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O monitoramento pelo empregador do correio eletrônico (página 2)

Mário Paiva

III- Correio postal e correio eletrônico

Com efeito, as diferenças entre correio postal e o eletrônico não podem ser relevantes no que diz respeito a incidência legal na proteção da intimidade. O suporte digital em que viaja a mensagem não deve ser obstáculo para considerar sua inviolabilidade, já que podemos considerar que na atualidade tanto a luz de uma ótica social como de uma ótica legal – não temos regulamentação específica a respeito- possa parecer que não se equiparam ambos os correios.

Uma das principais argumentações em prol do controle das comunicações na empresa é justamente o de que o correio eletrônico não pode ser equiparado ao correio postal pois segundo as pautas de nossa cultura e do ponto de vista social, da comunidade internauta, bem como pela própria evolução no uso do correio eletrônico, em geral se considera mais grave a violação de um correio postal, de uma carta alheia, que a de um correio eletrônico.

Não obstante entendemos que pelo simples fato de tratar-se de uma comunicação – por um novo meio, porém com os mesmos caracteres fundamentais – já deve ser outorgada a necessária proteção frente a intromissão externa. Isso pode ser verificado mais peculiarmente, com a usual exigência de uma chave pessoal para acessar a caixa eletrônica do correio, o qual já exterioriza o caráter privado de seu conteúdo, sem que a falta de um suporte físico fechado seja óbice para diminuir sua privacidade. Isso mostra que a mensagem transmitida via correio eletrônico merece privacidade suficiente para que seja aplicada toda a proteção legal de que goza a correspondência postal.

Além da garantia constitucional, a violação de correspondência também é prevista pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 151 onde dispõe: "Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem". Pena de detenção, de 1 (um) a seis meses, ou multa. Tal sigilo é uma conseqüência dos direitos de propriedade e liberdade individual, que resulta dos preceitos constitucionais dos povos livres e cultos. Para nós por analogia a violação ou devassa de correspondência fechada, seja carta, telegrama ou correio eletrônico, dirigida a outrem é ação punível com a pena acima referida.

A respeito cabe aduzir que na legislação espanhola por exemplo o Código Penal já equipara em seu artigo 197.1 o correio postal e correio eletrônico, castigando a vulneração da intimidade de outro por parte de quem "sem seu consentimento, se apondere de seus papéis, cartas, mensagens de correio eletrônico", o "intercepte suas telecomunicações ou utilize artifícios técnicos de escuta de transmissão, gravação ou reprodução de som ou imagem, ou de qualquer outro sinal de comunicação’.

IV- Poder de direção do empresário e a intimidade pessoal do trabalhador

Não há que se discutir que o direito fundamental a intimidade pessoal é aplicável também as relações laborais no entanto isso não significa que dito direito seja absoluto, mas sim que terá que conjugar-se com outros interesses em jogo, entre os quais encontramos a faculdade do empresário de estabelecer mecanismos de vigilância e controle sobre os trabalhadores para comprovar o cumprimento de suas obrigações laborais e aplicar penas disciplinares, com o devido respeito a dignidade humana. Portanto proteção civil do direito a honra, a intimidade pessoal e familiar e a própria imagem poderá ser quebrada por intromissões ilegítimas aquelas que suponham, sem consentimento do indivíduo a colocação em qualquer lugar de aparatos de escuta, de filmagem, de dispositivos óticos ou de qualquer outro meio apto para gravar, reproduzir a vida íntima das pessoas ou de manifestações ou cartas privadas não destinadas a quem faça usos de tais meios, assim como sua gravação, registro e reprodução

O exercício das faculdades organizativas e disciplinares do empregador não podem servir em nenhum momento para a produção de resultados inconstitucionais, lesivos dos direito fundamentais do trabalhador, nem a sanção do exercício legítimo de tais direitos por parte daqueles. Nos casos em que surjam conflitos aonde haja direitos fundamentais em jogo – como o direito a intimidade e ao segredo das comunicações – deve ponderar-se, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, como medida de respeito ao direito. Isso suporá analisar se a medida é adequada para conseguir o objetivo que se pretende, desde que não exista outra medida que possa alcançar o mesmo objetivo sem produzir tal restrição ao direito.

Na relação de trabalho devem ser respeitados os preceitos constitucionais, já que a celebração de um contrato de trabalho não pode suportar por si mesmo a renúncia dos direitos fundamentais, pois ditos direitos podem ser objeto de certas restrições ao empresário, com a devida e restrita justificação. Como por exemplo a instalação de microfones em certos lugares da empresa, se estabelece uma certa restrição que uma interceptação das comunicações pessoais em âmbito em que os trabalhadores devem gozar de intimidade (lugares de descanso, asseio, vestiários...) pois será considerado a nosso ver lesivo para os direitos fundamentais, sem que nada obste para que em determinados casos possa também entender-se que se produzam lesões ao direito a intimidade nos lugares e os que se levam a cabo propriamente a prestação laboral. É dizer, a intimidade do trabalhador deve ser respeitada em qualquer ocasião no ambiente de trabalho, e o segredo das comunicações qualquer que seja a modalidade em que se transmita.

