O Correio eletrônico transformou-se em um fenômeno generalizado em todo o mundo no que diz respeito aos modos de comunicação interpessoal fazendo parte da vida cotidiana de cada um de nós. Além do uso doméstico, o mesmo tem sido utilizado como um poderoso instrumento de comunicação interno e externo das empresas sedo algumas vezes a principal via de transmissão de informação.
No direito comparado podemos constatar um avanço considerável no que diz respeito regulamentação e até mesmo jurisprudência envolvendo questões trabalhistas relacionadas a informática, como é o caso de recente decisão da Sala Social do Tribunal Superior de Justiça Catalunya composta pelo Dr. José Quetcuti Miguel, Dr. Francisco Javier Sanz Marcos e Dra. Rosa Maria Virolés Pinõl no processo de número 4854/2000 onde tiveram a oportunidade de julgar uma caso envolvendo a chamada "informatização da demissão".
Entenderam os julgadores que o envio por parte do empregado sem autorização da empresa de 140 mensagens (e-mail´s) a 298 destinatários de natureza obscena, humorística e sexual a terceiros e a outros colegas de trabalho alheios a sua função gera demissão do empregado sem direito a indenização e salários em tramite e absolvição da empresa.
Uma das justificativas para a decisão colegiada é a de que o empregado concorreu em incumprimento de sua real prestação de serviços uma vez que a empresa demandada só permite a utilização deste sistema de comunicação para fins de execução da atividade laboral.
O trabalhador ao utilizar dos meios informáticos por conta da empresa em grande número de ocasiões para fins alheios a sua atividade e comprometendo a atividade laboral de outros empregados, transgrediu a boa-fé contratual, violando os deveres de conduta e cumprimento dos deveres de boa-fé contratual que se impõe ao trabalhador.
No presente caso a natureza e características do ilícito descrito supõem uma clara infração dos deveres de lealdade laboral que justificam a decisão empresarial de extinguir o contrato de trabalho.
Referida decisão fez surgir o debate acerca do uso do correio eletrônico como meio de comunicação pela empresa bem como sua influência no terreno das relações laborais, centrando-se na questão da licitude da interceptação do correio eletrônico dos trabalhadores. Apesar da falta de regulamentação específica sobre a matéria podemos situar alguns pontos chaves da questão.
Do ponto de vista estritamente técnico, o empresário tem a possibilidade de controlar e arquivar todo o correio eletrônico que circula pela rede de comunicação da empresa. Pois isso esse controle pode ser considerado mais uma medida de vigilância e supervisão dos trabalhadores oferecidas pelas novas tecnologias, concomitantemente a outras como o controle de navegação na internet – de todos ou de cada um dos clics que se efetuam originados de qualquer computador – o uso da intranet, o controle de chamadas telefônicas, a instalação de câmeras ou microfones, etc...
Referida vigilância das comunicações na empresa pode ter conotações legítimas, como por exemplo a de controle da qualidade de trabalho, possibilitando a correção de erros no sistema produtivo, assim como uma medida de proteção e vigilância ante as atuações desleais do trabalhador, como o uso particular das ferramentas da empresa para cometimento de fraudes, abuso sexual e introdução de vírus de espionagem industrial.
Assumindo os riscos da atividade econômica e detendo o poder diretivo, cabe ao empregador estabelecer regras de conduta dentro de sua organização, afim de melhor alcançar os objetivos do empreendimento. O poder diretivo do empresário de adotar medidas de vigilância e controle para verificar o cumprimento das obrigações do trabalhador é reconhecido no artigo 482 da CLT e vem a ser o mesmo preceito que limita abusos por parte do empregador fazendo com que respeite a dignidade humana do trabalhador. Por isso esse poder de vigilância e controle pode chocar-se frontalmente com o direito fundamental da intimidade pessoal consagrado no artigo 1988 da CF que deixou claro que o Estado Democrático de Direito tem, como fundamento, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). O direito a intimidade se configura como direito vinculado a própria personalidade, derivado da dignidade da pessoa, que reconhece a existência de um âmbito próprio e reservado frente a ação e ao conhecimento dos demais, necessário, segundo as pautas de nossa cultura, para manter uma qualidade mínima da vida humana.
Assim mesmo o artigo o art. 5o, inc. XII da Constituição da República reza que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal." O bem constitucionalmente protegido é a liberdade das comunicações e a reserva sobre a comunicação emitida, com independência do contido na mesma. O direito abarca tanto a interceptação em sentido estrito (que supõe a apreensão física do suporte da mensagem – com conhecimento ou não do mesmo – ou captação, de outra forma, do processo de comunicação) como pelo simples conhecimento antijurídico do comunicado (abertura da correspondência alheia guardada por seu destinatário, por exemplo)
O segredo postal configura-se, em conseqüência, como um direito derivado do direito ao segredo das comunicações. Assim acreditamos não restar dúvidas que a cobertura do preceito constitucional também é estendida ao correio eletrônico, levando-se em consideração que o preceito fundamental protege o segredo das comunicações independentemente do meio utilizado.
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