Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 


A Educação e o Estado Novo: a ratificação da ordem dominante e a construção do imaginário político b (página 2)

Michael George Costa Carneiro Carneiro

Como já dito anteriormente, Getúlio Vargas chega ao poder em 1930 derrubando as oligarquias rurais e permanece no poder através de um auto-golpe em 1937, no qual se instala o Estado Novo.

A partir do Estado Novo estabelece-se no Brasil um regime totalitário e Getúlio aprofunda cada vez mais uma "imagem mitológica" junto as massas, que posteriormente (principalmente após seu suicídio) seriam discutidas e debatidas por distintos segmentos da sociedade, principalmente nas áreas acadêmica e política.

Principalmente durante o Estado Novo Getúlio trabalha junto as camadas populares a imagem do "pai dos pobres" (são os primórdios de um Estado paternalista com suas práticas assistencialistas) para este fim alguns instrumentos foram utilizados, que serão relatados a seguir.

O grande veículo de comunicação de massa durante o Estado Novo foi o rádio, que neste período passou a ter contornos populares, com uma programação voltada para as camadas baixas: programas de auditório, rádio-novelas, transmissões de futebol, etc.

Era principalmente através do rádio que Getúlio passava a imagem de "pai da nação" mostrando apenas as benevolências de seu Governo, enquanto as malevolências eram censuradas pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Neste contexto surgi a "Hora do Brasil", programa transmitido obrigatoriamente as 19h. por todas as rádios do país (até os dias atuais) propagandeando os pontos positivos do Estado Novo e de Getúlio Vargas.

Para ilustrar o contexto descrito acima é relevante destacar que a partir de 1940 o aniversário de Getúlio Vargas passou a ser data do calendário festivo brasileiro. Enumeros "títulos" e "obras" foram dirigidos para fomentar a imagem mitológica de Getúlio. Assim o aniversário:

do ditador a partir de 19 de abril de 1940, no plano federal e nos estados, ele é comemorado festivamente. Depois destes ano, os fatos se repetem e, em 1942, temos o ponto mais alto e amplo destas comemorações. Em abril de 1940, os jornais ocupam páginas inteiras sobre o aniversário de Getúlio Vargas; não só acentuam sua biografia, mas também seus valores pessoais. é assim que ele é gaúcho, teve desde criança um vasto horizonte pela frente e, conseqüentemente, como todo gaúcho acostumado ao ar livre, esta condição deu-lhe "coragem, magnanimidade e singeleza, traços característicos do perfil político do Presidente Getúlio Vargas". (Carone, p. 167)

Neste sentido Getúlio cria a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), uma gama de leis que regulamentam as relações trabalhistas no Brasil, que é saudada pela classe trabalhadora como uma forma de segurança e proteção das relações opressoras do sistema capitalista. Neste contexto, devemos destacar a criação da Previdência Social que estabeleceu a seguridade previdenciária aos trabalhadores brasileiros. Todos estes avanços na área social ocorrem concomitantemente com uma intensa propaganda pró-Estado Novo e pró-Getúlio Vargas, comandada pelo DIP.

Ainda é relevante relatar que durante o Estado Novo os sindicatos são legalmente oficializados. Sindicatos legalizados, porém controlados pelo Estado. Surgia neste momento o chamado "sindicato pelego", um sindicato que não tinha como objetivos centrais a reivindicação do cumprimento dos Direitos trabalhistas e a luta por melhores salários e condições de trabalho entretanto, o "sindicato pelego" tinha como central ser um agente colaborador do Estado, um "pára-choque" entre os trabalhadores e o poder dirigido por Getúlio. O Estado Novo:

intensifica e aprofunda o problema da dependência do operariado com o Estado. Não só a repressão extermina os operários mais conscientes, como aumenta-se a propaganda sobre os benefícios governamentais. Assim, entre os dois extremos, o movimento operário é obrigado a aceitar as imposições e posições, e tenta-se criar a imagem de uma total subordinação e neutralidade, que acabam aparecendo como únicas, como em todo regime de força, onde dominam a força a propaganda e a coerção. (Carone, p. 126)

Getúlio estabeleceu-se no poder não com o objetivo de ser um instrumento das massas, de suas reivindicações e anseios. Mas, de usar as massas a seu favor, em seu próprio benefício. Neste sentido, qual o papel da educação? Seria o setor educacional importante para colocar as massas em prol de Getúlio Vargas?