V- A intervenção do correio eletrônico na empresa

A princípio entendemos que a interceptação ordinária e indiscriminada do correio eletrônico dos trabalhadores nas empresas deve ser considerada fora da legalidade com base na doutrina constitucional anteriormente exposta. Porém, a questão não é tão simples bem como não se limita apenas a uma única análise uma vez que comporta algumas situações dicotômicas como por exemplo a do correio eletrônico proporcionado pela empresa e aquele de uso particular do trabalhador, contratado por ele mesmo a margem de sua relação laboral com a empresa.

No primeiro caso a poder de controle e direção que corresponde ao empresário no uso da liberdade de empresa tem lhe permitido estabelecer, se for o caso, medidas impeditivas e condicionantes sobre o uso particular do serviços que oferece na internet.

O correio proporcionado pela empresa deve destinar-se ao uso estritamente profissional, como uma espécie de ferramenta de trabalho de propriedade da empresa, não podendo o empregado com isso utilizar-se para fins particulares. Nesse caso entendemos que a empresa detêm a faculdade de controle sobre o correio desde que limite-se a comprovar se realmente a utilização do correio eletrônico serviu para o fim a que se destina, sem mais intromissão, que seria a todas as luzes ilegítima. E em todo caso deve manter-se a privacidade das mensagens, sem que um acesso indiscriminado ao mesmo seja aceitável. O simples fato de ser um correio eletrônico proporcionado pela empresa, uma ferramenta de trabalho, não obsta que a interceptação do mesmo sem a devida justificação possa considerar-se lesiva para os direitos fundamentais do trabalhador.

E no que diz respeito ao correio eletrônico particular do trabalhador, é evidente que qualquer intromissão do mesmo poderá ser considerada uma vulneração aos direitos fundamentais do trabalhador. Isso não obsta a que a empresa imponha levando-se em consideração a faculdade diretora da relação trabalhista, a proibição ou restrição no que concerne a utilização do correio eletrônico particular durante a jornada laboral, como uma espécie de incumprimento das obrigações por parte do trabalhador gerando sanções fundamentadas nos incisos do artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, incluindo em resilição do vínculo empregatício em caso de reinteração.

Em todo caso, resulta fundamental informar ao trabalhador dos meios que serão utilizados para verificar o cumprimento do pactuado e estabelecer uma normativa interna, bucando incluir o consentimento tanto do trabalhador como de seus representantes.

A adoção de medidas de controle será válida, em princípio, quando se estabeleça uma clara política de empresa a respeito, por exemplo, através da eleboração de um código de conduta onde se comunique aos trabalhadores em caráter periódico e que indique claramente as regras as que o trabalhadores devem ser submetidos quando utilizem os meios técnicos postos a disposição da empresa para realização de sua prestação laboral. Também são aconselháveis outras medidas, como a separação do correio eletrônico pessoal do profissional, o controle gradual das comunicações, já que devem ser analisadas caso por caso.

Certamente, a liberdade da empresa supõe o poder de decisão do empregador sobre a estrutura e funcionamento daquela; A disponibilidade sobre os meios de produção a direção da pretação de trabalho do pessoal contratado, de acordo com as condições pactuadas no contrato de trabalho. Porém um contrato que não pode ignorar que as relações laborais se baseiam em princípios de boa-fé e diligência profissional. E, como é óbvio, aquelas condições não podem estabelecer-se com abstração dos direitos reconhecidos pela constituição. A autonomia organizativa do empresário não é nem pode ser ilimitada.

E nesse sentido, o contrato laboral não é uma área autonôma alheia a vigência da Constituição. Por essa razão, o acesso indiscriminado ao correio eletrônico, por exemplo, vulnera o direito do trabalhador em seu sigilo nas comunicações e a reserva sobre a comunicação emitida, com independência do conteúdo da mesma.

Em virtude da falta de uma regulamentação legal que carecemos, e com o objetivo de solucionar eventuais conflitos envolvendo referidas questões, aconselhamos o atores sociais a estabelecer acordos entre empregados e emepregadores relativos ao correio eletrônico no sentido de regulamentar seu uso através de regulamentos de empresa ou convenções coletivas. Uma informação clara e inequívoca aos trabalhadores sobre o correto uso do mesmo, e sobre o sistema e características de controle do correio profissional geraria um standart adequado para o uso eficiente e pacífico desta ferramenta de comunicação e trabalho. Não obstante, apesar de que a autoregulamentação é o mesmo mecanismo que tem ocorrido o desenvolvimento do direito no que envolve tecnologias de informação, não se pode desejar o puro consenso das partes em determinados temas especialmente sensíveis como o da privacidade, devido a que na prática dito consenso não é mais que aparente, tratando-se mais de simples mecanismos de adesão.

