, por meio de ofício ao juízo deprecado, quanto ao cumprimento da carta precatória. Mas o exemplo não autoriza nem legitima a imposição de novas e superiores penas aos integrantes da cena judiciária. Tais penas, na realidade, apenas viriam ampliar a gama de normas sem efetividade.
Opino, assim, quanto a esse aspecto, por diligenciar junto ao associado, solicitando informes específicos acerca da carta precatória sem qualquer providência desde fevereiro de 2006, a fim de que possamos avaliar a conveniência e oportunidade de oficiar ao juízo deprecado acerca do cumprimento da medida.
Em decorrência do exposto, concluo por indicar ao egrégio Conselho da Associação:
1)- Acompanhar a tramitação do Projeto de Lei 2.019/2007 em curso na Comissão de Constituição e Justiça da Cámara dos Deputados, encaminhando ofícios nos quais expressaremos nossa contrariedade à sua aprovação, dirigido às seguintes instituições e autoridades:
a) Ao autor da proposta, Deputado Ernandes Amorim, do PTB de Rondônia;
b) Ao Relator, Deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio de Janeiro;
c) A todos os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça da Cámara dos Deputados;
d) Ao Conselho Federal e às Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, convidando-os para que atuem no mesmo sentido;
e) À Presidência da Cámara dos Deputados;
2)- Oficiemos ao associado Dr. Ernesto Juliani Filho, inscrito na AASP sob o número 76.724, comunicando-lhe acerca do resultado de sua iniciativa e com a solicitação de maiores informes acerca da carta precatória aludida na comunicação que nos foi remetida;
3)- Publiquemos em nosso boletim a manifestação de contrariedade à aprovação do Projeto de Lei em comento.
é como voto, sujeito ao crivo da direção da Casa e dos seus demais conselheiros.
São Paulo, 6 de fevereiro de 2008;
Associação dos Advogados de São Paulo
Luís Carlos Moro - Relator
LCM AASP 004/2008 ".
NB. Luís Carlos Moro é advogado trabalhista, sócio de Moro e Scalamandré Advocacia S/C, ex-presidente da abrat e da ALAL, Conselheiro da AASP, membro integrante da Comissão Nacional de Relações Internacionais do Conselho Federal da OAB E professor universitário, e-mail: luiscarlos[arroba]moro-scalamandre.net; site: http://www.moro-scalamandre.net/
Autor:
Luiz Salvador
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