A gente quer inteiro e não pela metade

No setor educacional o Estado Novo configura-se legalmente através de vários Decretos-Leis no período de 1942 a 1946 que ficou conhecida como Reforma Capanema (fazendo referência ao então Ministro da Educação Gustavo Capanema). Foram oito decretos que regulamentavam o Ensino Primário, o Ensino Secundário e as distintas áreas do Ensino Profissionalizante (industrial, comercial, normal e agrícola[1]). Embora:

o artigo 129 da Constituição de 1937 tivesse destinado o ensino técnico-comercial às "classes menos favorecidas", a partir de 1942 esse ramo de ensino começou a contar com uma legislação nacional. Também na mesma época forma criados o Senai, através do Decreto-Lei nº 4048, de 1942, e o Senac por meio do Decreto-Lei nº 8621, de 1946. (Piletti, Cláudio; Piletti, Nelson, p. 211)

A Reforma Capanema ratifica a ordem vigente, a ordem dominante, devido a esta

Reforma manter como característica da educação brasileira o dualismo. A própria Lei Orgánica do Ensino propiciava dois "caminhos" a serem percorridos do ensino primário ao ensino profissionalizante. O dualismo na educação era:

nas letras da Reforma Capanema, a organização de um sistema de ensino bifurcado, com um ensino secundário público destinado às "elites condutoras" e um ensino profissionalizante para as classes populares. Assim, se por um lado o Estado organizou as relações de trabalho através da CLT, por outro, impôs ao sistema público de ensino uma legislação que procurou separar aqueles que poderiam estudar, daqueles que deveriam estudar menos e ganhar o mercado de trabalho mais rapidamente. (Ghiraldelli Jr., p. 84)

Para os estudantes oriundos das camadas médias e altas da sociedade o caminho era: cursar o primário, depois o secundário em seus dois ciclos (ginásio e colégio) e finalmente a profissionalização no ensino superior (tendo o Direito de cursar qualquer curso universitário). Para os filhos de famílias oriundas das camadas baixas o caminho era: conseguir uma vaga em escola pública (que não garantia matrícula para todos) e assim possivelmente cursar o primário (que contava com um quinto ano, preparatório ao Exame Admissão ao ginásio - os que não eram considerados aptos neste exame não podiam cursar o ginásio), depois entrar no ensino secundário profissionalizante também em dois ciclos (o primeiro de quatro anos e o segundo de três anos) para enfim, poder cursar o ensino superior em uma cadeira correspondente a habilitação no ensino secundário. As estudantes que fizessem o Ensino Normal, por exemplo, só poderiam freqüentar o Ensino Superior em um dos cursos da "Faculdade de Filosofia". O processo de desenvolvimento econômico:

requereu um novo perfil da força de trabalho urbana, o que pressupôs uma certa escolarização. Ao mesmo tempo, a diversificação das atividades ocupacionais, inerente ao processo de modernização, suscitou a demanda pela ampliação das oportunidades educacionais. Mas como o trabalho, no universo cultural que a sociedade escravocrata forjara, constitui-se numa atividade que se identificava como própria dos subalternos, o que vai ocorrer é a própria expansão desordenada do modelo de sistema de ensino até então vigente. (Ferreira; Aguiar, p. 34/35)

