O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição e uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes? (Michel Foucault)
Este ensaio apóia-se nas idéias que Michel Foucault desenvolveu acerca do poder, sujeito e discurso. Procuraremos entender como esse pensador elabora o seu conceito de poder por meio da disciplina; veremos sua relação com a temática do sujeito e sua eficácia no discurso institucionalizado.
O tratamento que Foucault deu à temática do sujeito mantém um vínculo estreito com a temática do poder. Este é tomado como análise das formas de governamentalidade, a partir da qual seus estudos permitiram questionar o poder como uma noção centralizadora, enquanto um lugar específico, como se fosse uma essência. Foucault propõe "analisá-lo, ao contrário, como um domínio de relações estratégicas entre indivíduos ou grupos - relações que têm como questão central a conduta do outro ou dos outros, e que podem recorrer a técnicas e procedimentos diversos, dependendo dos casos, dos quadros institucionais em que ela se desenvolve, dos grupos sociais ou das épocas". (1997: 110).
Podemos visualizar aí uma crítica ao aparelho de Estado enquanto soberania, pura jurisdição, força centralizadora do poder, preconizado, entre outros, pelo filósofo político Thomas Hobbes ao comparar o Estado com o Leviatã[1]. Essa noção não é prioritária para a analítica de poder foucaultiana; o seu interesse está nos micropoderes, pois "[...] mais do que conceder um privilégio à lei como manifestação de poder, é melhor tentar determinar as diferentes técnicas de coerção que opera". (FOUCAULT, 1997: 71).
Nesse sentido, é importante apresentarmos aqui as características totalizadoras e individualizantes do Estado, cuja origem encontra-se naquilo que Foucault chama de tecnologia de poder pastoral advinda do Cristianismo. Nos ámbitos da instituição cristã,
Tais características foram, segundo Foucault, absorvidas pelo Estado moderno, porém, com outras finalidades. Primeiro, porque a palavra salvação passa a ser entendida como saúde, bem-estar, segurança nos planos terrenos, ou seja, ocorre uma laicização do termo. Depois, porque as formas de se exercer o poder são ampliadas e reforçadas por instituições de bem-estar social, como as entidades de filantropia, por exemplo. E, finalmente, como resultado dos objetivos do Estado, o foco volta-se, de um lado, para a população e, por outro, para o indivíduo. Eis o que Foucault chama de "duplo constrangimento" do poder moderno: a individualização e a totalização.
Isso mostra, obviamente, que Foucault não ignora o poder totalizador do Estado, a partir do qual se podem ver as formas de sujeição, ou o que poderíamos chamar de assujeitamento, como resultado das relações de dominação, tais como "[...] força de produção, luta de classe e estruturas ideológicas que determinam a forma de subjetividade." (FOUCAULT, 1995: 236). No entanto, acrescenta que esses mecanismos de exploração não são o "terminal" de mecanismos mais fundamentais. Daí o motivo pelo qual o autor "retira" o caráter de essência do poder e propõe uma analítica das relações, ou seja, "[...] aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age imediatamente sobre os outros, mas que age sobre sua própria ação." (FOUCAULT, 1995: 243).
é a partir das micro-relações que Foucault propõe a idéia de um poder disciplinar que "põe em funcionamento uma rede de procedimentos e mecanismos que atinge os aspectos mais sutis da realidade e da vida dos indivíduos, podendo ser caracterizado como um micropoder ou um subpoder, que se capilariza e consegue se fazer presente em todos os níveis da rede social". (FONSECA, 2003: 70).
O poder disciplinar é estudado em Vigiar e punir (1975), livro ao longo do qual Foucault apresenta duas formas básicas de punição: o suplício e a prisão. é em decorrência dessa última que surge a disciplina, com suas funções e instrumentos de controle.
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