Tivemos notícia de que uma grande montadora no Estado de São Paulo isso já ocorre em determinados setores, nos quais no momento da assinatura do contrato de trabalho o trabalhador é convidado a firmar uma renúncia a privacidade do correio eletrônico disponibilizado pela empresa, pelo qual o consentimento expresso prestado por um indivíduo converte aparentemente em legítima a intromissão em suas comunicações.

VI- Precedente legislativo do Reino Unido

É evidente que um comportamento laboral abusivo de confiança ou desleal frente ao empregador, com o uso reiterado dos recursos da empresa com fins particulares, constitue um incumprimento do contrato de trabalho que deve ser sancionado, já que pode resultar discutível em certo casos optar pela demissão. Sem embargo, como conseqüência da propriedade empresarial sobre o computador que usa o trabalhador e sobre a direção do correio eletrônico, por exemplo, cabe perguntar se realmente pode o empresário proceder a interceptação de forma indiscriminada para verificar o conteúdo das mensagens que emite e que recebe o empregado .

No Reino Unido, por exemplo já existe forma legal a polêmica questão da intervenção do correio eletrônico dos trabalhadores as chamadas Lawful Business Pratices Regulations, em desenvolvimento da Regulation of Investigatory Powers Act 2000. Esta norma autoriza a empresa a controlar, interceptar e gravar qualquer chamada telefônica, correio eletrônico ou a navegação pela internet, sem conhecimento do trabalhador, sempre que a finalidade de tal interceptação se encaixe em alguma das determinações legais.

Entre outros, comprovar o cumprimento dos códigos de conduta estabelecidos pela empresa a respeito das comunicações, detectar se as comunicações recebidas são privadas ou de trabalho, o interesse na segurança nacional, a prevenção de delitos, investigar o uso incorreto dos sistemas de telecomunicações. Em suma, a amplitude dos casos para a interceptação inclui praticamente todas as circunstâncias em que o empresário deseje controlar as comunicações de seus trabalhadores.

Em todas as hipóteses anteriores, é posto como condição para a legalidade da atuação, que o controlador do sistema de telecomunicações haja realizado todos os esforços razoáveis para informar aos potenciais usuários da possibilidade de interceptação. A respeito da interceptação consentida pelo trabalhador nada se disse posto que já se entende autorizada.

A regulamentação tem gerado um intenso debate legal no Reino Unido acerca aonde pode chegar o empresário em seu poder de controle das comunicações, visualizando que sua possível confronto tanto com o artigo 8 (direito a privacidade) da Convenção Europeia de Direito Humanos, que foi integrada ao ordenamento jurídico britânico (Human Rigts Act), como a normativa vigente de proteção de dados (Cata Protection Act). Las Lawful Business Practices Regulations.

Certamente este precedente não perdurará e muito menos deverá ser seguido por outros países uma vez que o certo é que deveriam ser estabelecidas que apenas em determinadas hipóteses determinadas por lei ocorrerá a viabilidade de interceptar as comunicações no trabalho que não venham a ser ilegais, por isso não convém dar "carta branca" ao empregador, pois este deve limitar-se aos ilícitos objetivos que pretende perseguir, tendo sempre em conta o direito a privacidade do trabalhador, assim como o estrito tratamento que deve ser dado a informação.

VII- Conclusão

Em definitivo, não podemos admitir que o advento das novas tecnologias provoque o desaparecimento de âmbitos de privacidade para os trabalhadores na empresa uma vez que as mesmas são cada vez mais frequentes e essenciais para o intercâmbio de informação. E para a comunicação que deverá levar-se a cabo em um futuro imediato e não há tratamento legal das novas tecnologias com as ferramentas que nos proporciona o direito vigente, a solução mais viável seria uma reformulação do direito a privacidade, um dos direitos mais afetados pelos avanços tecnológicos da sociedade de informação.

Acreditamos, portanto que não há como não vulnerar os direitos constitucionalmente protegidos, senão que o empresário deverá, además, optar, sensata e ponderadamente, por políticas adequadas de controle da atividade laboral que favoreçam um ambiente de trabalho relaxado e confiavel que proporcione autonomia e intimidade, evitando o receio, a previsão e o mal estar dos trabalhadores por meio de condutas excessivas derivadas do poder empresarial.

Assim o empregador poderá exercer um controle tecnológico sobre seus trabalhadores, desde que seja analisado caso a caso e atendendo a estritos critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade, a utilização de medidas de vigilância e controle que sirvam aos fins a que se pretendam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador. Vale ressaltar que o direito a intimidade, é igual aos demais direitos fundamentais não sendo absoluto e podendo ceder ante os interesses constitucionalmente relevantes, sempre que seja necessário para lograr um fim legítimo, proporcionando o respeito ao conteúdo essencial do direito.

 

Mário Paiva

malp[arroba]interconect.com.br



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