O presente estudo tem por finalidade defender a idéia de que o menor de idade pode (e deve) ser responsabilizado pelo cometimento de infrações de tránsito, quando da condução de veículos automotores, ainda que ele, obviamente, não tenha condições de ser devidamente habilitado, por vedação do artigo 140, inciso I, do Código de Tránsito Brasileiro (1).
O conceito de menor de idade pode ser obtido em duas principais fontes, que devem ser analisadas de maneira conjunta. O Decreto nº 99.710/90, que promulgou, no Brasil, a Convenção sobre os Direitos da Criança, entende que, para os seus efeitos, criança é todo o ser humano menor de dezoito anos de idade.
Pouco antes, porém, da publicação deste Decreto, tivemos a edição, em nosso país, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por meio da Lei nº 8.069/90, verdadeiro marco de abandono do Direito de menores e o início da adoção do chamado Direito da infáncia e da juventude. Em seu artigo 2º, encontramos a divisão conceitual entre criança e adolescente, adotando-se o critério limitador de até doze anos de idade incompletos para as crianças e a faixa etária entre doze e dezoito anos para os adolescentes.
A diferença entre crianças e adolescentes terá especial importáncia na aplicação da lei, quando do cometimento de condutas descritas como crimes ou contravenções, pois, tendo sido estes praticados por menores de idade, serão denominados atos infracionais, por força do artigo 103 do ECA (2). A inimputabilidade penal dos menores de idade, que é a regra estabelecida tanto no artigo 228 da CF/88 (3) quanto no artigo 104 do ECA (4), terá contornos distintos, porquanto prevê a legislação específica, de um lado, medidas de proteção à criança, que implicam um tratamento através de sua própria família ou na comunidade, sem privação de liberdade e, de outro, um tratamento mais rigoroso ao adolescente, com aplicação de medidas sócio-educativas, que podem implicar em privação de liberdade.
é necessário, pois, diferenciar imputabilidade de responsabilidade. Segundo Roberto Barbosa Alves, do Ministério Público de São Paulo, "O Estatuto da Criança e do Adolescente foi pioneiro na introdução de alguns desses padrões em nosso ordenamento jurídico. O fato de haver sido construído sobre a doutrina de proteção integral proposta pela ONU impôs o abandono da idéia - defendida por alguns autores - de que diante da jurisdição, o menor é objeto e não sujeito" (5).
Napoleão X. do Amarante, Desembargador de Santa Catarina (6), explica que "nem todos os fatos incluem-se na esfera de interesse do Direito. Ingressa nesta área, entre tantos os outros, o comportamento humano visto sob a óptica de sua ilicitude", apresentando um interessante histórico sobre a política criminal aplicável aos menores de idade, que nos demonstra o equívoco de rotular o menor de idade como não sendo sujeito a qualquer tipo de responsabilidade e que abaixo resumimos:
No Império, com o advento do Código Criminal de 1830, os menores de 14 anos somente eram considerados penalmente irresponsáveis se não houvesse prova no sentido de seu discernimento (presunção juris tantum (7) de irresponsabilidade).
No Código Penal de 1890, os menores de 9 anos passaram a ser reputados, em termos de presunção juris et de jure (8), plenamente irresponsáveis.
Em 1926, o Código de Menores passou a estipular que nenhum menor de 18 anos, preso por qualquer motivo ou apreendido, seria recolhido à prisão comum.
Alterando-se o critério adotado pelos Códigos anteriores, o Código Penal de 1940 passou a considerar o pressuposto de imputabilidade exclusivamente em relação à idade, determinando como "irresponsáveis" os menores de idade, em seu artigo 23 (9), expressão que foi corrigida pela Lei nº 7.209/84, que, renumerando o artigo 23 para artigo 27, estabeleceu que "Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente INIMPUTÁVEIS, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial", preceito que, como visto, foi mantido na Constituição Federal de 1988 e repetido na legislação especial vindoura (ECA).
Responsabilidade, por sua vez, provém do latim respondere, que representa a necessidade de se responsabilizar alguém por seus atos danosos.
A responsabilização, conforme Rui Stocco, é "meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução, é o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar o outro, ou seja, o neminem laedere". Assenta referido autor, citando Marton, que responsabilidade é "a situação de quem, tendo em vista uma norma qualquer, se vê exposto às conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas que a autoridade encarregada de zelar pela observação do preceito lhe imponha, providências essas que podem, ou não, estarem previstas".(10)
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