Era de extrema importáncia profissionalizar a massa trabalhadora precocemente (no ensino secundário) devido a realidade sócio-econômica em que se inseria o país naquele momento, realidade já relatada neste estudo. Daí surgiram o Senai (1942) e o Senac (1946), visando qualificar a mão-de-obra para a indústria e o comércio/prestação de serviços, respectivamente. Estas instituições profissionalizantes dirigidas pela Confederação Nacional da Indústria ( CNI ) e pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), naquele primeiro momento, pagavam uma "ajuda de custo" a seus estudantes, o que ficava mais atraente ainda as pessoas das camadas baixas da sociedade. Assim mesmo:

considerando o êxito do Senai e do Senac, é preciso reconhecer aí a manutenção do sistema dual de ensino, a legislação acabou criando condições para que a demanda social da educação se diversificasse apenas em dois tipos de componentes: os componentes dos estratos médios e altos que continuaram a fazer opção pelas escolas que "classificam" socialmente, e os componentes dos estratos populares que passaram a fazer opção pelas escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho. Isso, evidentemente, transformava o sistema educacional, de modo geral, em um sistema de discriminação social. (Aranha, p. 248)

Além de manter institucionalizado este dualismo na educação brasileira, o setor educacional brasileiro neste período também agrega valores, desde o curso primário, voltado para um nacionalismo totalitário.

Era intenção do sistema passar idéias não de criticidade ou idéias que despertem as práxis reflexivas, mas de uma sociedade vista como uma corporação onde cada um tinha uma função determinada para o bem-estar do corpo. Era função idolatrar o "pai da nação", era função obedecer ao que foi determinado, era função tentar absorver os conteúdos transmitidos na escola para no futuro ser um bom operário, domesticação de consciências. Essas atitudes:

de Getúlio Vargas, no sentido aproximação das massas, não para colocar-se como instrumento delas, mas como meio de usá-las em favor de seus próprios objetivos assim, entrando no imaginário do brasileiro. (Ribeiro, p. 132)

Enfim, a educação no Estado Novo possuía um carácter propedêutico para aqueles de melhor posição na pirámide social e um carácter "profissionalizante precoce" para as "classes menos favorecidas" atendendo assim aos desejos da classe empregadora, ratificando a ordem dominante.

O setor educacional foi um dos principais meios para Getúlio conseguir domesticar a consciência da classe trabalhadora, entrar no imaginário da mesma e não mais sair até os dias atuais, mesmo que se apresente com uma nova roupagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1989.

CARONE, Edgard. O Estado Novo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1988.

FERREIRA, Naura; AGUIAR, Márcia. Gestão da Educação: impasses, perspectivas e compromissos. São Paulo: Cortez, 2000.

GHIRALDELLI JR., Paulo. História da Educação. São Paulo: Cortez, 2000.

PILETTI, Cláudio; PILETTI, Nelson. Filosofia e História da Educação. São Paulo: Ática, 1987.

RIBEIRO, Maria Luisa Santos. História da Educação Brasileira - a organização escolar. Campinas: Editora Autores Associados, 1998.

[1] Em 1942 foi regulamentado o ensino industrial (Decreto-Lei 4073), em 1943 o ensino comercial (Decreto-Lei 6141), e em 1946 o ensino normal (Decreto-Lei 8530) e o ensino agrícola (Decreto-Lei 9613).

 

 

Autor:

Michael George Costa Carneiro

mg2c[arroba]hotmail.com

Mestre em Ciências Pedagógicas (ISEP)

Professor das redes municipal e estadual (RJ)



 Página anterior Voltar ao início do trabalhoPágina seguinte 



As opiniões expressas em todos os documentos publicados aqui neste site são de responsabilidade exclusiva dos autores e não de Monografias.com. O objetivo de Monografias.com é disponibilizar o conhecimento para toda a sua comunidade. É de responsabilidade de cada leitor o eventual uso que venha a fazer desta informação. Em qualquer caso é obrigatória a citação bibliográfica completa, incluindo o autor e o site Monografias.com.